Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-antecipando.html?zx=89c008a9b44d3a36 antes
de ler esta postagem:
A “Semana do Ódio” foi de muito trabalho para
todos... Winston sentiu-se esgotado e ele comparava a própria debilidade à da
consistência de uma gelatina. Percebeu que os sentidos estavam mais aguçados
pelo esgotamento físico. O macacão pesava mais do que o normal sobre os ombros,
e o simples caminhar ou o abrir e fechar as mãos eram-lhe doloridos demais. E
não era para menos, já que o pessoal do Ministério da Verdade trabalhou por
mais de noventa horas durante cinco dias. Ao final das atividades todos
receberam a merecida folga...
Estando livre de
novas tarefas, pelo menos até a manhã do dia seguinte, Winston calculou que “podia
passar seis horas no esconderijo e nove na própria cama”.
Escolheu uma rua das emporcalhadas para encaminhar-se à lojinha do
Senhor Charrington. Caminhou prestando atenção à movimentação geral, sobretudo
para certificar-se de que não havia nenhuma patrulha em ação.
Talvez
pelo cansaço extremado e pelo excesso de atividades da “Semana do Ódio”, não
considerou sinceramente que fosse enquadrado por agentes da repressão enquanto
seguia para o refúgio. Em vez disso, seu pensamento voltava-se principalmente
ao formigamento que sentia na perna devido às batidas de sua pasta conforme
caminhava.
(...)
Neste ponto é bom que
se saiba que na pasta ia livro enviado por O’Brien e que, mesmo estando há seis
dias em sua posse, sequer o abrira. Também é importante sabermos como o
material chegou-lhe às mãos.
A “Semana
do Ódio” já estava no sexto dia... O evento havia sido marcado por “discursos,
gritaria, cantoria, bandeiras, cartazes, filmes, esculturas em cera, rufar de
tambores e guinchar de clarins, reboar de pés em marcha, ronco das esteiras dos
tanques, zumbido dos aviões no ar, troar dos canhões”. As atividades levaram os
participantes ao clímax do ódio em relação à Eurásia, e de tal modo externavam
sua ferocidade que parecia estarem prontos para “esquartejar com as unhas” os
dois mil prisioneiros que seriam executados na forca no último dia.
Mas aconteceu que um
anúncio oficial fez saber que o inimigo da Oceania era a Lestásia e não a
Eurásia. Obviamente não se falou de alteração de fatos... Simplesmente o ódio
extravasado passava a se direcionar “automaticamente”, como se o conflito “de
sempre” tivesse sido com os “lestasiáticos”. Portanto, a guerra era contra a
Lestásia enquanto os eurasianos eram aliados!
Evidentemente os
trabalhadores do Ministério da Verdade tiveram de mobilizar esforços imediatos
para efetivar as devidas alterações.
(...)
Winston, por exemplo, estava numa aglomeração em uma das praças centrais
de Londres... Acompanhava as apresentações no meio de milhares de fanáticos e
suas bandeiras avermelhadas iluminadas por refletores. Entre os mais empolgados
estavam mil estudantes em seus uniformes do grupamento dos Espiões.
À toda gente falava um tipo de baixa estatura e magro que pertencia ao
Partido Interno e que se destacava ainda pelos longos braços e tamanho
avantajado da cabeça de poucos cabelos. O ódio que propagava desde o microfone
adquiria um nível avassalador na medida em que seus gritos amplificados pela
aparelhagem de som eram acompanhados da movimentação ameaçadora dos enormes
braços. De resto, as palavras que faziam parte das ações do Partido e as denúncias
eram as “mesmas de sempre”: “atrocidades, massacres, deportações, pilhagens,
violações, tortura de prisioneiros, bombardeio de civis, propaganda mentirosa,
agressões injustas, tratados desrespeitados”.
Apesar da mesmice, as reações dos manifestantes
eram insanas. E isso porque todos se convenciam do conteúdo do discurso...
Eventualmente a voz do tipo era sufocada pela reação furiosa do público.
Os jovens estudantes
eram os que mais berravam quando um assistente entregou um papel ao orador, que
o desenrolou e deu prosseguimento à sua falação furiosa sem alterar o tom de
voz ou os gestos teatrais... O conteúdo continuou o mesmo, porém a partir de
então anunciou que a guerra que a Oceania travava era com a Lestásia.
De repente as pessoas se voltaram para os anúncios das inúmeras faixas e
cartazes que traziam mensagens de ódio à Eurásia. Logo se convenceram que a
gente de Goldstein havia sabotado as festividades e espalhado o “material
errado” por toda a praça. Primeiro percebeu-se o silêncio tomando conta da
multidão, mas, assim que passaram a providenciar a destruição do material, a
agitação voltou a tomar conta de todos.
A moçada
que pertencia aos Espiões se destacou no ataque às faixas e cartazes... Moços e
moças escalaram paredes, subiram nos telhados e agarraram-se às chaminés para
arrancar e rasgar faixas e cartazes.
Depois do tumulto, e
isso nem demorou muito, o baixinho do Partido Interno voltou a falar ao público
e a gesticular as ameaças contra os “inimigos de sempre”: a Lestásia. Na
sequência, a multidão retomou as manifestações de ódio...
Winston
contemplava a tudo e se surpreendia com a facilidade da mudança do alvo. O
orador passou de “um inimigo a outro” no meio de uma frase, e fez isso sem qualquer
pausa ou “ofensa à sintaxe”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-sobre-o-momento.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto