domingo, 15 de julho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – Sem Medo faz relato sobre a ocasião em que teve de executar um traidor a facadas; o Comissário parece ter entendido que a vivência guerrilheira é de perturbações que sua formação política não dá conta; outra narrativa pessoal do guerrilheiro Milagre; fim do capítulo I

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O Chefe de Operações apoiou as palavras do Comandante... Salientou que a execução provocaria revolta em meio aos camaradas e que o resultado mais provável seria a deserção de vários deles. Então o Comando devia refletir sobre a situação já complicada pela pouca quantidade de combatentes.
O Comissário redarguiu... Disse que o argumento não era válido e que preferia que restassem apenas cinco verdadeiramente compromissados com a causa (isso incluía necessariamente a política). Depois reclamou que as palavras do Chefe de Operações eram de chantagem.
Com isso ele queria dizer que os guerrilheiros chantageavam com a baixa quantidade de efetivos na Região. Eram mal formados e sabiam que para o movimento eram imprescindíveis. O Comissário garantiu que o verdadeiro efetivo era a gente das aldeias. Conseguiriam o apoio do povo fazendo vistas grossas ao roubo de carteiras?
Sem Medo decidiu intermediar a discussão... Disse que o Comissário estava certo ao questionar o argumento do Chefe de Operações... Porém pediu-lhe que respondesse aos argumentos que ele mesmo levantado anteriormente.
O Comissário vociferou que o Comandante não passava de um sentimental e acrescentou que não acreditava que ele fosse capaz de ordenar o fuzilamento do traidor.
Nesse instante o Comandante esforçou-se para manter-se controlado... Sem alterar a voz, disse que o oficial precisava saber que ele mesmo já havia executado (sozinho) um traidor por decisão de um comando como aquele. Precisava saber também que a execução havia sido a punhalada, pois estavam num sítio não muito afastado dos inimigos.
(...)
Sem Medo perguntou ao Comissário se ele já vivera essa experiência de espetar um punhal na barriga de alguém. Referindo-se ao que lhe havia sucedido, explicou que poderia ter evitado apresentar-se como o algoz... Mas o que podia fazer se todos os demais também não se apresentavam como voluntários?
Ele também não tinha coragem, mas ofereceu-se para dar exemplo aos camaradas. Sem Medo lembrou que o Comissário ainda não estava entre eles quando essas coisas se deram... Salientou que ninguém falava a respeito do episódio porque era algo pouco agradável de se falar.
O Comissário Político tinha de saber que a tarefa de executar o companheiro traidor fora das mais difíceis. O Comandante deu a entender que, diante daquela responsabilidade, fazer-se voluntário num assalto a quartel era brincadeira.
E disse mais... Quis que o Comissário refletisse a respeito da facilidade que um assassino devia ter ao levar a cabo uma execução a punhalada. Mas esse não era o caso dos que entram na luta por amor à vida humana.
(...)
O Comandante prosseguiu dizendo que a reação dos demais companheiros na ocasião da execução foi das mais terríveis... Bravos combatentes voltaram seus olhares ou taparam as vistas para não assistirem à brutalidade do momento.
Como apagar da memória o instante em que ele mesmo pôde sentir as convulsões do supliciado enquanto era rasgado pela lâmina?
Por fim Sem Medo quis saber se o Comissário desejava conhecer mais detalhes a respeito de sua experiência na execução de um traidor... Não obteve resposta e agradeceu a “oportunidade” de falar-lhe a respeito.
O Comissário notou que os olhos do Comandante estavam repletos de lágrimas... Aquele desabafo teve o efeito de bofetadas. Então o oficial entendeu que não tinha mais nada a dizer.
Já o Chefe de Operações achou conveniente encerrar a discussão afirmando que o Comando não tinha autoridade para condenar o guerrilheiro à morte... A eles cabia propor a execução, mas a decisão caberia à Direção do MPLA.

(...)

Na sequência vemos o guerrilheiro Milagre assumir nova narrativa pessoal.
Mais uma vez o rapaz se identifica como um tipo oriundo de Quibaxe, terra onde os explorados partiam para cima dos inimigos empunhando apenas suas catanas... Dos tempos passados trazia ainda a revolta de ter o pai morto e com a cabeça arrancada pela pá de um trator imperialista...
No momento sentia que a injustiça não o abandonara e que ela pesava sobre o grupamento de guerrilheiros. Milagre não aceitava a punição imposta ao Ingratidão do Tuga. Com indignação viu o outro amarrado e sendo conduzido ao Congo. E por quê? Apenas porque subtraíra “cem escudos dum traidor de Cabinda!”
É Milagre quem nos revela outros detalhes... Seis meses de cadeia ao condenado... Ele não se conformava porque em seu entendimento havia traidores entre eles sem nenhuma punição. Citou o caso de Lutamos, que havia se antecipado na mata apenas para avisar os trabalhadores sobre a ação guerrilheira. Era um sabotador! Também Ekuikui, que havia guardado o dinheiro, não sofreu nenhuma punição!
(...)
No entendimento de Milagre, o Comandante era o único responsável pela punição ao Ingratidão... Então disparou a incoerência de terem entre eles um intelectual (que não conhecia a vida de sofrimentos) para definir a respeito da vida e da morte.
O guerrilheiro fez referências à “Primeira Região” garantindo que lá as coisas seriam diferentes porque os homens não admitiriam esse tipos de comando... Na “Primeira Região” não restaria alternativa a Sem Medo (afinal, “quem lhe deu esse nome?”), que buscaria refúgio entre os tugas.
As críticas de Milagre também se dirigiram ao Comissário. Em seu entendimento, o jovem só fazia o que Sem Medo decidia.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 14 de julho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – o julgamento de Ingratidão; posicionamento do réu e dos demais camaradas; o Comissário e a defesa do fuzilamento; Sem Medo e os argumentos contrários

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No dia seguinte ocorreu o julgamento de Ingratidão do Tuga. Os guerrilheiros que estavam na Base participaram, puderam ouvir a acusação, a defesa e também se manifestar a respeito do caso do roubo dos cem escudos do mecânico.
Ingratidão confessou o roubo... Os camaradas falaram sobre o que pensavam a respeito. De um modo geral condenaram o procedimento do réu. Alguns deles, como Teoria e Ekuikui, se dispuseram a fazer referências a certas atenuantes que o levaram ao crime.
Por fim foi o Comando que, reunindo-se separadamente, teve de tomar a decisão.
(...)
O Comissário pôs-se a falar ressaltando que a “Lei da Disciplina” que vigorava nas diversas regiões de atuação da guerrilha previa a punição de fuzilamento. Depois o oficial arrematou que nada mais tinha a dizer, pois para ele estava claro que Ingratidão do Tuga devia ser fuzilado por ter roubado alguém do povo e por prejudicar consideravelmente a relação do movimento revolucionário com os civis.
Sem Medo e o Chefe de Operações ouviram as palavras do Comissário em silêncio... O Chefe de Operações manipulou o seu canivete por um bom tempo e quando parou fez seu pronunciamento... Disse que o Comissário Político havia sido muito duro em suas considerações e que era preciso levar em conta que o povo já se manifestara contra o MPLA em diversas ocasiões. Como esquecer da traição dos civis que resultara na morte de vários guerrilheiros? Era preciso considerar que muitos combatentes tinham reservas em relação à gente de Cabinda.
O oficial destacou que não podiam mesmo apoiar os crimes que eventualmente os camaradas sentiam vontade de praticar... Mas, em sua opinião, não podiam descartar que as “razões anteriores” (a traição do povo) tornavam “menores” os erros dos guerrilheiros.
O Comissário sentiu necessidade de debater... Então argumentou que a traição do povo em tempos passados até se justificava por não estar politizado. Citou certo Taty, que se prestou a enganar a população dizendo que os imperialistas mudariam sua política e que os rebeldes só atrapalhavam sua aplicação ao fazerem a guerra. Insistiu que Ingratidão do Tuga havia sido devidamente instruído sobre como tratar a gente do povo.
O oficial que cuidava da politização de rebeldes tinha a preocupação de manter uma imagem positiva do movimento em meio às aldeias e disse que as tais “razões anteriores” aludidas pelo Chefe de Operações não justificavam o grave erro do réu. Eram erros como aquele que prejudicavam o bom entendimento com o povo... Ele ainda citou o tribalismo como problema interno da guerrilha, algo que certamente prejudicava a disciplina entre os camaradas e inviabilizava as mudanças que o movimento almejava.
(...)
Enfim Sem Medo fez sua intervenção... Dirigiu-se diretamente ao Comissário Político salientando sua juventude e a natural inflexibilidade. Apresentou alguns questionamentos a respeito de hipotéticas infrações dos camaradas em relação ao movimento revolucionário... Citou o caso de “roubo de dinheiro do Movimento” e cravou que qualquer um que cometesse esse crime seria fuzilado. Lembrou que menhum caso do tipo havia ocorrido!
Depois perguntou o que devia ser feito caso algum dos homens se recusasse a retornar para a Base... Explicou que o tipo seria mantido preso por algum tempo e depois seria expulso. Mas era preciso refletir! O que realmente se sucedia ao infrator? Passaria uns quinze dias detido e depois iria para Dolisie como refugiado!
Havia muitos outros exemplos que o Comandante desejaria citar... Eles foram suficientes para destacar a discrepância da sentença que o Comissário pretendia aplicar ao Ingratidão do Tuga.
(...)
Como vemos, Sem Medo não concordou com o encaminhamento defendido pelo Comissário. Para ainda mais justificar o seu ponto de vista, ele ressaltou que havia “indisciplina” de militantes que estavam fora das zonas armadas (os refugiados). E que isso influenciava a indisciplina entre os camaradas combatentes!
Para ele, o Comando devia refletir se, de fato, a Região estava “funcionando bem”... Além disso, Ingratidão do Tuga não era qualquer guerrilheiro! O camarada havia lutado no norte entre 1961 e 1965! Depois foi encaminhado para Cabinda, onde permanecia. Seu histórico de luta armada já somava uns dez anos!
Ainda na defesa do réu, o comandante Sem Medo admitiu que o rapaz não possuísse formação política sólida. Quis saber quem entre os homens na Base possuía essa formação e ressaltou que ninguém poderia culpá-los por isso já que os “exemplos vinham de cima”.
Sem Medo olhou diretamente para o Comissário e sentenciou que ele também não devia se sentir culpado pela deficiência na formação política dos camaradas. Admitiu que isso podia acontecer, já que entre todos era o responsável pelo embasamento que os guerrilheiros deviam ter. Mas o que mais ele podia fazer para mostrar a um tipo como o Ingratidão que a gente de Cabinda era como toda Angola?
O Comandante queria que o Comissário entendesse que a mudança no entendimento dos guerrilheiros ocorreria apenas na prática. Concomitantemente às lutas havia apenas os discursos do formador político. E isso era pouco! Sendo assim, não era justo fuzilar um Ingratidão do Tuga que não tivera melhores condições de apreender o que o Comando tentava ensinar sobre a realidade do país e do povo.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 13 de julho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – concluindo o contato com o mecânico e o velho manco; o exército infiltrou um agente do PIDE na aldeia; reação de Sem Medo ao saber da doação do dinheiro; o retorno à Base

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O mecânico ofereceu o dinheiro que os guerrilheiros haviam trazido... Ele estava bem agitado, pois não deixava de olhar para o caminho receando serem vistos por soldados.
Apesar de terem se afastado, sabiam que não podiam conversar normalmente. Murmurando, o Comissário agradeceu a doação... Na sequência perguntou se os trabalhadores tinham ouvido falar a respeito da emboscada armada aos tugas. O mais velho respondeu afirmativamente. Deixou escapar um sorriso e emendou que muitos haviam morrido na ação, inclusive um jovem de uma aldeia vizinha.
O Comissário disse em tom de lamentação que sempre pediam aos angolanos que abandonassem as tropas imperialistas, pois o combate sempre podia resultar em mortes para qualquer lado.
O tipo mais velho explicou que outro nativo que vivia mais ao sul também morreu... Todavia fez questão de garantir que as maiores baixas foram entre os soldados brancos, e destacou que um deles era capitão.
As informações davam conta de que se tratava de certo capitão Lima e de que o exército ordenara à população a denunciar possíveis rastros dos guerrilheiros. O velho deu a entender que a comunidade não estava colaborando com os imperialistas.
O Comissário quis saber se eles, que haviam sido sequestrados na mata, tiveram de fazer algo por exigência dos tugas... O mecânico respondeu que foram interrogados e que em síntese as perguntas se referiam à quantidade de guerrilheiros, se identificaram o líder, sobre o que falaram e para onde se dirigiram...
O trabalhador disse também que lhes foram apresentadas várias fotografias para que identificassem os rebeldes. Como não reconheceram nenhum, os soldados se irritaram muito com eles.
(...)
O mecânico contou ainda que o exército havia infiltrado um homem da “PIDE” (que reunia agentes recrutados entre os nativos para o trabalho de investigação e perseguição de suspeitos de colaborarem com os rebeldes). Ele emendou que sabiam quem era o agente e que a área estava bem perigosa para os guerrilheiros.
Lutamos disse que já haviam cumprido sua tarefa e que estavam para se retirar. Na sequência, ouviram-se vozes de pessoas que passavam pela estrada... Logo que elas se afastaram, os guerrilheiros se despediram dos trabalhadores. Esses se retiraram com toda cautela da mata e também tiveram o cuidado de observar o caminho antes de retomarem seu trajeto.
Os três guerrilheiros seguiram os homens para se certificarem de que não voltariam à aldeia... Aguardaram por um tempo para conferir de que não os trairiam, e só depois disso é que retornaram à posição onde se encontrava o comandante Sem Medo.
(...)
O Comandante quis saber sobre como tinha sido o encontro e o Comissário explicou que tudo correra bem. Assim que informou que o mecânico ofertara o dinheiro ao MPLA, Sem Medo soltou uma perigosa gargalhada. Ele não pôde deixar de observar que haviam se arriscado muito para retornarem à Base “com o dinheiro no bolso”.
O Comissário respondeu que fizeram o que deviam fazer... O Comandante não discordou, mas salientou que havia sido cômico.
Na sequência, os guerrilheiros penetraram a densa floresta, afastando-se da área perigosa demais para eles. Por dez minutos almoçaram uns restos de sardinha... caminharam durante todo o dia e não pararam nem mesmo durante a noite.
O percurso era enlameado e isso provocava várias quedas. Valeram-se do sentido de orientação de Lutamos e, de fato, graças a ele, não se perderam. Depois de dezesseis horas de marcha, às dez da noite, chegaram à Base.
Sem Medo sequer dirigiu a palavra aos camaradas e tratou de acender um cigarro. Permaneceu encostado a uma árvore, a ouvir as narrativas do Comissários aos demais e a dar suas pitadas até queimar os dedos. Depois esquentou água, preparou um café e acendeu outro cigarro...
Uma vez na Base, teria tempo para comer algo mais tarde.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 3 de julho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – os guerrilheiros reencontram o mecânico nas proximidades de sua aldeia; detalhes da ação e aproximação perigosa; o assustado trabalhador oferece o dinheiro ao movimento

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Às sete horas, o Chefe de Operações conduziu a maior parte do grupamento para a Base. O Comandante Sem Medo chamou dois dos guerrilheiros para acompanhá-lo. Os três dariam cobertura à ação do Comissário, Lutamos e Mundo Novo.
(...)
O Comissário e o Comandante tomaram o cuidado de evitar as trilhas que davam para a mata. Por volta do meio-dia se aproximaram da aldeia. Os guerrilheiros ouviram as conversas dos adultos em seu cotidiano e o choramingar de crianças, então procuraram um sítio mais afastado para prepararem o almoço.
Mais tarde, Lutamos e Mundo Novo partiram para um reconhecimento da área. Retornaram depois de umas três horas e Sem Medo foi logo querendo saber se havia saldados no local. Os dois explicaram que não se aproximaram demais e por isso não traziam muitas informações. Não quiseram deixar rastros... Disseram que localizaram o caminho que dava para a estrada.
O Comissário considerou que ele, Lutamos e Mundo Novo podiam seguir para o local, onde dormiriam... O Comandante ficaria com os outros dois camaradas. Sem Medo deu sinal de aprovação, mas segredou ao oficial que o Chefe de Operações havia alertado que deveriam tomar muito cuidado com Lutamos, de quem deviam desconfiar sempre.
O Comissário fez ares de interrogação querendo saber se o Comandante pensava o mesmo... Ele respondeu negativamente, mas acrescentou que achava importante compartilhar a preocupação do outro. O oficial não prolongou o assunto e apenas sentenciou que se Sem Medo tivesse retornado para a Base, conforme sua sugestão, podia estar a fumar tranquilamente naquele mesmo momento.
O chefe respondeu que era preciso “saber retardar o prazer”.
(...)
Depois de uma hora de caminhada, o Comissário, Lutamos e Mundo Novo chegaram ao local onde pretendiam passar a noite.
O avançado da hora já tornara escuro o ambiente. Os três posicionaram-se a cerca de dez metros da estrada e envolveram-se na folhagem que se emaranhava às lianas, assim tornaram-se invisíveis e adormeceram.
De madrugada,  foram despertados pelas vozes que iniciavam o dia na sanzala... Os guerrilheiros tinham os corpos doloridos e trataram de se libertar das raízes incômodas. Logo iniciaram o avanço em direção à estrada e se posicionaram bem perto de onde as pessoas passariam.
Os latidos dos cães geravam a desconfiança de que talvez não estivessem tão escondidos. Mundo Novo chegou a pensar na estranheza da situação, já que estavam escondidos na tentativa de entregar dinheiro a um homem. Mas podiam ser confundidos com ladrões que pretendessem subtrair algo das pessoas de bem. O colonialismo podia provocar aquele tipo de aberração!
(...)
Dois homens vinham pelo caminho... Eles conversavam sobre o episódio do ataque guerrilheiro ao local de extração da madeira.
Os guerrilheiros se empolgaram, mas o Comissário alertou que não podiam se aproximar mais... Por fim Lutamos quem afirmou que nenhum dos tipos era o mecânico. Ele podia garantir porque conhecia a voz.
Depois de uns quinze minutos, surgiu novo vulto no caminho. Dessa vez era uma mulher que se dirigia para a lavra.
O dia já se tornava claro... Há uns dez metros avistaram outros dois tipos. Dessa vez reconheceram que um deles era o mecânico... O outro era o mais velho, aquele mesmo que tinha uma das pernas defeituosa.
O Comissário esperou o momento mais apropriado para chamar... Quase que a sussurrar, exclamou “Malonda!” O mecânico voltou-se para o local desde onde vinha o chamado, então Lutamos retirou-se da camuflagem para se anunciar e pedir que ele se aproximasse.
Os trabalhadores reconheceram o guerrilheiro... Por um instante ficaram desconfiados e olharam na direção da aldeia. Lutamos insistiu para que se aproximassem e assim eles fizeram.
O mecânico e o mais velho saíram do caminho e acompanharam os guerrilheiros para local mais afastado. Depois o Comissário explicou que estavam ali para devolver o dinheiro que havia sido roubado por um dos camaradas. Emendou que ele seria devidamente “julgado e castigado” pela atitude indevida.
Ainda assustado, o trabalhador perguntou se tinham ido até ali apenas para devolver-lhe o dinheiro... Na sequência disse que a iniciativa havia sido das mais perigosas. Mundo Novo respondeu que pertenciam ao MPLA, movimento revolucionário que defendia o povo... De modo algum admitiam prejudicar a gente do povo!
O mecânico disse que não havia a menor importância e que teria sido melhor não procurá-lo. O Comissário explicou que fizeram o que tinham de fazer. Salientou que não queriam que pensassem que os guerrilheiros eram bandidos, como os portugueses propagavam.
O homem insistiu que não se importava, e que oferecia o dinheiro ao movimento. Garantiu que estava sendo sincero.
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Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 2 de julho de 2018

“Mayombe”, de Pepetela – o comando discute a ideia do Comissário de devolver o dinheiro ao mecânico; o comandante e suas reflexões sobre a ansiedade dos mais jovens e a prudência dos velhos

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O Comissário estava preocupado com a repercussão negativa que o roubo do dinheiro do mecânico podia provocar entre os civis. Então sugeriu ao comandante que precisavam arranjar uma maneira de devolver o que havia sido expropriado. Ele mesmo iria à aldeia com outros dois camaradas para resolver a situação. Como que improvisando uma solução, disse que deixariam o dinheiro num papel e quem o encontrasse devolveria ao dono.
O Chefe de Operações manifestou que qualquer um que encontrasse se apropriaria do dinheiro. Assim, correriam um grande risco por nada de concreto. O Comissário percebeu que o outro não deixava de ter razão, então disse que poderiam ficar no caminho que sai da “sanzala”... Bem cedo o mecânico passaria por ele para trabalhar. Então seria o momento de abordá-lo para devolver-lhe o que era seu por direito. Pediriam desculpas e tudo se resolveria.
O Comandante não se mostrou convencido, pois adiantou que os caminhos próximos à aldeia deviam estar bem vigiados por tropas tugas. O Comissário deu a entender que os três podiam passar sem serem notados, mas o Comandante salientou que o mecânico poderia comunicar os soldados, e esses se organizariam pelos caminhos que dão para o Lombe.
O Comissário quis saber se Sem Medo tinha uma ideia melhor. Este respondeu que o melhor que tinham a fazer era “deixar cair” aquela preocupação, pois o risco que correriam era muito alto para pouca causa.
O Comissário simplesmente não podia aceitar aquela sentença... Então o Chefe de Operações se intrometeu explicando que o mais correto era ouvir o Comandante... O plano era muito arriscado! Além do mais, o que conseguiriam no final das contas?
Mas o Comissário manteve-se irredutível. Respondeu que os dois é que não entendiam o quanto aquela ação era importante. A impressão que o povo tinha a respeito da guerrilha era o que mais importava!
(...)
O Comandante estava fumando o seu primeiro cigarro do dia... Ouvia as palavras do Comissário e só pensava que lhe restava mais um cigarro que pretendia fumar no dia seguinte. Depois considerou para si mesmo que estava ficando velho, já que em outros tempos teria fumado sem se preocupar em manter reservas. Os velhos, e apenas eles, se preocupam em “repartir o prazer”.
Havia mais sinais de que estava ficando velho... Aos trinta e cinco anos!
Lembrou de ter ralhado com Muatiânvua pela ousadia de ter ficado para trás...
Será que era por estar ficando velho demais que não aprovava a iniciativa generosa do Comissário?
Aqueles riscos (tanto o de Muatiânvua quanto o do Comissário) eram prazeres de jovens que não querem “repartir do prazer”.
(...)
Sem Medo perguntou ao Comissário quem seriam os dois voluntários... Este respondeu que um teria de ser Lutamos, pois era o que melhor conhecia a mata.
Restava saber se os demais permaneceriam onde estavam para aguardar o seu retorno. O oficial garantiu que o Comandante e os demais podiam retornar à Base.
Novamente o Chefe de Operações manifestou sua oposição à operação. Para ele, havia muito perigo porque certamente os soldados inimigos deviam estar preparados para o contra-ataque. Além do mais, os camaradas podiam deixar rastros que indicariam a posição guerrilheira aos tugas. A gente do próprio povo podia fazer o mesmo!
De repente Sem Medo mudou sua opinião... Disse que seria interessante enviar seis homens... Três ficariam nas proximidades do trator destruído e os demais seguiriam para a aldeia. Para ele, os inimigos deviam estar bem ocupados com o sepultamento de seus mortos... Mas no caso de ocorrer um entrevero, os da retaguarda deixariam o ponto onde estavam e partiriam em socorro.
O Chefe de Operações mais uma vez posicionou-se contra a operação e lembrou que as provisões estavam no fim. O Comissário concordou e emendou que o melhor seria que partissem para a Base deixando o que sobrasse da comida para ele e os dois voluntários... Depois de dois dias se juntariam a eles.
Sem Medo respondeu que sua decisão era a definitiva... Ele e mais dois se posicionariam perto da aldeia para dar cobertura ao Comissário e os voluntários. Os demais seguiriam para a Base com o Chefe de Operações. Este quis se manifestar, mas foi impedido pelo próprio Comandante...
Também o Comissário questionou por que o Comandante tinha de se envolver na operação... Em resposta, Sem Medo devolveu-lhe a mesma pergunta querendo saber por que o Comissário tinha de tomar a frente na tarefa.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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