Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2022/02/anotacoes-de-um-jovem-medico-e-outras_23.html antes
de ler esta postagem:
Não temos detalhes do parto...
As “anotações” esclarecem
que ao final dos procedimentos o que mais chamava a atenção do jovem doutor era
a poça de sangue. E sangue por toda parte! Nos lençóis e em incontáveis
fragmentos de gaze.
Certamente preocupado, observava Pelagueia Ivánovna com o bebê no colo,
a sacudi-lo e dando-lhe leves palmadas. A criança pendia a pequena cabeça de um
lado para outro. Demorava a reagir, mas era uma questão de tempo...
Aksínia preparou duas
bacias, uma com água morna e outra com água fria, e o recém-nascido era imerso
numa e noutra alternadamente. Aos poucos perceberam um leve suspiro e um tímido
balbuciar, suficientes para desencadear uma onda de otimismo...
A parteira anunciou que o
bebê estava vivo e o colocou num travesseiro. O jovem doutor voltou sua atenção
para a mãe e constatou que também ela estava viva, seu pulso estava “regular e
nítido”. O enfermeiro Lukitch se animou a despertá-la.
(...)
As assistentes começaram a
reorganizar a sala. Os lençóis utilizados durante o parto foram retirados e
cobriram a mãe com um limpo. Na sequência Lukitch e Aksínia a levaram para a
enfermaria. O recém-nascido foi levado logo depois, já limpo, de fralda e
chorando com maior regularidade.
A experiente Anna
Nikoláievna estava visivelmente cansada... Fumava enquanto rememorava o caso.
De repente sentenciou ao jovem médico que ele havia feito “uma versão muito
boa, com muita confiança”. O rapaz desconfiou que aquele elogio pudesse ser de zombaria,
mas não era o que indicava sua expressão. Isso o deixou contente, então contemplou
a sala ainda não de todo organizada, mesa e bacias com sinais de sangue... E
por um momento sentiu-se vencedor.
Mas em seu íntimo uma
dúvida o incomodava... E ela tinha a ver com os procedimentos invasivos aos
quais havia submetido a parturiente. Em resposta à afirmação da parteira, disse
que ainda precisavam conferir o que ocorreria “daqui para diante”.
Nikoláievna mostrou-se surpresa com os temores do jovem doutor...
Perguntou-lhe o que poderia ocorrer se tudo havia terminado muito bem. Ele não
sabia o que dizer, embora em seu íntimo preocupava-se com a saúde da mulher,
afinal o parto havia sido dos mais arriscados e não seria improvável que “algum
dano” lhe tivesse sido provocado.
Sobretudo, o fato de ainda ser inexperiente o amargurava. O que conhecia
de obstetrícia? Bem pouco, pois se baseava nos estudos dos livros, e sabia que
em relação à prática isso era "um nada" e até impreciso. Em suas reflexões
assustava-se com a possibilidade de a mulher sofrer uma ruptura a qualquer
momento...
E se isso viesse mesmo a ocorrer? Talvez o
problema fosse detectado tempos depois, mas ainda assim se sentiria amargurado
e responsável pelo infortúnio da paciente.
Decidiu não compartilhar
essas angústias com Nikoláievna... E vez disso, resolveu dizer-lhe algo que os
manuais alertavam logo na introdução dos estudos sobre a obstetrícia e disse
que “não podiam excluir uma contaminação”. A parteira respondeu calmamente com
um “se Deus quiser não vai acontecer nada”, e emendou que não havia qualquer possibilidade
de contaminação porque tudo o que utilizaram havia sido muito bem esterilizado.
(...)
O fim do segundo conto:
Podemos pensar que todo o processo de parto desde a anestesia tenha
durado muitas horas... No entanto, considerando-se que o jovem doutor deixou a
casa à meia-noite, e que retornou do hospital pouco depois das duas da manhã,
conclui-se que o caso tenha sido resolvido neste intervalo.
Logo que entrou no gabinete notou que havia lançado o manual Döderlein
sobre a mesa e que o livro continuava “aberto na página ‘Riscos da versão’”.
Estava como que a convidá-lo à leitura... E foi isso mesmo o que ele acabou
fazendo. Serviu-se de uma chávena de chá frio e leu por uma hora.
A leitura e a análise das gravuras foram
prazerosas e proveitosas. Deteve-se em alguns trechos ao notar que eles
esclareciam e “tornavam completamente compreensíveis” as partes que haviam
ficado confusas para ele. Como sempre ocorria quando devotava tempo à leitura
silenciosa e solitária, avaliou que mesmo em um “fim de mundo” como Múrievo
podia entender “o que é o verdadeiro conhecimento”.
Respirou
fundo e antes de adormecer sentenciou para si mesmo que “pode-se adquirir muita
experiência no campo” e que para isso “é preciso ler, ler, ler... mais um
pouquinho...”.
Continua?
Leia: “Anotações
de um Jovem Médico e outras narrativas”. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto