segunda-feira, 24 de maio de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – jantando no Celeste na companhia de um tipinho bem estranho, de fome voraz e atenta às novidades dos programas de rádio; depois de uma perseguição sem qualquer sentido, um encontro com o velho Salamano; desabafos e narrativa sobre uma vida normal e desinteressante; comentários sobre o que falavam pelo bairro a respeito do envio da mãe ao asilo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/o-estrangeiro-de-albert-camus-o-chefe.html antes de ler esta postagem:

Meursault foi ao Celeste para jantar... A certa altura uma mulher, tipinho bem esquisito, perguntou-lhe se podia sentar-se à mesa. Ele não fez caso, mas notou que a outra tinha “gestos bruscos e olhos brilhantes” numa “cara de maçã”.
Depois de tirar o casaco, a figura sentou-se e pôs-se a manipular freneticamente o cardápio. Chamou o Celeste e anunciou “com voz precisa e precipitada” os pratos que havia escolhido. Na sequência pôs-se a aguardar o “couvert”; “abriu a carteira, tirou um pequeno quadrado de papel e um lápis, fez a conta ao que tinha que pagar, e depois tirou do porta-moedas, acrescentando-lhe a gorjeta, a quantia exata”.
Logo que chegou a “entrada”, viu-se que a mulher estava mesmo com fome, pois atacou os petiscos com voracidade. Depois pegou um lápis azul para fazer rabiscos numa revista de “programas radiofônicos da semana”. Prestava muita atenção às informações e sublinhava várias delas. Fez isso “durante toda a refeição” e Meursault notou sua aplicação, que continuou por um bom tempo até o momento de se levantar, vestir novamente o casaco e se retirar como se fosse um “autômato”.
O rapaz não tinha o que fazer, então decidiu sair também e seguir a estranha mulher por algum tempo. Notou que caminhava com “segurança e rapidez (...), sem se desviar e sem olhar para os lados”.
Meursault logo a perdeu de vista... Pensou sobre a estranheza daquele tipo, mas logo a esqueceu.
(...)
De volta ao seu prédio, encontrou Salamano e o convidou a entrar em seus aposentos... O velho foi dizendo que seu cão havia mesmo se perdido, pois não obteve nenhuma informação na Câmara. Os funcionários disseram-lhe que talvez tivesse sido atropelado.
Meursault não sabia o que dizer, então perguntou se não se podia obter informações junto aos comissários da polícia. Sim, Salamano havia recorrido a eles, mas ficou sabendo que não lidavam com esse tipo de caso. O rapaz sugeriu-lhe que arranjasse outro cão, mas o velho argumentou “que estava habituado àquele”.
Neste ponto não havia como discordar do desafortunado... Meursault estava disposto a não dizer mais nada, manteve-se deitado na cama enquanto o velho acomodou-se numa cadeira junto à mesa e baixou as mãos sobre os joelhos...
A presença do outro em seu apartamento era maçante. Com o chapéu na cabeça e desembuchando frases que não terminavam, o velho parecia não mostrar que se retiraria logo. Apesar disso, o rapaz não estava com sono e resolveu permitir que a conversa sobre o animal se prolongasse...
Salamano explicou que pegou o cachorro para cuidar assim que sua esposa morreu. Eles haviam se casado já “bem tarde”. Contou que durante a juventude quis “entrar para o teatro” e que quando prestou serviço militar até participou de apresentações para a tropa... Disse que depois ingressou nos “caminhos de ferro”, ou seja, tornou-se ferroviário, e não se arrependeu, já que podia contar com a aposentadoria.
Em relação à esposa, Salamano admitia que não viviam felizes... Apesar disso, se habituara a ela e após a sua morte se sentiu muito solitário. Um de seus colegas que trabalhava no escritório lhe ofereceu o cão ainda recém-nascido, que tinha de ser alimentado com a mamadeira... O caso é que se habituaram um ao outro e envelheceram juntos.
Ainda a respeito do cachorro, disse que “tinha mau feitio” e por isso as zangas rotineiras. Apesar da pouca harmonia entre os dois, reconhecia que “era um bom cão”. A este respeito, Meursault opinou que “devia ser de boa raça” e o velho pareceu tão contente que adiantou que o rapaz não o havia conhecido antes da doença do pelo... Garantiu que “não havia pelo mais bonito do que o dele” e que, quando a moléstia teve início, dedicou-se para a passar-lhe pomada de manhã e à noite. O que mais podia fazer? Entendia que “a verdadeira doença do cão era a velhice”. E para isso não há cura.
(...)
Neste ponto da conversa o rapaz bocejou... Salamano anunciou que era momento de se retirar, então Meursault disse-lhe que podia ficar mais e que sentia muito pelo desaparecimento de seu cão.
O velho agradeceu... Como se vê, tinha mesmo necessidade de desabafar e ouvir algum consolo. Disse que “sua pobre mãe” gostava muito do cachorro. A falar da falecida, emendou que imaginava que Meursault estivesse infeliz por isso. Ele nada respondeu e, meio sem jeito, o outro revelou que as pessoas do bairro o criticavam por a ter enviado ao asilo.
Talvez querendo desfazer o mal-estar, Salamano disse que sabia que o vizinho gostava muito da mãe. Meursault falou que nada sabia do que diziam a seu respeito, ignorava que o criticassem e sentenciou que o asilo havia sido um recurso “natural” também pelo fato de não ter recursos para mantê-la consigo. Depois acrescentou que já fazia um bom tempo que não tinham “nada que dizer um ao outro e que ela se aborrecia sozinha”.
O velho concordou e lembrou que no asilo “arranjam-se amigos”... Disse isso e se despediu.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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