Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/o-estrangeiro-de-albert-camus-passeio.html antes
de ler esta postagem:
Depois
do entrevero com os árabes, quando acabou ferido, e da visita ao médico para os
curativos, Sintès ficou mal-humorado e quis sair à praia para outra caminhada em
busca de ar... Meursault o acompanhou, embora o outro não desejasse companhia.
Apesar do intenso calor, andaram por um bom tempo. O rapaz imaginou que
Sintès sabia aonde ia, mas ao mesmo tempo podia estar indeciso ou enganado. Já
no fim da praia, chegaram “a uma pequena fonte que corria para a areia, em
direção do mar, por detrás de um grande rochedo”. Neste local avistaram os dois
árabes. Eles estavam deitados e ainda vestiam os “trajes azuis e sujos”.
Pareciam bem calmos e tinham uma aparência “quase beatífica”.
(...)
Os tipos não se mostraram
incomodados com a chegada dos dois. Aliás, o que havia lutado com Sintès e o
ferira olhava-os sem nada dizer. Seu companheiro soprava numa rústica flauta,
provavelmente feita por ele mesmo, as “três notas que conseguia obter do
instrumento”. Este também os olhava pelo canto dos olhos sem manifestar
qualquer incômodo.
Meursault lembra que a atmosfera estava tomada pelo
calor do sol, o monótono barulho da nascente e pelas três notas da flauta.
Sintès colocou a mão no bolso detrás da calça... Seu desafeto notou e, ainda sem
esboçar qualquer movimento, continuou a fitá-lo.
A cena estava envolvida em tensão... Apesar disso, Meursault voltou sua
atenção para os pés do que tocava flauta e notou que seus dedos eram bem
afastados. O Sintès também encarava o adversário e sem desviar os olhos
perguntou ao companheiro se devia atirar...
Meursault imaginou que se respondesse negativamente o amigo
se excitaria e daria o disparo, então resolveu falar que “o tipo ainda não
disse nada; disparar assim sem mais nem menos, não seria bonito”.
(...)
Obviamente a tensão aumentou... Envolvidos pelo estonteante calor, os
personagens permaneceram em silêncio. Tudo o que se ouvia eram a música da flauta
e o leve som da água.
Sintès deu atenção ao
conselho do amigo e sugeriu que, então, poderia insultar o seu adversário para
que ele reagisse. Desse modo passaria a ter um bom motivo para atirar.
Meursault assentiu, mas advertiu que se o tipo não puxasse a navalha não seria
correto atirar.
O caso é que essa resposta
parece ter deixado o Sintès nervoso... Ele pretendia dar cabo do outro que, junto
com o comparsa que se mantinha pacientemente tocando a flauta, o observava com
atenção.
Os movimentos
do Sintès não deixaram dúvidas... Ele estava prestes a atirar e no momento
decisivo Meursault disse-lhe “não”, pediu a arma e o aconselhou a enfrentar o
adversário “homem a homem”. Se o comparsa interferisse ou puxasse a navalha,
então ele atiraria.
Sintès entregou sua arma ao amigo... Ela brilhou ao ser atingida pela
luz do sol... Os dois mantiveram-se imóveis e tudo à sua volta eram mar, areia,
a estupenda claridade, e os sons da água e da flauta.
(...)
A arma estava com Meursault
que pensou mesmo que atirar ou não dava no mesmo... Mas foi de repente que os
árabes iniciaram uma movimentação de recuo até “desaparecerem por detrás do
rochedo”.
Sintès e o companheiro resolveram voltar para a casa
do Masson... Depois que tomaram o ônibus, ele até se dispôs a falar. Pelo visto
estava bem melhor. Ao chegarem, Meursault permaneceu ao pé da escada enquanto o
outro subia. O que o maçava era o esforço que teria de fazer para a subida e
ainda o ter de falar às mulheres.
Ele acabou entendendo que ficar parado ali sob a ardente luz do sol também
lhe era aborrecido. Permanecer ou retirar-se eram-lhe indiferentes. Depois de
algum tempo voltou a caminhar na direção da praia.
(...)
A caminhada solitária teve início... Nada de novo, o
brilho avermelhado era o mesmo, as ondas quebravam uma após outra arrefecendo o
intenso calor da areia...
Meursault sentiu o inchaço da testa sob o sol
devastador. Não pensou muito ao escolher o caminho que levava aos rochedos.
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto