terça-feira, 29 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – gravações na própria secretária eletrônica e reencontro com a mãe

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_28.html antes de ler esta postagem:

Tertuliano telefonou para a casa da mãe... Queria manifestar que estava vivo... Mas o aparelho chamava e ninguém atendia.
O professor concluiu que dona Carolina estava a caminho da cidade... Certamente já fora notificada a respeito da tragédia. Talvez tivesse alugado um táxi e, contando com a compreensão do chofer, já estivesse na cidade grande.
Bem podia ser que dona Carolina já estivesse no apartamento do filho a chorar a sua aflição.
Nesse caso Tertuliano devia tentar telefonar para o próprio apartamento... E foi o que ele fez. Mais uma vez sua chamada não foi atendida por ninguém. Pensou que a polícia podia não ter avançado nas investigações...
Sem conseguir uma explicação, lembrou que em seus pertences (que estavam com o falecido Antônio Claro) e também nos de Maria da Paz havia anotações de agenda sobre a quem comunicar em caso de acidente...
Com essa convicção, entendeu que precisava voltar a telefonar para o apartamento... Certamente a mãe apareceria por lá. Na segunda tentativa a secretaria eletrônica disparou a gravação e ele ouviu a própria voz solicitando para que fosse deixado um recado.
Tertuliano teve uma sensação bem estranha, pois era como se estivesse a ouvir a voz de um defunto... Certamente fariam outra saudação caso o aparelho ainda fosse aproveitado por alguém. Ele nem pensou que no telefonema que dera anteriormente a secretária eletrônica não iniciara a fita automaticamente.
Depois de alguns instantes, Tertuliano tomou fôlego e pronunciou uma mensagem à mãe... Explicou que não era verdade que estivesse morto, pois estava bem vivo e com saúde... Emendou que oportunamente explicaria o que havia se passado... Deu o nome do hotel onde havia se instalado e os números do quarto e do telefone... No final pediu para que lhe telefonasse assim que chegasse, e se despediu pedindo para que ela não chorasse mais.
(...)
Por três vezes ele pediu para a mãe não mais chorar... Mas assim que desligou o aparelho, foi ele que despejou as lágrimas e toda a sua desorientação.
Estava debilitado demais e deixou-se cair na cama... Lembrou-se de que não havia almoçado ainda... Seu estômago protestou e isso o fez seguir para o banheiro com a sensação de que vomitaria... Em vez de eliminar um revirado qualquer, sua boca expeliu uma “espuma amarga”.
Ao retornar para o quarto pensou na gravação que havia deixado na secretária eletrônica e achou melhor acrescentar outras informações. Telefonou mais uma vez para a própria casa e explicou que estava usando o nome de Antônio Claro... Parou um instante e emendou que “o cão se chama Tomarctus”.
Citar o nome do cão de dona Carolina na gravação equivalia a comprovar que se tratava mesmo de Tertuliano... Poderia ter citado muitos episódios da infância e adolescência no interior, mas o nome que ele mesmo dera ao bicho comprovava que o filho de dona Carolina estava vivo de verdade.
(...)
Depois de uma hora o telefone do quarto tocou.
Chamavam da recepção do hotel... O funcionário explicou que certa Carolina Claro o aguardava. Tertuliano pronunciou para si mesmo que aquela era a sua mãe... Depois disse ao tipo que desceria para ter com ela.
Começou a descer numa correria só... Mas considerou que o mais correto seria ponderar nas manifestações de afeto para não chamar a atenção dos demais hóspedes. O elevador demorou um pouco e isso contribuiu para que sua excitação diminuísse.
Parece que Dona Carolina também havia pensado sobre como apresentar-se diante do filho que era dado como morto... É que ela também não se derramou sobre ele, não o cobriu de beijos e não se pronunciou com o espanto dos que avistam um fantasma.
No quarto, Tertuliano abraçou dona Carolina mais uma vez... Manifestou todo o seu contentamento por estar diante da mãe... Por sua vez, a mulher se mostrou comedida... Como que a agradecer, atestou o fato de estar diante do filho legítimo.
Mas não devemos esquecer que dona Carolina, assim como o Senso Comum, fizera de tudo para que o teimoso e temperamental professor evitasse novos contatos com o duplicado.
Escapar de vez daquela história maluca significaria evitar a tragédia... Mas agora era tarde... Duas pessoas estavam mortas!
Dona Carolina exigiu que o filho lhe contasse tudo... Sem meias verdades ou mentiras.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – desespero e pranto; hospedando-se como Antônio Claro; o que será do futuro?; há uma mãe aterrorizada pela fatalidade que não vitimou seu verdadeiro filho

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_27.html antes de ler esta postagem:

Só podemos entender que Tertuliano queria muito bem à Maria da Paz... Seu drama aumentava na medida em que a sua consciência o incriminava... Fora covarde, não retribuíra à da Paz o amor que ela merecia, além disso, o seu egocentrismo a levara à morte.
Tipos que passavam pela calçada viam que o homem no carro estacionado estava muito amargurado... Um deles chegou a parar e oferecer-lhe ajuda. Ele dispensou, agradeceu e voltou a se desmanchar em lágrimas.
O pranto durou até que elas se esgotassem por completo... O que havia mais a se fazer? Todo o seu desgosto passaria em algum momento... A dor se dissiparia. Ademais, naquele momento mesmo entendeu que estava transformado em Antônio Claro para sempre... O que faria a partir de então? Para onde iria? Não sabia ao certo, mas colocou o carro em movimento.
Pensou que não teria como ir à própria casa, pois àquela altura todos já o tinham como morto... Tampouco teria como dizer à Helena que seu marido havia falecida porque ela o tinha pelo verdadeiro Antônio Claro... De nada valeria aparecer na casa de Maria da Paz... Ele jamais fora convidado para ali comparecer, além disso, só traria mais confusão.
(...)
Vemos o professor preocupado em acomodar-se num quarto de hotel onde pudesse chorar à vontade e também colocar as ideias em ordem... Sim, precisava de um quarto... A noite anterior havia passado com Helena porque a situação era a da desforra... Deitara-se com a mulher do outro porque ele roubara-lhe a Maria.
Todos nós entendemos de onde vem a lógica de sua desforra... Tertuliano conhecia bem a “lei de talião” que inspirara o Código de Hamurabi... O enredo da noite anterior havia sido o do “olho por olho, dente por dente”. Os tipos eram idênticos, seus delitos também.
Tertuliano possuía muitos defeitos... Mas não admitiu a possibilidade de retornar à casa do Antônio Claro para dormir novamente com a esposa deste... Seria demais! O ator acabara de morrer!
(...)
Tertuliano dirigiu até o centro da cidade, onde há mais opções de hospedagem... Não tinha como saber sobre o dia seguinte e os próximos... Era professor e sabia que as escolas necessitam de docentes que ministram aulas de História, mas obviamente não teria como retornar ao antigo trabalho...
E o caso do Antônio Claro? Oficialmente estava vivo... Tertuliano era o seu “igual” e possuía seus documentos de identificação... Mas era certo que em breve o mundo do cinema saberia que o ator renunciara a promissora carreira.
Quando a recepcionista do hotel pediu que se identificasse, o tipo teve cuidado para não dar o nome que possuía a trinta e oito anos (oficialmente, naquele momento, Tertuliano estava numa gaveta do necrotério).
A funcionária do estabelecimento não teve nenhuma dúvida quando consultou o documento de identificação do recém-chegado... Depois da assinatura, Tertuliano achou por bem justificar o motivo de não trazer bagagens: havia perdido o voo, suas malas ficaram no aeroporto, e era por isso que se instalava apenas para o pernoite.
Mas era evidente que a moça não estava interessada nos transtornos que levaram o tipo até o estabelecimento... Além disso, sua ocupação não lhe permitia perder tempo com situações que não eram da alçada do hotel.
(...)
Tertuliano subiu ao quarto que alugara e dirigiu-se ao banheiro para descarregar a bexiga.
Pretendia descansar a mente... Deitou-se, mas logo imaginou o veículo que tão bem conhecia totalmente despedaçado, em seu interior os dois corpos desfigurados e ensanguentados.
Isso o fez chorar novamente... Na solidão do quarto soluçou como se criança fosse.
Talvez por isso tenha se recordado de repente de dona Carolina... Evidentemente sua mãe já devia estar sabendo da fatalidade... Puniu-se por não ter pensado nisso antes... Logicamente a polícia devia ter chegado ao seu prédio e entrevistado os vizinhos... Os tiras procurariam por parentes... Chegariam à vizinha do andar de cima e graças a ela contatariam dona Carolina.
(...)
O trágico fim do filho e da jovem que parecia ser a companheira perfeita traria muito sofrimento à senhora.
Tertuliano, o verdadeiro, o que está transmudado em Antônio Claro, é quem pode trazer luz ao sofrimento da mãe.
É por isso que o vemos a telefonar para a casa dela...
Mas ninguém atende a chamada.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 27 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – Antônio Claro não retornou; Tertuliano deixa Helena e busca respostas para as ausências; também Maria não voltará

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-de.html antes de ler esta postagem:

O relógio acusava que a metade do dia havia se passado... Nada de Antônio Claro... Pelo visto não viria... Algum imprevisto devia ter ocorrido. Ainda mais que o carro da viagem pertencia ao próprio Tertuliano, e este sabia bem que o veículo já era velho e suscetível a avarias mecânicas diversas.
O professor viu-se preocupado... Mais uma hora se passou... Helena anunciou que almoço estava na mesa... Ele respondeu que estava sem apetite e que precisa sair... Emendou que era melhor que ela comesse sozinha.
A mulher perguntou o que havia acontecido... Ocorrera-lhe algum mal estar?
Pode ser que ele quisesse dar uma resposta mal educada... Afinal nem eram casados e, sendo assim, não se sentia na obrigação de dar-lhe satisfações. Em vez disso, falou que depois explicaria o que estava acontecendo.
(...)
Sabemos que esse tipo de compromisso era bem típico do professor Tertuliano... Maria da Paz, sobre quem obviamente também não tinha notícias, ainda aguardava toda verdade sobre a carta à produtora.
Ainda não é tempo de sabermos se Helena conhecerá a verdade sobre o que estava ocorrendo... Nitidamente amargurada, sugeriu que o “esposo” trocasse a roupa para sair... Tertuliano concordou e deu a entender que vestiria calça e casaco.
(...)
Tertuliano seguiu seu caminho... Helena o havia acompanhado até a porta do elevador. Sem entender a repentina frieza com que ele a estava tratando, sentiu que o estado depressivo a atormentaria novamente.
Depois que se viu sozinha no apartamento chorou copiosamente enquanto perguntava a si mesma o que estava se passando.

(...)

No moderno carro do Antônio Claro, Tertuliano também não obtinha respostas para as suas dúvidas. Imaginou que o melhor que tinha a fazer era dirigir até um lugar mais afastado para buscar uma reflexão metódica até chegar a uma conclusão...
Aconteceu que logo nas primeiras manobras ao volante entendeu que bastaria telefonar à Maria da Paz... Então guiou o veículo até uma cabine telefônica.
(...)
A cabine estava que era um calor só... Tertuliano registrou o número da noiva. A voz de uma
desconhecida o atendeu... A mulher quis saber quem chamava... Tertuliano disse que pretendia falar com Maria da Paz... A outra insistiu e perguntou novamente quem pretendia falar... Ele respondeu que se tratava de um colega de trabalho de Maria.
Aqui é preciso registrar as palavras que Saramago “colocou” na boca da mulher: “A menina Maria da Paz morreu esta manhã, um desastre de automóvel; vinha com o noivo e morreram os dois, foi uma desgraça, uma grande desgraça”.
Obviamente o Tertuliano sofreu um choque daqueles que levam ao pior trauma... O calor mais ainda se tornou insuportável na cabine... Pronunciou algumas palavras desconexas... Nem ele mesmo teria condições de ordená-las de modo lógico. É certo que quis que a mulher se explicasse... Perguntou o que ela havia acabado de dizer.
Também não temos condições de saber o que a mulher conversou... Provavelmente repetiu o que disser e adiantou algumas conclusões ou especulações.
Tertuliano ficou transtornado... Aos poucos foi afastando o auscultador do rosto até acomodá-lo no aparelho.
O grito de revolta que saiu de sua garganta foi contra Antônio Claro... Soltou um “mataste-a!”.
(...)
Uma tragédia...
Também para ele, Tertuliano.
Ele tinha de se sentir culpado pela morte da amada... Ele era o que vacilava e não teve coragem de protegê-la... Ele foi à desforra... Sua sede de vingança tornou-se a sua maior motivação!
(...)
Maria da Paz era a inocente vítima da estranha história de duplicados...
Agora Tertuliano era exclusivo, não era cópia de ninguém... Assim, não estava mais “sobrando no mundo”. Todavia sentia ódio de Antônio Claro... Um sentimento daqueles que parecem ter origem no ódio que a pessoa tem de si mesma.
De certo modo procurou uma justificativa para o seu egoísmo... Teria como suportar a igualdade absoluta?
Nós sabemos que ele se esforçou para “enterrar de vez” a história da duplicação... Resolveu se casar com a Maria... Mas tudo se perdera.
(...)
Saiu da cabine, e caminhou como se embriagado estivesse.
Entrou no carro e sentou-se no assento do motorista... Seu olhar tornou-se paralisado... As lágrimas chegaram aos olhos e inundaram o rosto...
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 26 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – de desesperado a retirar-se a disposto a permanecer e triunfar sobre o outro; incerteza sobre o retorno do rival

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_26.html antes de ler esta postagem:

Somos levados a pensar que depois daquela noite o casamento de Helena pioraria...
Evidentemente devemos esperar que, além de se desentender com Antônio Claro por causa de sua trama com a Maria da Paz, ao saber que se envolvera fisicamente com o tipo que era a cópia do marido, adoeceria ainda mais.
Todavia devemos retornar àquele instante em que ela se retirara do quarto para preparar o desjejum dos amantes.


(...)

No quarto estava o Tertuliano a remoer-se em reflexões sobre como escapar dali...
E tanto pensou que não descartou a possibilidade de permanecer na casa para testemunhar a chegada do Antônio Claro... Sem dúvida, se isso ocorresse, o tipo teria de reconhecer o seu triunfo.
De nada adiantaria ao Antônio Claro esbravejar e partir para a violência... No final teria de admitir à esposa que também procedera como um algoz. À Helena restaria fazer todas as comparações entre os dois e concluir que de fato eram em tudo idênticos.
No mínimo essa hipótese reservaria ao Tertuliano uma surra descomunal... Mas isso não tiraria os louros de “sua vitória moral”... Pelo menos é assim que ele estava pensando...
Por incrível que pareça, ele que não teve coragem de impedir que a Maria da Paz fosse levada para a alcova pelo adversário, passou a entender que devia ficar ao lado de Helena para impedir que o marido lhe viesse com agressões.
(...)
Helena retornou ao quarto com a bandeja do desjejum... Tertuliano levantou-se e posicionou-se na cadeira dizendo que a xícara podia escorregar apara a cama, a manteiga lambuzaria seus dedos e ele se sentiria tentado a limpá-los no lençol...
Ela entendeu que o “marido” buscasse a praticidade, mas a verdade é que Tertuliano esperava mesmo que Antônio Claro chegasse a qualquer momento... Então era preferível que o tipo encontrasse a própria cama arrumada e que os dois que passaram a noite ali estivessem devidamente limpos e vestidos.
(...)
A manhã avançou... Pouco depois das dez e meia, Helena resolveu fazer umas compras... Despediu-se com um beijo e um “até já”.
Tertuliano foi para o sofá e abriu o seu livro sobre as antigas civilizações da Mesopotâmia.
Logo Antônio Claro chegaria... Podia ser que encontrasse a mulher pelo caminho e lhe adiantasse uma mentira qualquer... Ela entraria aos gritos e acusando o tipo de impostor... Diria que o verdadeiro marido era o que estava sentado no sofá a estudar para os próximos papéis em que atuaria.
Em suas ilações, Antônio Claro protestaria e tentaria provar que ele era o verdadeiro marido... Aquele outro era o professor de História e isso podia ser facilmente comprovado pelo livro que estava a ler... Provavelmente Helena exigiria que ele explicasse por que a aliança de casamento estava no dedo do tipo sentado no sofá... 
(...)
Nada disso ocorreu, pois Helena retornou sozinha de suas compras.
Ela notou que o “marido” olhava várias vezes para o mostrador do relógio e perguntou se ele estava preocupado... Tertuliano negou ao mesmo tempo em que quis saber de onde ela tirava a ideia... Apenas por hábito verificava as horas, talvez estivesse um pouco nervoso porque o próximo projeto era ambicioso... Quem sabe não lhe dariam o papel de Hamurabi?
Finalizou a desculpa dizendo que aquilo representaria um giro de 180º em sua carreira... O relógio acusava 11:30.
(...)
Quinze minutos se passaram e o tipo não chegou.
Mais cinco minutos... Helena ocupou-se com outra coisa longe da vista do intruso... Ele pensou que era um bom momento para escapar... Desceria pela escada prestando atenção à sua volta até chegar à rua.
Também não foi isso o que ocorreu...
Ao meio-dia o relógio da sala soou suas pancadas... O coração de Tertuliano estava bem mais acelerado do que o ritmo mecânico do aparelho que também fazia a decoração do ambiente.
Tertuliano teve a sensação de que as pancadas do relógio soavam como se fossem um ultimato para o tipo... Afinal Antônio Claro havia se comprometido com a esposa... Não chegaria depois do meio-dia!
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – conversando sobre o sonho enigmático; harmonia e pleno entendimento entre Helena e o (outro) Antônio Claro; a manhã de sábado ensolarado projeta melhorias para a vida conjugal

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_25.html antes de ler esta postagem:

Vimos que Antônio Claro conduziu a pobre Maria da Paz à sua casa de campo... O tipo passou-se por Tertuliano e se relacionou com ela como se fosse o seu amado. Em seu entendimento, esse era o bem merecido castigo imposto ao seu “igual”.
Tertuliano não ficou atrás nas maquinações. Ousou transmudar-se em Antônio Claro, dirigiu o automóvel do ator até o prédio residencial e entrou em seu apartamento. Embora sua intenção primeira fosse a de pretendesse constranger o outro criando uma situação que o colocasse como mentiroso e marido infiel, o professor teve uma madrugada de paixões e entrelaçamentos carnais com Helena.


(...)

Tertuliano teve um sonho atordoante... Helena despertou com sua agitação e tentou acalmá-lo.
Ela estava bem à vontade, corpo leve, solto e seios à mostra. Dizia-lhe palavras tranquilizadoras. Aos poucos o tipo se aquietou... Helena quis saber detalhes do sonho ele tivera...
O professor contou (exatamente como o descrevemos em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_25.html) sem deixar de mencionar que, quando estava diante do muro com o letreiro informando sobre o abismo, todo o chão desaparecia (menos os pedaços abaixo dos pés, que pareciam formar duas pequenas ilhas; e bem próximo outras duas ajudavam a formatar um “arquipélago composto”).
Helena o ouviu... Admirou-se com a narrativa porque não estava habituada a ouvir o marido a falar daquela maneira... Achou interessante ouvir um relato repleto de trechos que pareciam conter mais de um significado...
(...)
O quadro da sequência é romântico...
Os dois pares de pés estão ali na mesma cama desarrumada durante a ardente noite que tiveram.
Helena perguntou se o marido (que é Tertuliano vivendo o “outro Antônio Claro”) estava mais tranquilo... Ele respondeu afirmativamente e ao mesmo tempo agradeceu a atenção que ela lhe dava.
Na sequência a mulher falou a respeito da relação que tiveram durante a madrugada... Sentenciou que o sentira pleno de ternura, algo que jamais ocorrera. Obviamente ele não conhecia o “histórico do casal”, então disse apenas que, se era daquela forma que ela o sentira, assim havia sido.
Ela lamentou que certas coisas (boas sensações) não voltam a ocorrer... Ele disse que há as que se sucedem frequentemente. Helena concordou e pronunciou um dito que diz que “quem deu rosas uma vez, não pode voltar a dar menos que rosas”...
Essa conversa envolvida em harmonia levou-os a novo entrelaçamento.
(...)
O dia dera em ensolarado...
Helena e Tertuliano (que ela julgava ser Antônio Claro) descansaram de braços dados.
Ela o beijou uma última vez e se retirou da cama... Sugeriu que ele ficasse para dormir mais um pouco... Enquanto isso providenciaria o desjejum.
Tertuliano não tinha o menor interesse de dormir ou de permanecer por mais tempo na casa. Precisava retornar ao seu apartamento, pois podia ter ocorrido de a noitada de Antônio Claro não ter sido das melhores.
Nesse caso o tipo podia antecipar o retorno... Talvez telefonasse para Helena justificando que chegaria antes do meio-dia... Inventaria qualquer coisa sobre imprevistos ou discussões mal resolvidas com a equipe.
De sua parte, Tertuliano também tinha dificuldade para justificar à Helena a necessidade de sair de casa... Por tudo o que ocorrera na última noite, a manhã de sábado parecia ainda mais maravilhosa e parecia convidar o casal a permanecer dialogando numa "indefinida prorrogação".
(...)
O que se via era uma Helena encantada como há muito não lhe ocorria... Ela entendia que seu relacionamento com o marido tinha tudo para mudar... E para a melhor! Há quanto tempo não tomavam o desjejum no aconchego do “leito de amor”...
Mas, contrariando suas expectativas, tudo indicava que a feliz intimidade e paz do casal não ocorreriam novamente.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – transformado em “seu igual”, Tertuliano avança pelo território adversário; madrugada com Helena de esposa; fim do caminho?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_24.html antes de ler esta postagem:

Tertuliano chegou à porta de acesso ao apartamento de Antônio Claro... Seu coração estava disparado... Sua primeira impressão era a de que não havia ninguém. Estático e de frente para a porta ouviu que o elevador se movimentara para os andares de baixo. Tirou a chave do bolso e meteu-a no miolo da maçaneta.
Entrou... Viu que tudo estava às escuras e que não havia ninguém... Tateou a parede até alcançar um interruptor... Entendeu que devia conhecer o ambiente onde passaria a noite... O local seria todo seu durante boas horas...
Teria companhia? Não tinha resposta... O fato é que Helena podia estar visitando parentes... Talvez nem retornasse para casa... Tertuliano até poderia pensar que, nesse caso, o Senso Comum voltaria atrás em seu juízo sobre o “plano diabólico” por ele tramado.
(...)
O professor percorreu todos os cômodos... Acendeu as luzes e conheceu os vários cantos... Abriu gavetas, observou as roupas e diversos panos, e assim construiu uma noção a respeito do casal. Descobriu o local onde o revólver ficava escondido...
Não tocou em nada do que viu... E de tanto que percorreu e vasculhou, conseguiu mentalizar toda a planta e localização dos móveis e aparelhos eletrodomésticos. Sentou-se no sofá que parecia ser o da preferência do ator... Então esperou.
Ele queria que Helena chegasse... Talvez quisesse apenas isso... Que ela testemunhasse a presença de Antônio Claro (o outro) em casa.
(...)
A mulher chegou depois das 23:00...
Obviamente estranhou a presença do marido... Perguntou sobre o que havia ocorrido, já que esperava seu regresso para a metade do dia seguinte.
A esposa beijou o marido... E este, que na verdade era Tertuliano (“outro Antônio Claro”), respondeu que o trabalho havia sido adiado... Ela não notou, mas as pernas do tipo estavam trêmulas, e foi por isso que ele voltou a se sentar.
Na sequência houve breve diálogo... Ela explicou que tinha ido à casa dos pais... Ele perguntou se eles estavam bem... Ela perguntou se ele havia jantado... Ele respondeu que sim e que não precisava se preocupar.
Helena notou o livro usado... Tertuliano explicou que o comprara num sebo e que o estudaria para um próximo filme (histórico) no qual teria participação. A informação não resultou em novas perguntas... Ela se retirou para o quarto... Disse que se deitaria, pois estava cansada.
Novamente tudo se aquietou.
(...)
Só depois de um bom tempo é que Tertuliano decidiu ir para a cama.
A esposa de Antônio Claro dormia... Ele notou que o pijama que devia usar estava dobrado sobre uma almofada. Trocou-se e permaneceu ainda mais duas horas sem pregar os olhos.
Helena despertou e quis saber por que ele ainda estava acordado... Ele respondeu que não sabia o motivo de não conseguir dormir. Então ela se virou e o abraçou.
(...)
O dia amanheceu e Tertuliano foi o primeiro a despertar. O tipo estava nu em pelo... A roupa de cama se espalhara pelo chão... Ao seu lado estava Helena com um dos seios descoberto.
(...)
Sentiu que ainda tinha sangue para o coito... Lembrou-se de Maria da Paz.
Naquele mesmo momento ela devia estar também nua e junto de um tipo que era “outro Tertuliano”.
Pensou que chegara ao “fim do caminho”... Era angustiante porque aquilo podia significar o “último estágio” da decadência a que tinham sido conduzidos depois que resolvera perseguir o seu “igual”.
Devaneios...
Tertuliano se via numa estrada que chegava ao fim... À sua frente um grande muro... Atrás de si já não havia caminho. Um aviso no muro advertia que não devia ultrapassá-lo... A passagem não era recomendada porque depois do muro havia o abismo.
Agitou-se no instante mesmo em que via o muro se rompendo... Começou a perder a respiração... Braços surgiam da parede e o agarravam. Foi aí que despertou e só então entendeu que Helena o segurava na tentativa de acalmá-lo.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – Tertuliano transmuda-se em “outro Antônio Claro”; na condição do outro seguiu para “seu apartamento”; maquinações humanas?; o Senso Comum o acompanhou até certo limite

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago-os_23.html antes de ler esta postagem:

Maria da Paz saiu do carro tão logo foi chamada pelo “outro Tertuliano” (Antônio Claro).
Como sabemos, a casa era isolada e não possuía vizinhos nas proximidades...
A moça se sentia feliz ao subir a escada... Pode ser que ela tenha pensado que os donos do imóvel fossem desleixados com o patrimônio. Mas esperava tanto da noite com o amado que nem se importou com o ruído da porta ao ser trancada.


(...)

Demorou, mas Tertuliano voltou a tomar atitudes.
Recolheu a cópia da carta que o Antônio Claro havia trazido... Juntou a ela a resposta que a produtora enviara e também o retrato que ele tirou quando usou a barba postiça (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/10/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_15.html). Colocou tudo no lava-louça, queimou até que só sobrassem cinzas e fez com que a água cuidasse de eliminar os vestígios.
Depois foi até o armário do quarto e retirou as fitas de vídeo que estavam escondidas... De volta à sala, tirou toda a roupa e vestiu as peças que Antônio Claro havia deixado sobre a poltrona, inclusive as de baixo.
Num instante transformou-se no “outro Antônio Claro”... E era como se estivesse ocupando um “lugar vago”. Isso nem pode ser considerado tão descabido, pois o verdadeiro Antônio vivia momentos de “outro Tertuliano”.
É certo que se o ator chegasse pela manhã para assumir sua condição e não encontrasse seus pertences teria de permanecer como se Tertuliano fosse até que o professor retornasse.
(...)
Até aqui nada foi explicado... Mas o fato é que Tertuliano prosseguiu tomando posse dos
demais objetos que o ator havia deixado... Colocou o relógio no pulso e a aliança no dedo dos que são casados... O pente e o lenço do tipo, aquele que tinha as iniciais AC, foram acomodados num dos bolsos da calça... No outro bolso colocou as chaves da casa e do carro... Os documentos que identificavam Antônio Claro foram parar num dos bolsos de trás.
Finalmente decidiu que usaria a barba postiça... De tanto que fora manipulada já não aderia satisfatoriamente ao rosto... Mas o adereço teria fim certo num “coletor de lixo” que ele esperava encontrar pelo caminho que pretendia fazer. Também as fitas de vídeo seriam depositadas em meio a restos orgânicos. Certamente tudo aquilo não demoraria a apodrecer.
Um passar de olhos pela sala confirmou que não lhe faltava nada... Do quarto pegou apenas o livro sobre as civilizações mesopotâmicas... Não entendia ao certo por que o pegara... Se em breve retornaria aos aposentos poderia retomar a leitura no aconchego de costume.
(...)
Ao retirar-se do apartamento disse para si mesmo Alea jacta est... A sorte estava lançada... Pelo visto deixava aos deuses o desfecho de tudo o que viria a ocorrer... Começo de noite de uma sexta-feira do mês de agosto... O que de certo sabia é que seguiria até o automóvel de Antônio Claro e o conduziria ao seu endereço.
(...)
Logo que chegou à frente do prédio, olhou para o apartamento que interessava e não viu nenhuma iluminação interior... Estacionou o carro e se perguntou sobre o que faria a partir daquele instante.
Refletiu e chegou à conclusão de que, já que estava um perfeito “outro Antônio Claro”, e de posse de tudo o que o caracterizava, devia subir à “sua casa”. Ao entrar, teria de verificar o motivo da falta de luz e se havia alguém a esperá-lo... Providenciaria a iluminação já que é evidente que não se enxerga na escuridão... Alguém a esperá-lo era pouco provável, pois deixara avisado à “esposa” que passaria a noite fora por causa das gravações...
(...)
Com o livro sobre as civilizações mesopotâmicas preso debaixo do braço, Tertuliano entrou no prédio e tomou o elevador... No cubículo o aguardava um velho conhecido, o Senso Comum.
Naturalmente o invisível quis saber o que ele estava fazendo ali... Não havia necessidade de respostas... Então emendou mais uma de suas advertências. Mas será que o professor estava para concretizar o diabólico plano de dormir com a mulher do rival porque este dormia com a dele?
Tertuliano respondeu que era isso mesmo... Ele não se preocupava com o que podia ocorrer depois... Até porque Maria da Paz nem desconfiaria que dormira com um tipo que era “outro Tertuliano”
Problema mesmo teria o Antônio Claro...
Essa era a ideia de Tertuliano, que justificava que o ator não teria como explicar à esposa o fato de ter passado a noite com ela ao mesmo tempo em que estivera trabalhando longe da cidade.
O professor completou que suas maquinações nada tinham de diabólicas... Aquilo era simplesmente humano... Filosofou que se as pessoas fossem boas “o diabo nem existiria”.
O Senso quis saber sobre o livro que ele carregava... Tertuliano respondeu que não sabia... Era bem provável que o deixasse como recordação.
“O elevador parou no quinto andar”... Tertuliano quis saber se o Senso o acompanharia... O invisível respondeu que se tratava do Senso Comum e a partir daquele ponto onde estavam não havia lugar para ele.
Despediram-se... O Senso duvidou que ainda se vissem no futuro.
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

“O Homem Duplicado”, de José Saramago – os “iguais” se separam; descendo os degraus para acessar os "andares inferiores"; Maria é conduzida à casa de campo; acertando os últimos detalhes

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/11/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_84.html antes de ler esta postagem:

Então se acertaram!
Já era momento de se retirar... Os vencedores devem saber a ocasião mais apropriada... O tipo já se sentia tocando a mulher de Tertuliano. Apressou-se a deixar sobre a mesa as chaves de seu veículo e de sua casa... Também deixou os documentos pessoais... E mais! Por entender que Tertuliano tinha razão a respeito dos “pormenores” que as mulheres sempre reparam, deixou sua “aliança de casamento, um lenço com as suas iniciais, um pente de bolso”.
Trocaram informações a respeito de onde seus carros estavam estacionados... Ambos conheciam os veículos um do outro... Também Antônio Claro havia deixado o documento de seu carro no porta-luvas.
Tertuliano quis saber se ele não levaria a barba postiça com a qual havia chegado... Antônio respondeu que a barba ficaria... Afinal havia sido adquirida pelo professor...
Enfim estava pronto para se retirar... Partiria para o encontro com Maria perfeitamente identificado como Tertuliano, professor de História... Garantiu que retornaria na manhã seguinte com a mesma cara para recuperar suas roupas e demais pertences.
(...)
No derradeiro momento Tertuliano e o “outro Tertuliano” se olharam mais uma vez.
O professor abriu a porta com todo cuidado... Não queria despertar a vizinhança para uma visão assustadora.
O Máximo Afonso conduziu sua visita à área de saída... O “outro Tertuliano” desceu a escadaria... O que um tinha a dizer ao outro fora dito... Era isso o que pretendiam desde o encontro na casa de campo.
O fim da história parecia se aproximar.
(...)
Tertuliano, o Máximo Afonso, fechou a porta que dava acesso aos “andares inferiores”. Fez isso vagarosamente... Silenciosamente.
É Saramago quem diz que se Cassandra ali estivesse sentenciaria que “é precisamente desta maneira que se baixa também a tampa de um caixão”.
Tertuliano estirou-se no sofá e fechou os olhos... Uma hora se passou... Não dormiu... Parecia calcular o tempo de percurso de seu carro conduzido pelo Antônio Claro... O tipo já devia estar na estrada com Maria.
Não havia como magoar-se com ela... A imagem da amada se apagava em seus pensamentos... Pensou no Antônio Claro, seu inimigo... Era certo que ele havia vencido a batalha... Mas outra estava por começar.
A injustiça prevaleceria?
(...)
Conforme a tarde caía, Tertuliano calculava o local onde seu veículo devia estar... Seguindo pelo conhecido desvio, Antônio Claro evitava o povoado e poupava tempo. Logo estaria diante de sua casa de campo.

(...)

Evidentemente o “outro Tertuliano” estava com as chaves do imóvel... Disse à Maria que o proprietário era um antigo colega de escola. Não eram amigos que trocavam confidências ou falavam de “assuntos particulares”, mas um confiava no outro e por isso ele lhe emprestara a casa.
Antônio (“outro Tertuliano”) disse que o proprietário não sabia que passariam a noite no local... Maria estava encantada com tudo, principalmente com o comprometimento do amado em solidificar cada vez mais a relação.
Ele a beijou e pediu para aguardá-lo no veículo, pois queria conferir se estava tudo em ordem nos interiores da casa... Evidentemente o tipo tratou de eliminar evidências que podiam estragar seu plano... Entre essas, um quadro com o retrato dele com Helena.
Ainda sentada no banco do passageiro, Maria contemplou a paisagem do entardecer no campo (“o vale, a linha escura de choupos e freixos que acompanha o leito do rio, os montes ao fundo, o sol que quase já roça a lomba mais alta”)...
Leia: O Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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