domingo, 24 de dezembro de 2023

“O Caso dos Exploradores de Cavernas – No Superior Tribunal de Newgarth – Ano de 4300”, de Lon L. Fuller – em breve o Juiz Truepenny daria seu voto; narrativa sobre o primeiro contato radiofônico dos exploradores acidentados com o resgate e a dúvida a respeito de quanto tempo ainda teriam de esperar; após avaliação médica, o canibalismo proposto por Roger Whetmore provocou incômodos a autoridades políticas, religiosas e judiciária

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2023/12/o-caso-dos-exploradores-de-cavernas-no.html antes de ler esta postagem:

Temos um caso de processo que envolve a acusação de homicídio doloso e condenação à morte...
Como vimos, Roger Whetmore liderou um grupo de aventureiros na exploração de uma caverna de rochas calcárias. A expedição foi marcada por acidente e resultou em morte... Nessa postagem conheceremos maiores detalhes.
Depois de resgatados, quatro sobreviventes foram acusados e recorreram ao Tribunal do Condado de Stowfield ao Superior Tribunal de Newgarth, onde o caso foi analisado e a primeira condenação passou por revisão.
Como vimos anteriormente, o Juiz Truepenny foi o primeiro a se manifestar... Coube a ele esclarecer os fatos que ocorreram em maio de 4299.
(...)
Estamos no ponto em que o juiz explicava que depois de vinte dias do desmoronamento na caverna, os exploradores conseguiram contato com os grupos de resgate graças à comunicação por rádio...
A primeira coisa que os aventureiros quiseram saber foi acerca do tempo que ainda teriam de esperar até serem resgatados. Os engenheiros explicaram que precisavam de pelo menos dez dias, e isso se não ocorressem novos deslizamentos.
Na sequência pediram para conversar com algum médico... Assim que foram colocados em contato com o doutor, relataram a respeito de suas precárias condições e sobre o pouco que tinham para se alimentar. O diagnóstico médico foi o de que dificilmente sobreviveriam aos dez dias.
Aconteceu que depois disso o rádio não foi acionado pelos acidentados durante oito horas. Quando restabeleceram contato, foi Whetmore que, em nome do grupo, quis saber do chefe da equipe médica se teriam alguma chance de sobrevivência se se alimentassem de carne humana. Sem esconder sua relutância o doutor respondeu afirmativamente... Então o representante dos demais acidentados perguntou “se seria aconselhável que tirassem a sorte para determinar qual dentre eles deveria ser sacrificado”. Nenhum dos médicos da equipe se sentiu à vontade para responder.

Sempre em nome dos demais acidentados, Whetmore perguntou se algum juiz ou autoridade de governo podia responder o questionamento que havia levantado.

Como ninguém se apresentou, o líder e porta-voz do grupo que esperava o resgate sugeriu que algum padre ou pastor os orientasse em relação ao que estavam consultando.
Mais uma vez ninguém tomou a frente entre os que faziam parte das equipes de salvamento para responder-lhes. Na sequência o aparelho radiofônico permaneceu silenciado e o pessoal do salvamento imaginou que já não havia carga nas pilhas que o faziam funcionar. Após concluírem o resgate reconheceram que a comunicação havia sido interrompida por deliberação dos aventureiros.
A retirada dos homens acabou revelando que Whetmore havia sido assassinado por seus companheiros, que o fizeram de alimento.

(...)

Obviamente abriu-se o processo. Os quatro acusados revelaram que o próprio

Whetmore havia proposto recorrerem ao sacrifício de um deles para que os demais sobrevivessem. E houve consenso, já que sem a provisão de carne fatalmente morreriam.
O interrogatório revelou que Whetmore sugeriu que realizassem um sorteio e observou aos demais que trazia um par de dados consigo. Os companheiros fizeram objeções à ideia, todavia acabaram concordando depois de certa discussão. A questão não ficou de toda resolvida porque pouco antes de iniciarem o “sorteio”, o autor da proposta manifestou desistência e justificou que, depois de pensar melhor, deviam adiar o sorteio macabro e esperar por mais uma semana. Aconteceu que os companheiros o acusaram de “violar o acordo” e deram início aos lançamentos de dados... Na vez do arrependido Whetmore, um dos rapazes assumiu o lançamento em seu lugar. Ele não apresentou qualquer objeção em relação à sorte que lhe foi desfavorável... Conforme o que haviam acertado, “foi morto e serviu de alimento para os demais”.

Concluído o resgate, os quatro foram recolhidos a um hospital para que se recuperassem da desnutrição e do “choque emocional”. Depois veio a denúncia por

“homicídio de Roger Whetmore”... Durante o julgamento um dos jurados, que era advogado, marcou posição em defesa dos acusados e perguntou ao juiz se o corpo de jurados poderia “emitir uma decisão especial, deixando ao juiz togado o julgamento se, em conformidade com os fatos provados, havia uma autoria delitual ou não dos acusados”.

O representante do Ministério Público concordou com a petição e junto com o

“advogado da defesa” manifestou seu consentimento... O juiz homologou e o processo teve prosseguimento:
“Os jurados acolheram as provas dos fatos como alhures relatados e, ainda que com base nos mesmos fundamentos os acusados fossem considerados culpados, deveriam eles ser condenados pelos mesmos fundamentos. Com base nesse veredicto o juiz de primeira instância decidiu que os réus eram culpados pelo assassinato de Roger Whetmore”.
Leia: O Caso dos Exploradores de CavernasRussell Editores.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

“O Caso dos Exploradores de Cavernas – No Superior Tribunal de Newgarth – Ano de 4300”, de Lon L. Fuller – uma introdução; sobre o ensaio enquanto peça didática para aprendizado e problematização do cotidiano dos tribunais; início do voto do Juiz Truepenny e apresentação do caso dos exploradores de cavernas; do acidente e esforços da Associação de Espeluncologia, do pessoal envolvido no resgate e da sociedade; rádio transmissor e contato dos acidentados com a área externa

O ensaio de Lon L. Fuller traz uma série de inquietações/problematizações para os estudiosos do Direito e os que “buscam o exercício da razão do justo”. Faz isso recorrendo a uma ficção em que somos levados a examinar o desenrolar de julgamento no “Superior Tribunal de Newgarth no ano de 4300”.
O caso em questão apresenta elementos a respeito do desenvolvimento do processo e os motivos de ele ter chegado à instância na qual os juízes se manifestaram. A narrativa evidencia que o Direito deve ser entendido como ciência devotada a colocar fim aos conflitos, mais especificamente (em relação ao que o texto apresenta) àqueles “gerados em momentos em que a necessidade tenta contrariar o ato ilícito”.
A exposição dos argumentos e justificativas de cada juiz nos revela muito da “realidade dos tribunais”. Cada um busca sustentar o voto avaliando a movimentação e decisões dos implicados, resgatando casos anteriores com o objetivo de afastar possíveis falhas no juízo. Notamos que a discussão no tribunal não desconsidera a opinião pública a respeito dos episódios que são objeto da análise dos magistrados.
Ricardo Rodrigues Gama, o tradutor da obra, destaca que a decisão do julgador se fundamenta no Direito, mas passa também pela “Sociologia, Filosofia, História, Teoria do Estado e pela Ciência Política”. Daí que as decisões acabam por refletir “a noção de justiça cultuada pelo povo do período em que se vive” no território mesmo em que os fatos se dão.

(...)

Os acusados foram processados por homicídio doloso e condenados à morte. A repercussão foi grande e marcada pelo inconformismo. A partir daí, “recorreram da decisão do Tribunal do Condado de Stowfield ao Superior Tribunal de Newgarth”. O juiz-presidente expôs as ambiguidades (contidas na decisão do tribunal) levantadas pelos processados em seu relatório.
O primeiro voto foi do Juiz Truepenny... Mas antes de manifestar sua decisão, coube a ele explicitar os eventos que os levaram à sessão.
O juiz esclareceu que os quatro acusados eram “membros da Associação de Espeluncologia” e naturalmente apreciadores de cavernas. Em maio de 4299 realizaram expedição a uma caverna de rochas calcárias, ocasião em que foram acompanhados por Roger Whetmore, também membro da referida associação. Quando já se encontravam em posição bem avançada, aconteceu um desmoronamento que obstruiu completamente a única passagem que dava acesso ao lugar. Decidiram permanecer junto à passagem obstruída na esperança de que em breve uma equipe de salvamento iniciasse o resgate.
De fato, não demorou e os familiares dos exploradores notificaram a Secretaria da Associação a respeito de seu não retorno aos lares. Como haviam declarado formalmente a localização da caverna, uma equipe de salvamento se deslocou para lá sem demora. O caso é que a tarefa revelou-se das mais difíceis e demandou o trabalho de especialistas geólogos e engenheiros, além de um número muito grande de operários e máquinas. O trabalho era constantemente interrompido devido a deslizamentos secundários e, como consequência, os gastos tornaram-se altíssimos.
A própria tesouraria da Associação anunciou o esgotamento de seus fundos por conta das operações de resgate. A sociedade apoiou as campanhas de arrecadação e os esforços do Poder Público, mas os homens foram resgatados somente trinta e dois dias depois de ingressarem na caverna.
Dado que os exploradores levavam alimentação suficiente apenas para o breve período que deviam permanecer na caverna, em pouco tempo ficaram sem provisões. O caso parecia se encaminhar para um final satisfatório quando no correr do vigésimo dia as equipes de salvamento ficaram sabendo que os desafortunados carregavam um rádio transmissor com a possibilidade de receber e transmitir mensagens. Resolveram instalar equipamento similar para estabelecer contato.
Leia: O Caso dos Exploradores de CavernasRussell Editores.
Um abraço,
Prof.Gilberto 

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