O Chefe de Operações apoiou as palavras do Comandante... Salientou que a execução provocaria revolta em meio aos camaradas e que o resultado mais provável seria a deserção de vários deles. Então o Comando devia refletir sobre a situação já complicada pela pouca quantidade de combatentes.
O Comissário redarguiu... Disse que o argumento não era válido e que preferia que restassem apenas cinco verdadeiramente compromissados com a causa (isso incluía necessariamente a política). Depois reclamou que as palavras do Chefe de Operações eram de chantagem.
Com isso ele queria dizer que os guerrilheiros chantageavam com a baixa quantidade de efetivos na Região. Eram mal formados e sabiam que para o movimento eram imprescindíveis. O Comissário garantiu que o verdadeiro efetivo era a gente das aldeias. Conseguiriam o apoio do povo fazendo vistas grossas ao roubo de carteiras?
Sem Medo decidiu intermediar a discussão... Disse que o Comissário estava certo ao questionar o argumento do Chefe de Operações... Porém pediu-lhe que respondesse aos argumentos que ele mesmo levantado anteriormente.
O Comissário vociferou que o Comandante não passava de um sentimental e acrescentou que não acreditava que ele fosse capaz de ordenar o fuzilamento do traidor.
Nesse instante o Comandante esforçou-se para manter-se controlado... Sem alterar a voz, disse que o oficial precisava saber que ele mesmo já havia executado (sozinho) um traidor por decisão de um comando como aquele. Precisava saber também que a execução havia sido a punhalada, pois estavam num sítio não muito afastado dos inimigos.
(...)
Sem Medo perguntou ao
Comissário se ele já vivera essa experiência de espetar um punhal na barriga de
alguém. Referindo-se ao que lhe havia sucedido, explicou que poderia ter
evitado apresentar-se como o algoz... Mas o que podia fazer se todos os demais
também não se apresentavam como voluntários?
Ele também não tinha
coragem, mas ofereceu-se para dar exemplo aos camaradas. Sem Medo lembrou que o
Comissário ainda não estava entre eles quando essas coisas se deram...
Salientou que ninguém falava a respeito do episódio porque era algo pouco
agradável de se falar.
O Comissário Político tinha de saber que a tarefa de executar o
companheiro traidor fora das mais difíceis. O Comandante deu a entender que,
diante daquela responsabilidade, fazer-se voluntário num assalto a quartel era
brincadeira.
E disse mais... Quis que o Comissário refletisse a respeito da
facilidade que um assassino devia ter ao levar a cabo uma execução a punhalada.
Mas esse não era o caso dos que entram na luta por amor à vida humana.
(...)
O Comandante prosseguiu dizendo que a reação dos
demais companheiros na ocasião da execução foi das mais terríveis... Bravos
combatentes voltaram seus olhares ou taparam as vistas para não assistirem à
brutalidade do momento.
Como apagar da
memória o instante em que ele mesmo pôde sentir as convulsões do supliciado
enquanto era rasgado pela lâmina?
Por fim Sem Medo quis saber se o Comissário desejava conhecer mais
detalhes a respeito de sua experiência na execução de um traidor... Não obteve
resposta e agradeceu a “oportunidade” de falar-lhe a respeito.
O
Comissário notou que os olhos do Comandante estavam repletos de lágrimas...
Aquele desabafo teve o efeito de bofetadas. Então o oficial entendeu que não
tinha mais nada a dizer.
Já o Chefe de
Operações achou conveniente encerrar a discussão afirmando que o Comando não
tinha autoridade para condenar o guerrilheiro à morte... A eles cabia propor a
execução, mas a decisão caberia à Direção do MPLA.
(...)
Na
sequência vemos o guerrilheiro Milagre assumir nova narrativa pessoal.
Mais uma vez o rapaz
se identifica como um tipo oriundo de Quibaxe, terra onde os explorados partiam
para cima dos inimigos empunhando apenas suas catanas... Dos tempos passados
trazia ainda a revolta de ter o pai morto e com a cabeça arrancada pela pá de
um trator imperialista...
No momento sentia que
a injustiça não o abandonara e que ela pesava sobre o grupamento de
guerrilheiros. Milagre não aceitava a punição imposta ao Ingratidão do Tuga.
Com indignação viu o outro amarrado e sendo conduzido ao Congo. E por quê?
Apenas porque subtraíra “cem escudos dum traidor de Cabinda!”
É Milagre quem nos
revela outros detalhes... Seis meses de cadeia ao condenado... Ele não se conformava
porque em seu entendimento havia traidores entre eles sem nenhuma punição.
Citou o caso de Lutamos, que havia se antecipado na mata apenas para avisar os
trabalhadores sobre a ação guerrilheira. Era um sabotador! Também Ekuikui, que
havia guardado o dinheiro, não sofreu nenhuma punição!
(...)
No entendimento de
Milagre, o Comandante era o único responsável pela punição ao Ingratidão...
Então disparou a incoerência de terem entre eles um intelectual (que não
conhecia a vida de sofrimentos) para definir a respeito da vida e da morte.
O guerrilheiro fez referências à “Primeira Região” garantindo que lá as
coisas seriam diferentes porque os homens não admitiriam esse tipos de
comando... Na “Primeira Região” não restaria alternativa a Sem Medo (afinal, “quem
lhe deu esse nome?”), que buscaria refúgio entre os tugas.
As
críticas de Milagre também se dirigiram ao Comissário. Em seu entendimento, o
jovem só fazia o que Sem Medo decidia.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/01/mayombe-de-pepetela-inicio-do-capitulo.html
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto