Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2024/01/o-caso-dos-exploradores-de-cavernas.html antes
de ler esta postagem:
Foster prosseguiu sustentando que a proposição
que indica que o direito positivo se fundamenta na “possibilidade de
coexistência” e que anunciar essa obviedade era como fazer referência à
importância do ar que respiramos (até esquecemo-nos de sua existência, mas a
sua falta nos leva ao sufoco)... Pois o mesmo ocorre com o direito positivo,
que em todos os seus ramos está voltado para “o sentido de facilitar e melhorar
a coexistência dos homens e de regular com justiça e equidade as relações
resultantes de sua vida em território comum”... A partir do momento em que o
grupo de aventureiros vivenciou a condição “em que a conservação da vida só era
possível pela privação da vida, as premissas básicas subjacentes a toda nossa
ordem jurídica perderam seu significado e coercibilidade”.
Como que a introduzir
a segunda premissa, Foster argumentou que se o caso da caverna “tivesse
ocorrido a uma milha de distância” dos limites do país ninguém pretenderia
aplicar a lei reguladora a ele. E isso porque a jurisdição está delimitada à
base territorial em que a sociedade se desenvolve. A premissa é elementar a
todos os que refletem acerca do Direito: “só é possível impor-se uma única
ordem jurídica a um grupo de homens se eles vivem juntos nos limites de uma
porção da superfície terrestre”. As regras jurídicas são elaboradas a partir
deste princípio da convivência em uma mesma territorialidade.
Ele sustentou que razões de ordem moral e de “ordem geográfica” podem
justificar a não aplicação coercitiva da ordem jurídica, e que os aventureiros,
enquanto estiveram na caverna e “tomaram a trágica decisão”, localizavam-se
muito distantes da “ordem jurídica como se estivessem a mil milhas, para além
dos limites territoriais do país”. E mesmo fisicamente pode se afirmar o mesmo,
já que “uma sólida cortina rochosa” os isolara.
Depois dessas
palavras, o juiz Foster sentenciou que por ocasião do assassinato de Whetmore
seus companheiros não se encontravam “em estado sociologista, mas em estado
natural”. Disse isso admitindo que recorrera à “linguagem dos doutrinadores do
século XIX”. E se assim era, o colegiado dos juízes não podia condená-los por
qualquer crime. Até porque o que eles haviam feito havia sido acertado através
do pacto proposto por Whetmore e aceito por todos. É como se tivessem
compreendido a necessidade de “elaborarem uma Carta Constitucional que refletisse
a nova ordem estatal em que se encontravam”.
(...)
Foster falou a respeito dos
esforços dos “antigos pensadores” (entre 1600 e 1900) de definirem as bases dos
governos a partir de supostos contratos sociais...
Admitiu que os céticos
levantaram críticas à ideia, já que não podiam encontrar evidências científicas
de que governos do passado haviam sido estabelecidos a partir de tais
convenções... Por outro lado, os moralistas argumentaram que ao que tudo indica
o pacto (contrato) parece fornecer a “única justificação ética para os poderes
do estado, inclusive aquele de pôr fim à vida”. Daí os poderes do Estado só
poderem “ser justificados moralmente”, já que isso levaria os “homens razoáveis
a se posicionarem de acordo (com o contrato)” - e aceitar suas prerrogativas na
medida em que “vislumbrassem a satisfação da necessidade de construir novamente
alguma ordem capaz de tornar possível a vida em sociedade”.
A dúvida levantada pelos
céticos não podia ser problema para os contemporâneos do “caso dos exploradores
de cavernas”, já que “no ano de 4300” possuíam substanciosas comprovações de
que o governo sob o qual se organizavam havia sido “fundado mediante acordo de
homens livres” logo após a “Grande Espiral”, que dizimou grande parte da
população... Os que sobreviveram se dispuseram a se reunir para redigir uma
“Carta Política do Estado” que, embora atacada por certos escritores críticos
da obrigação imposta às gerações posteriores de a obedecerem, permanece
definindo a organização dos governos que se sucedem.
Portanto,
toda ordem que se pode observar tem sua origem e fundamentação no pacto que foi
celebrado logo após a “Grande Espiral”. A referida “Carta Política” seria,
então, a fonte mais elevada para a ordem jurídica vigente... Não se podia “encontrar
fonte mais elevada”. Como esperar que os esfomeados aventureiros de cavernas
encontrassem ordenamento superior?
Continua
Leia: O Caso dos Exploradores de Cavernas. Russell Editores.
Um abraço,
Prof.Gilberto