A movimentação nos currais prosseguiu...
Ao ouvir mugido específico, um dos garrotes (bezerro ainda novo) resolveu avançar na direção de onde vinha o chamado... Uma fileira inteira de animais se movimentou por conta do capricho do pequeno animal, que pretendia juntar-se a outro que jamais tinha visto, mas que lhe transmitia segurança.
Enquanto isso, outros sons se faziam ouvir no meio das manadas... O característico gemido do caracu-pelixado (espécie ibérica introduzida no Brasil desde os tempos coloniais), iniciado “por um eme e prolongando-se em rangidos de porteira velha” era respondido por outros bois mais afastados e cercados por manada que parecia não ter fim.
(...)
Tumultos
não eram novidade... Os currais sempre abrigavam animais menos domesticados.
Esse era o caso de um pantaneiro que havia nascido há cerca de três anos “na
campina sem cerca” e que, por dois anos e meio, vivera no mato sem ver gente...
Diferentemente dos demais, ele sequer era marcado a ferro. Talvez por isso se
sentisse desconfortável em meio ao aperto... Provocou correria ao atacar os outros,
inclusive um touro sertanejo que teve de sair da roda de confusão que o outro
armava.
O citado “sertanejo” parecia
saber que devia se afastar das confusões... Experiente, colocou “o peso do
corpo na frente” e seguiu abrindo caminho em meio aos demais. É claro que esse
movimento provocava outros... Um “boieco china” se espantou e tratou de subir
na garupa de um “franqueiro”. Este, por sua vez, correu o quanto pôde para se
meter no meio da massa...
Noutro ponto, um “boi
sanga sapiranga”, exemplar de grande corcova, se irritou com as chifradas que o
atingiam e desferiu golpes de solavancos com a própria anca nos que o cercavam.
E foi como o “efeito dominó”, pois uns passaram a golpear aos outros.
(...)
Então
a agitação tomava conta de toda a área do curral conflagrado... Para retratar o
evento, Guimarães Rosa destaca que em meio à boiada:
“empinam-se os cangotes, retesam-se os fios dos lombos em sela,
espremem-se os quartos musculosos, mocotós derrapam na lama, dançam no ar os
perigalhos, o barro espirra, engavetam-se os magotes, se escoram, escouceiam.
Acolá, nas cercas, - dando de encontro às réguas de landi, às vigas de guarantã
e aos esteios de aroeira - carnes quadradas estrondam”.
Em meio à confusão,
ouvia-se o choque entre os chifres de todo tipo:
“longos, curtos, rombos, achatados, pontudos como estiletes, arqueados,
pendentes, pandos, com uma duas três curvaturas, formando ângulos de todos os
graus com os eixos das frontes, mesmo retorcidos para trás que nem chavelhos,
mesmo espetados para diante como presas de elefante”...
Os formatos dessas “armas
naturais” eram os mais diversos e lembravam, nos dizeres do autor, a “meia-lua”,
os “esgalhos de cacto”, “barras de cruz”, os “braços de âncora”, “candelabros”,
“forquilhas de pau morto”, o esqueleto dos caranguejos, os chifres do satanás,
as “liras sem cordas”...
O mais eram estralados dos golpes... O barulho lembrava o mesmo dos
finais das queimadas, “quando há moitas de taboca fina fazendo ilhas no
capinzal”...
(...)
De repente os confrontos e o tumulto generalizado arrefeceram.
O corisco (raio, relâmpago) alumiou o céu ao
longe... Todo o gado parecia saber que logo o estrondo chegaria aos seus
ouvidos.
Então,
ainda agitados, retomaram a movimentação marcada pelos deslocamentos em
espiral...
(...)
De longe o burrinho
Sete-de-Ouros assistiu o tumulto bovino e suas violências... Logo se cansou e
voltou ao seu sossego ensimesmado. Baixou a cabeça e adormeceu... Quem o visse
arriscaria a dizer que estava mergulhado em seu “sonho de burro”.
Mas logo o conforto de sua calmaria findou... O grande cavalo preto do
peão Benevides se desprendeu da estaca onde estava amarrado e foi direto para a
coxia do Sete-de-Ouros.
(...)
Vê-se que o animal
está arreado e que seus arreios e cela o tornam ainda mais imponente... Sem a
menor dificuldade, desalojou o pobre burrico.
Mas essa não foi a única agressão, pois a montaria de Zé Grande também
apareceu para golpear o pequeno tabique onde Sete-de Ouros se acomodava...
E
como que a finalizar a agressão que parecia planejada, o cavalo de pelo
amarelado de Silvino empinou e soltou relinchos escandalosos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto