sexta-feira, 29 de março de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – os quatro elementos e as exemplificações simplificadas do “Fioretto”; Deus e tudo o que existe; a alma

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_27.html antes de ler esta postagem:

Menocchio dizia que os homens são feitos de terra... Mas do melhor que se conhece, e é por isso que vivem querendo acumular ouro... O moleiro advertia que “o demônio costuma entrar nas coisas e ali deixar o seu veneno”... Garantia que a “água benta pelo sacerdote põe o diabo para fora”... Explicava que todas as águas são abençoadas por Deus, então essa “condição privilegiada” dos padres poderia não merecer tanta evidência porque, ainda de acordo com ele, todos possuem da virtude que Deus distribui... Qualquer leigo poderia realizar o que o religioso faz, é só uma questão de “saber proferir as palavras corretas”.
A religião de Menocchio era a dos camponeses... Algo distante do que era pregado e não compreendido pelas pessoas mais simples... Está claro que Menocchio comungava e que batizou os filhos, mas sabemos que não via os sacramentos como eficientes (eram "invenções humanas")... Para ele, religiosidade era entender que “o mundo é Deus”, que Deus está nas pessoas e, por isso afirmava que “amar ao próximo é mais importante do que amar a Deus”.
Também sabemos que era do Fioretto della Bibbia que Mennochio tirava as conclusões a respeito dos elementos que compõem o ser humano, “água, ar, terra e fogo”, que esses elementos “são Deus” e que somos formados à imagem e semelhança Dele... As explicações do Fioretto envolviam referências à criação do primeiro homem e da primeira mulher (feitos de terra e matéria básica, foram elevados ao Céu). O leitor era levado a entender que os elementos acabam se misturando e se unindo... É o que acontece com a terra quando pisoteada... Usando o exemplo do ovo, o texto esclarece que “a gema seria a terra, a clara o ar, a pele fina abaixo da casca seria a água e a casca o fogo”... Frio e calor, seco e úmido, tudo está junto.
E em relação ao corpo humano isso poderia ser “facilmente verificado”: “a carne e os ossos seriam a terra, o sangue a água, a respiração o ar, e o calor o fogo”... Tudo o que existe é composto pelos quatro elementos e, assim sendo, “nosso corpo está sujeito às coisas do mundo”... Esse não é o caso da alma, que está sujeita apenas a Deus. “Ela é feita à imagem Dele” e possui matéria diferenciada, mais nobre.
Mas, como sabemos, Mennochio não reproduzia o mesmo conteúdo... Ele identificava o homem com o mundo, e este com Deus... Dizia que “quando o homem morre é como um animal, como uma mosca”. Durante o processo não admitiu ter falado isso. Perguntado sobre o que pensava ser a alma dos fiéis, respondeu que havia dito que as almas “retornam à majestade de Deus”, que podia decidir sobre elas o que bem entendesse (mandar as boas para o paraíso e as más ao inferno; outras ainda para o purgatório)... Talvez calculasse que com esse “juízo” estivesse se livrando de problemas com a Igreja, mas a realidade se deu de forma diferente.
No interrogatório do dia 16 de fevereiro (de 1584. Sobre isso: http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2012/12/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html) Mennochio teve de falar sobre a “majestade de Deus”... Depois de ouvir as explicações sobre Deus ser nada mais do que a composição dos quatro elementos, o vigário-geral quis saber como haveria possibilidade de as almas voltarem à majestade do criador... O moleiro ficou um pouco embaraçado e tentou explicar que as almas “vieram do Espírito de Deus” e por isso deviam para Ele retornar... Então a autoridade eclesiástica perguntou se Deus e o “Espírito de Deus” são a mesma coisa e, além disso, se este Espírito está incorporado nos quatro elementos...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/04/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 28 de março de 2013

“Símon Bolívar”, de Gabriela Pellegrino Soares, em “Coleção Fundadores da América Latina”, coordenada por Maria Ligia Coelho Prado – a “Carta da Jamaica”; compromissos junto aos haitianos; avanços das tropas revolucionárias a partir de 1816

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/simon-bolivar-de-gabriela-pellegrino_26.html antes de ler esta postagem:

A situação de nítida divisão dos venezuelanos sobre os rumos da emancipação levou Bolívar novamente ao Vice-Reino de Nova Granada. Ali buscou efetivar a adesão para a causa independentista... Ocorre que em Bogotá, Cartagena e outras cidades importantes, a situação era a mesma da Venezuela... Revolucionários e realistas lutavam sem transigir.
Os problemas se tornavam piores porque em fevereiro de 1814 Fernando VII recuperou o trono... Os confrontos se agravaram na América e o monarca decidiu enviar tropas chefiadas pelo general Pablo Morillo para retomar o controle sobre a Venezuela e Nova Granada. O “terrível general” comandava 15 mil soldados que desembarcaram na ilha Margarita em abril de 1815, e avançaram sobre as regiões insurrectas.
No mês seguinte, Bolívar afastou-se do “olho do furacão”, exilou-se no Caribe, onde escreveu o importante documento Carta da Jamaica, que apresentava a sua posição em relação aos “horizontes políticos da causa independentista”. Vale a pena reproduzir o trecho contido no livro:

O véu já foi rasgado, já vimos a luz, e querem nos devolver às trevas; romperam-se os grilhões, já fomos livres, e os nossos inimigos pretendem novamente escravizar-nos. Por isso a América combate desesperadamente, e raras vezes o desespero não acarreta vitória.

Na continuação do documento, Bolívar reclama da omissão de Europa e Estados Unidos (civilizados/ilustrados) perante a complicada situação que se desenrolava na América... Talvez o povo não estivesse preparado para reclamar seus direitos... Indivíduos com maior experiência teriam de guiá-lo até a condição de se tornar autônomo no “universo da política”... Bolívar mostrava que o Federalismo possibilitava as intrigas e as intenções particulares de poder... Assim, as leis sofrem sérias ameaças. Então ele declarou sua preferência por governos centralizados.
A Carta da Jamaica previa que, após a independência, Venezuela e Nova Granada passariam a integrar um único país chamado Colômbia... Este adotaria o sistema inglês, porém sem a figura do monarca. Bolívar defendeu um “poder executivo eleito” (até poderia ser vitalício, mas de modo algum hereditário)... Um “senado legislativo hereditário” intermediaria os entreveros marcados pelas demandas populares com o governo... Um “corpo legislativo de livre eleição” também comporia a gestão.
Em seu final, a Carta da Jamaica conclama a união dos países da “América hispânica” como forma de possibilitar a prosperidade e consolidar a independência.
No final de 1815, Bolívar prosseguiu em sua missão. Da Jamaica seguiu para o Haiti, o país que havia se libertado do jugo francês alguns anos antes. Lá, conseguiu o apoio do presidente Pétion para a causa do exército libertador, que devia promover a libertação dos escravos em todas as regiões que viessem a se emancipar... Esse foi o compromisso firmado com a “negra República antilhana“.
1816 marcou uma série de avanços das tropas fiéis a Bolívar. Elas avançavam pelo interior de Nova Granada e da Venezuela... As planícies das margens do Orenoco (llanos) eram superadas graças ao empenho do general José António Paez... Em agosto de 1819 ocorreu a batalha de Boyacá, que resultou na vitória dos revolucionários e a ocupação das montanhas dos arredores de Bogotá.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2013/04/simon-bolivar-de-gabriela-pellegrino.html
Leia: Simón Bolívar. Fundação Memorial da América Latina.
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Prof.Gilberto

quarta-feira, 27 de março de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – considerações sobre o Espírito Santo; influências de “Trinitatis erroribus”?; intenções de Servet; panteísmo e materialismo de Menocchio; erudito e cultura popular/oral

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html antes de ler esta postagem:

Em suas confissões sobre o Espírito Santo, Menocchio disse crer que Ele seja Deus, “aquele anjo ao qual Deus deu sua vontade”... Dizia que Deus nos deu “o livre-arbítrio e o Espírito Santo no corpo”... O Espírito Santo vem de Deus e nos impulsiona a fazer (ou não fazer) determinada coisa... Em Servet, lemos que há aqueles que entendem o Espírito Santo como o “uso correto da inteligência e razão humana”.
Para Servet não há uma “pessoa” separada de Deus pai que possa ser chamada “Espírito Santo”... Ele é “uma atividade de Deus, energia ou inspiração do poder de Deus”... O Espírito Santo opera nas pessoas e em toda a realidade... E assim Deus está em tudo e em todos... É próximo, e não distante... “O Espírito Universal enche a terra”.
As palavras de Menocchio em suas conversas com os conterrâneos sobre Deus “ser tudo” (“o céu, a terra, o mar, o ar, o abismo e o inferno”) podiam ser eco dos escritos de Servet que citavam trechos bíblicos em que o profeta se inquietava sobre a sondagem divina: “Ó Senhor, onde encontro o teu Espírito?” “Não há lugar acima ou abaixo sem o Espírito de Deus.”
Para Servet implicava o ter de resgatar o “significado original” de Espírito... O conceito que pretendia “desmontar” já era algo milenar e, segundo Ginzburg, ele utilizou todos os instrumentos de que dispunha: “o grego e o hebraico, a filologia de Valla e a cabala, a teologia e a medicina”... Concluiu que entre “espírito” e sopro há uma profunda analogia... Trechos de De Trinitatis erroribus afirmam que é “por força do sopro e inspiração de Deus que tudo é feito”, e ainda que “não se pode pronunciar palavra sem o sopro do espírito”, “não podemos pronunciar palavra sem respiração”, “fala-se sobre o ‘espírito da boca’ e ‘espírito dos lábios’”. E concluía que o próprio Deus é nosso espírito, Ele “reside em nós”... “E isso é o Espírito Santo em nós”. Retomando as ideias de Menocchio entre os habitantes de Montereale, torna-se muito difícil não levarmos em conta suas afinidades com os juízos de Servet... O moleiro perguntava sobre o que os seus conterrâneos pensavam ser Deus... E emendava que Ele nada é além de um “pequeno sopro”... “O ar é Deus”... “Nós somos Deus”... Dizia que o Espírito Santo está em todos... Ninguém vê o Espírito Santo!
Apesar da relação que somos tentados a fazer entre as declarações de Menocchio e o texto de Servet, Ginzburg nos alerta que, embora os escritos do espanhol circulassem na Itália do início do século XVI, há uma enorme distância entre as palavras do erudito e as do moleiro... Todavia, as confissões podem revelar o modo como aquele conteúdo era absorvido pelas pessoas mais simples.
A questão inicial, acerca do modo como Menocchio se dirigia às pessoas de sua convivência e sobre como falava às autoridades, é retomada... Analisamos o discurso dispensado às pessoas sem formação, algo mais acessível... Ao inquisidor de Aquileia e ao magistrado, a complexidade.
Então vemos Menocchio construindo argumentos que podiam ser produto de leituras complexas, ao mesmo tempo em que manifestava elementos da cultura oral (da qual era um “exemplar diferenciado”)... Evidenciava o seu “materialismo popular”... “Deus, o Espírito Santo, a alma não existem como substâncias separadas”... O moleiro não podia aceitar a interpretação dos clérigos e das Escrituras... O Deus de sua interpretação era visível e até palpável, pois era ar, terra, fogo e água...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_29.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
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Prof.Gilberto

terça-feira, 26 de março de 2013

“Símon Bolívar”, de Gabriela Pellegrino Soares, em “Coleção Fundadores da América Latina”, coordenada por Maria Ligia Coelho Prado – Francisco Miranda e sua trajetória revolucionária; a Junta Governativa e a independência de 1811; reação e “Segunda República”

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/simon-bolivar-de-gabriela-pellegrino_25.html antes de ler esta postagem:

No mesmo ano que Napoleão decretou o Bloqueio Continental (1806) contra a Inglaterra, a Venezuela passou por duas insurreições lideradas por Francisco Miranda... Elas deram em fracasso... Francisco Miranda era um venezuelano que desde cedo se envolveu em eventos revolucionários e políticos em várias partes do mundo. A lista de episódios dos quais participou não é pequena: independência dos Estados Unidos; conflitos revolucionários na Rússia ao tempo de Catarina II; como general entre os girondinos franceses...
Voltando ao contexto de 1810... Madri foi tomada pelas tropas francesas. Ocorreu a resistência... Na América, os cabildos demonstraram lealdade a Fernando VII. Tanto é que em Caracas formou-se uma Junta que governou em nome dele... Essa reação deu-se a 19 de abril de 1810.
Por essa ocasião Símon Bolívar estava em San Mateo, onde exercia a função de juiz principal de Yare e cuidava dos negócios da família. A Junta de Caracas solicitou seus préstimos... E foi assim que partiu com Andrés Bello para Londres numa missão que envolvia assuntos de economia. Foi na Inglaterra que Bolívar entrou em contato com Miranda. O velho revolucionário estava em busca de apoio de Willian Pitt, primeiro ministro britânico, para as lutas de libertação das colônias espanholas na América...
Bolívar foi conquistado pelos ideais e engajamento de Miranda... Aos poucos os seus anseios por independência tornaram-se mais fortes. Na “Junta Governativa das Províncias da Venezuela” não havia esse consenso... A emancipação em relação ao império espanhol gerava insegurança... E Miranda nem era bem visto pelos pares de Bolívar...
Mas a Junta de Governo acabou declarando a independência, que se deu a 5 de julho de 1811. Um triunvirato havia sido nomeado (Cristóbal Mendoza, Juan de Escalona e Baltasar Padrón)... A ideia de Bolívar de elevar Miranda à condição de líder do movimento emancipacionista foi aprovada. Para que isso se tornasse realidade a atuação da Sociedade Patriótica (influenciada pelos dois) foi de fundamental importância.
Porém a independência do 5 de julho não efetivou a emancipação que se esperava. Nas diversas províncias houve fortes reações contra o sistema federativo e a ideia do triunvirato (com a rotatividade do exercício do poder entre os três membros) também não era aceita... As críticas vinham de todas as partes... Os clérigos associaram um terremoto que ocorreu na sexta-feira santa de 1812 às mudanças radicais que tomaram palco em Caracas... A catástrofe, diziam, “só podia ser castigo divino”. De qualquer modo, o terremoto prejudicou principalmente as áreas controladas por rebeldes... Isso favoreceu a reação.
Havia muitos que se posicionavam contra a emancipação. Entre esses estavam os que esperavam a restauração de Fernando VII. O espanhol Domingo Monteverde, capitão da Marinha, liderou os descontentes e conseguiu prender Miranda... A primeira República da Venezuela teve duração de apenas um ano... Os republicanos, com a aprovação de Bolívar, entregaram Miranda a Monteverde, que o enviou para a Espanha... Em 1816 Miranda morreu na prisão.
Houve repressão... Bolívar conseguiu se retirar (graças a um salvo-conduto) do cenário que lhe era muito desfavorável... Seguiu para Curaçao e depois para Cartagena, no Vice-Reino de Nova Granada... Foi lá que Bolívar procurou reverter a condição adversa dos emancipacionistas republicanos. Organizou um pequeno exército para retomar Caracas... E no dia 7 de agosto de 1813 foi isso mesmo o que aconteceu... O episódio de sua entrada na capital marca o início da “Segunda República Venezuelana”.
Mas as divisões permaneciam. De um lado estavam os realistas, do outro estavam os revolucionários... Os criollos apoiavam Bolívar... José Tomás Boves, um realista, conseguiu aglutinar as ansiedades de mestiços, que chegaram a invadir Caracas e provocaram a fuga aterrorizada da população...
Como se vê, a concretização da causa emancipacionista era tarefa das mais complexas.
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segunda-feira, 25 de março de 2013

“Símon Bolívar”, de Gabriela Pellegrino Soares, em “Coleção Fundadores da América Latina”, coordenada por Maria Ligia Coelho Prado – “Reformas Bourbônicas”, início das animosidades dos colonos em relação à Metrópole? Bolívar na Espanha da passagem do XVIII para o XIX; ocupação francesa e queda de Fernando VII; episódios de resistência na Espanha e nas colônias

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Bolívar, como tantos filhos de abastadas famílias criollas, partiu para a Europa, onde completaria os seus estudos. Contava 14 anos quando iniciou sua carreira militar... Em 1799 viajou com destino a Madri, tendo passado por México e Cuba. O jovem carregava a frustração de um relacionamento amoroso mal resolvido... Foi mesmo incentivado à viagem pelos tios tutores. Na Espanha conheceu um novo círculo de pessoas influentes com as quais frequentou a corte de Carlos IV...
Casou-se com Maria Teresa de Toro... As complicações políticas que envolveram Estebán Palacios (seu tio anfitrião) o fizeram retornar à Venezuela, onde, depois de 8 meses, Maria Teresa faleceu vitimada pela febre amarela.
Bolívar preferiu retornar para a Espanha... Em Cádiz reencontrou o pai de Maria Teresa, que também era Venezuelano. De lá seguiu para a França, onde ocorriam agitações revolucionárias... Em Paris conviveu com Alexander Von Humboldt e Aimé Bonpland, que haviam realizado expedição científica pelo rio Orinoco, na Venezuela.
Em Viena, Bolívar encontrou Simón Rodríguez (seu antigo preceptor)... Partiram para a Itália, onde assistiram a coroação de Napoleão Bonaparte (1804)... Essa “nova coroação do imperador” despertou em Bolívar sua aversão à Monarquia e, ao mesmo tempo, contribuiu para efetivar suas convicções republicanas.
Em 1807 retornou para a Venezuela... No ano seguinte as tropas francesas ocuparam a Espanha... Essa situação nos remete ao contexto em que havia sido decretado o Bloqueio Continental de 1806... Mas é certo que a Coroa espanhola também estava fragilizada devido à disputa entre Carlos IV e o filho, Fernando... Este assumiu o trono (como Fernando VII), mas devido à invasão francesa, abdicou em favor de José Bonaparte... Na América, os Cabildos de várias localidades formaram Juntas de Governo, de modo a preencher o “vazio de governo” e solucionar as questões administrativas, além de solucionar problemas políticos locais.
                                                                        * O Cabildo era um Conselho criado pela Espanha para garantir a organização político administrativa em cidades e vilas das terras coloniais. O Conselho regulava o cotidiano dos colonos e fiscalizava, como o afirmado à página 42, as propriedades públicas (terras comunais e ruas...). Cada vez mais os Cabildos passaram a ser constituídos por pessoas da elite porque os cargos públicos se tornaram ocupados por gente que tinha condições de comprá-los da Coroa. As elites das várias regiões usaram a instituição para exercer pressão sobre as autoridades espanholas nos Vice-Reinos ou mesmo em Madri.
Na Espanha houve resistência à invasão estrangeira. Não poucos esperavam a restauração da Coroa espanhola... Em Sevilha foi criada uma “junta central” que concentrava essa intenção, mas ela foi dissolvida em 1810 como resultado dos avanços das tropas francesas em Andaluzia. No lugar da Junta formou-se um governo regencial com a missão de elaborar uma Constituição ao país. Assim, foram eleitos deputados na Espanha e também na América.
Em 1812 foi aprovada a Lei que previa a restauração da Monarquia e, nesse caso, inspirada pelos ideais iluministas, limitava os poderes do rei... Mas no que se referia às colônias na América, a Constituição era conservadora, pois mantinha restrições comerciais e de representação política dos criollos.
Obviamente essa situação desagradou aos representantes que atravessaram o Atlântico para as Cortes (Assembleia Constituinte). Mas é certo que as limitações impostas à Monarquia impulsionaram o desejo de autonomia nas colônias, onde (aos poucos) as diversas Juntas de Governo articularam a intenção de emancipação.
Para muitos, como é o caso de John Lynch, as proposições emancipacionistas em meio às colônias espanholas se alinhavaram em fins do século XVIII, quando ocorreram as “Reformas Bourbônicas”, ao tempo de Carlos III (1759-1788). Os Habsburgos haviam sido substituídos e os reis Bourbons procuraram centralizar o controle sobre as colônias na América... “Sentimentos Americanistas” foram despertados entre os colonos que se mostraram insatisfeitos com as pressões fiscais, administrativas e comerciais... Os episódios marcados pela invasão francesa aqueceram a animosidade, que resultou em luta pela independência.
Há outros, como Tulio Halperin Donghi, que entendem que é claro que as reformas do tempo de Carlos III provocaram ressentimentos, mas o processo emancipacionista se explica mesmo pela invasão de 1808 e o “cativeiro de Fernando VII”... Para esses, os ideais de libertação despontaram aos poucos e foram alavancados após o Bloqueio Continental de 1806.
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Prof.Gilberto

sábado, 23 de março de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – a postura de Menocchio junto aos seus conterrâneos havia sido diferente da que manteve perante as autoridades inquisitoriais; considerações sobre o Espírito Santo; influências de “Trinitatis erroribus”?

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Foi no Fioretto della Bibbia que Menocchio leu que os anjos foram as primeiras criaturas criadas “da mais nobre matéria”... Pecaram por soberba e por isso perderam seus “lugares especiais” junto a Deus... Também leu neste livro que toda natureza é submissa a Deus, do mesmo modo que o martelo e a bigorna são submissos ao ferreiro que exercita o seu ofício e produz os mais diversos objetos (quem “faz a coisa é o ferreiro”), mas o moleiro não levou isso em conta; materialista como era não admitia a “presença de um Deus criador”... Podia admitir que os seres humanos fossem imagem e semelhança de Deus; que neles há ar, fogo, terra e água... Assim, esses elementos são Deus, do mesmo modo que tudo o que há de belo no mundo é Deus.
Em seu cotidiano seguia propagando entre seus conterrâneos que Deus era mesmo uma “traição da Escritura, que o inventou para nos enganar”... “Deus não é nada além de um pequeno sopro e tudo o mais o que o homem imagina”... Nem Deus nem o Espírito Santo “se mostram”, então Menocchio raciocinava junto aos seus que as entidades estavam mais para invencionices... Porém durante o processo não foi isso o que garantiu... Perante as autoridades respondeu com indignação que ninguém poderia dizer que ele proferira que o Espírito Santo não existe... E ainda: garantia que sua “maior fé neste mundo” estava justamente no Espírito Santo “e na palavra do altíssimo Deus que ilumina o mundo todo”...
Qual seria o verdadeiro Menocchio? Aquele do cotidiano de Montereale, feroz crítico de Deus e das coisas da religião, ou o que se dizia devoto perante os inquisidores? Para muitos, seus depoimentos de crença ardorosa se explicam pelo seu medo e desejo de livrar-se da condenação do tribunal... Isso à parte, é certo que Menocchio não pode ser definido como um tipo prudente... Tanto é que não escondia seu pensamento em relação à “mortalidade da alma”, além disso, negava a divindade de Cristo.
Ao que tudo indica, Menocchio reservava aos seus conterrâneos de Montereale uma “versão simplificada” de seu pensamento. Ao passo que às autoridades inquisitoriais apresentava uma “versão mais complexa”. Não podemos esquecer que ele mesmo dizia que se tivesse oportunidade de falar com o papa, rei ou príncipe, não perderia a ocasião e, se depois o prendessem (e o matassem), não se incomodaria.
Mas sobravam as incoerências das contradições entre as “duas versões”... Se entendermos que as palavras de Menocchio perante as autoridades sintetizavam seu “real pensamento”, temos de refletir sobre a possibilidade (ainda que remota, como propõe Ginzburg) de o moleiro ter conhecido (pelo menos indiretamente) o De Trinitatis erroribus, do médico espanhol Servet... Essa obra cheia de termos filosóficos e teológicos bastante complicados foi introduzida na Itália por volta da metade do século XVI por Giorgio Filaletto (conhecido como Turca ou Turchetto).
Em Trinitatis erroribus temos a ideia da humanidade de Cristo, condição acrescida de divindade graças ao Espírito Santo... Os depoimentos de Menocchio durante o primeiro interrogatório revelaram que, para ele, havia dúvidas se Cristo era Deus, porque podia ser apenas um bom homem, um profeta entre os demais homens... Dessa forma, Cristo seria apenas um ser humano como nós todos... Embora ponderasse que “Deus mandara o Espírito Santo escolhê-lo como filho”.
Inicialmente Servet procurou apresentar definições sobre o Espírito Santo retiradas da própria Escritura... Assim, somos levados a pensar sobre Ele de modos distintos... Em alguns trechos Espírito Santo é o próprio Deus; em outros é entendido como um anjo, “espírito do homem”; “natureza divina de alma”; “impulso da mente”; “o hálito”... Alerta que há diferenças entre sopro e espírito...
Conhecendo um pouco mais do conteúdo de Trinitatis erroribus entenderemos os juízos formulados pelo moleiro.
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Prof.Gilberto

quinta-feira, 21 de março de 2013

“Símon Bolívar”, de Gabriela Pellegrino Soares, em “Coleção Fundadores da América Latina”, coordenada por Maria Ligia Coelho Prado – uma introdução; considerações sobre “estruturalismo”; Simón Carreño Rodriguez, preceptor afinado com os ideais revolucionários

Uma questão que se coloca de início ao tratarmos dessa personalidade é sobre a grande evidência de Bolívar frente a acontecimentos tão significativos para os povos da América Latina e para o contexto (internacional) de “relações de poder”... Seriam os personagens tão determinantes a ponto de imprimir resultados à História? Os contextos devem se sobressair em relação aos indivíduos? Essas questões nos remetem às Perspectivas Estruturalistas (à página 41: “correntes de pensamento que marcaram a História e as Ciências Sociais nos anos 1970, as quais levavam os pesquisadores a concentrar sua atenção nas estruturas que regiam cada sociedade. Os sistemas econômicos, sociais e culturais eram vistos como estruturas rígidas, que enredavam os indivíduos de forma a estreitar sua margem de liberdade”).
Partindo de considerações de Giovanni Levi (1989) devemos levar em conta que na relação com o meio social, todo indivíduo se torna dotado de liberdade originada das “incoerências sociais”... As propostas de mudanças da realidade e suas ações são decorrentes dessa relação e “não podem ser consideradas irrelevantes ou não pertinentes”.
(...)
José Antonio de la Santíssima Trinidad Simón Bolívar y Palacios nasceu em 24 de julho de 1783, em Caracas. Ele passou para a história como um dos mais conhecidos e carismáticos “libertadores da América”... Para termos uma ideia, sua atuação se estendeu desde a Capitania Geral da Venezuela até os Vice-Reinos da Nova Granada, do Peru e do Rio da Prata (região do alto Peru, onde contribuiu para a emancipação de território que, em sua homenagem, veio a tornar-se a Bolívia).
Simón Bolívar pertencia à elite venezuelana... Tomou conhecimento e fez parte das discussões e ações provocadas pelas ideias revolucionárias do Iluminismo... Criollo abastado, gozava de boa reputação em Caracas ao tempo da tomada de Madri pelas tropas napoleônicas. O ambiente de efervescência política resultou na criação da Junta de Governo, que declarou guerra à Espanha e resultou na fundação da República (1811)... Bolívar notou as dificuldades da transição, percebeu o seu papel na condução do processo e com clareza atuou na concretização de alianças, impondo condições e derrotando inimigos... Foi assim que “as forças que se articularam em torno dele conquistaram o objetivo comum da emancipação”.
Mas os ideais que almejava para a “nova ordem” que se vislumbrava no continente sofreram o golpe, resultado de interesses locais que se sobrepunham à unidade. Na Grã Colômbia, Peru e Bolívia a “pluralidade de aspirações” eram gritantes... Adoecido de tuberculose, cansado e um tanto decepcionado, acabou se retirando... Mesmo uma personalidade forte como Bolívar sucumbiu.
(...)
Caracas era a capital da Capitania Geral da Venezuela. A rica família de Simón Bolívar possuía fazendas dedicadas à produção de cacau, além de muitos outros bens (escravos, casarão na praça San Jacinto)... Antes dos dez anos de idade viu-se órfão de pai e mãe. Hipólita, a ama da família, cuidou dele e de suas irmãs.
No início sua educação ficou por conta do advogado Miguel José Sanz (que em 1810 escreveu Informe sobre educación Pública durante la colonia). Mais tarde, Bolívar recebeu formação de preceptores como Andrés Bello (que veio a tornar-se reitor da Universidade do Chile) e Simón Carreño Rodriguez que, para muitos, foi o responsável pelos ideais de liberdade assumidos por Bolívar.
Carreño Rodriguez não militava contra a velha ordem apenas na educação, sabe-se que em 1797 envolveu-se na “Conspiração dos Pardos”, agitação política em defesa da independência da Venezuela... Depois desse episódio estabeleceu-se na Europa, tendo passado por Jamaica e Estados Unidos... Foi na Europa que Rodriguez reencontrou Bolívar. Seus escritos registram, depois de 45 anos, o juramento de Bolívar no Monte Aventino (Roma), onde assumiu a missão de libertar as terras da América exploradas pela Espanha.
Leia: Simón Bolívar. Fundação Memorial da América Latina.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 20 de março de 2013

“O Queijo e os Vermes”, de Carlo Ginzburg – mais sobre o “Fioretto della Bibbia”; explicações materialistas de Menocchio a respeito de Deus

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/01/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_13.html antes de ler esta postagem:

Vimos que ao mesmo tempo em que Menocchio se inspirava na leitura de Fioretto della Bibbia (e também na Escritura), ia apropriando-se de conceitos mais próximos do erudito e construía uma interpretação própria... Contrariava os ensinamentos pregados pelo texto e seguia as ideias “formuladas por sua mente”.
O Fioretto era leitura fácil... Usava de metáforas para ensinar, daí sua característica didática... Mas Menocchio invertia muito do que lia... Seu “universo linguístico” era de fidelidade às palavras... Sua interpretação de textos era “ao pé da letra”... Assim, entendia Deus como “pai de todos os homens”. “Todos somos filhos de Deus, da mesma natureza que a do que foi crucificado”. Sua conclusão era simples, dado que todos são filhos de Deus, Ele quer bem a todos (cristãos, turcos, heréticos, judeus...) e por isso todos se salvarão indistintamente... É claro, reconhecia que muitos rejeitam Deus, mas ainda assim pertencem a Ele. O fato de blasfemarem contra Ele não significa que cometem pecado... Isso só pode fazer mal aos que blasfemam... O que conta, de fato, é se as atitudes prejudicam ao próximo... Quer dizer, novamente vem à tona aquela ideia do filho que blasfema contra o pai e é perdoado e, no entanto, se quebra a cabeça de um de seus irmãos, o pai não pode perdoá-lo (caso em que o “pecador” tem de “pagar por sua atitude agressiva ao próximo”).
A ideia de que devemos amar mais ao nosso próximo do que a Deus é literal... Para o moleiro, Deus está afastado dos viventes. Ele é a autoridade identificada como “santíssima majestade” (algumas vezes identificada por ele como distinta de Deus, outras como sendo o próprio Deus, e ainda “espírito de Deus”)... Ainda explicando Deus, Menocchio faz uma analogia que O relaciona a um “grande capitão”, que teria enviado o seu filho a este mundo como embaixador... Deus é entendido por ele também como “homem de bem”, um senhor de poder... Segundo ele mesmo, não deveriam estranhar as suas ideias em relação às suas opiniões confusas (ele mesmo admitia isso) sobre a crucificação de Jesus... “Se Ele era Deus eterno não podia se deixar prender e crucificar”... Um senhor (de poder) não procederia deste modo!
O conceito formado a respeito de “senhor”, além do poder que todos reverenciam, traz em seu bojo a característica do “não trabalhar” porque há quem trabalhe por ele... Além de pai, Deus é um patrão, um proprietário de terras que não precisa “sujar as mãos trabalhando”... Seus feitores é que cuidam disso excepcionalmente... Os anjos “que trabalham para o Espírito Santo” contribuíram, por exemplo, “para a criação da terra, das árvores, dos animais, dos homens, dos peixes e de todas as outras criaturas”... Tudo isso está de acordo com as afirmações de Menocchio a respeito do poder de Deus... O processado seguia afirmando que todos concordam que Ele fez tudo o que existe, mas em sua opinião não haveria nenhum absurdo em aceitar que Ele tenha contado com a colaboração dos anjos... De outra forma, argumentava, tudo seria bem mais demorado... O poder de Deus, segundo Menocchio, consiste no “operar através dos trabalhadores”.
Menocchio admitia que o papa fosse representante de Deus, um agente que perdoa os pecados das pessoas... Sendo assim, julgava que isso é bom... É como se Deus nos perdoasse, então as indulgências seriam boas. Mas ele defendia que, além do papa, Deus possui outros agentes... O Espírito Santo é um deles, um “feitor”... E o Espírito “elegeu” quatro capitães (“agentes entre os anjos criados”)... Os homens se fizeram a partir da “vontade de Deus e de seus ministros”... O Espírito Santo participa da obra dos ministros, então tem parte na criação dos homens.
Os inquisidores perguntaram a Menocchio se Deus “criou, produziu, alguma criatura”... O moleiro disse que Ele “providenciou que fosse dada a vontade para que todas as coisas fossem feitas”... Sua concepção limitava-se ao que vivenciava como moleiro e carpinteiro (que tem conhecimento sobre “como fazer”) que, possuindo as ferramentas adequadas, vontade de fazer e o material necessário, definitivamente, fazia...
Para Menocchio, nem Deus nem o seu capataz (o Espírito Santo) fizeram nada, já que quem “pôs mãos à obra na criação do mundo foram os anjos” (“feitores”; “trabalhadores”). Não por acaso os inquisidores quiseram ouvir de Menocchio sobre como teriam surgido esses entes... E ouviram do interrogado que os anjos foram “produzidos pela natureza da mais perfeita substância do mundo, assim como os vermes nascem do queijo”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/03/o-queijo-e-os-vermes-de-carlo-ginzburg_23.html
Leia: O Queijo e os Vermes. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 19 de março de 2013

“Ei! Tem alguém aí?”, de Jostein Gaarder – o fim; Joakim conta à Camila a respeito do nascimento do irmãozinho (ou irmãzinha) dela

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Os dias se passaram e o irmãozinho de Joakim tornou-se o centro das atenções... A gritaria que iniciava só era acalmada após a chegada da mãe... A amamentação resolvia tudo bem rápido... Joakim e o pai tinham dificuldades para acalmá-lo... Quando não dava atenção ao bebê, Joakim dedicava-se a procurar o coelhinho branco. Sabia que não se importava mais com o fato de tê-lo perdido, mas ficava intrigado com o sumiço.
Joakim revela (à pequena Camila) que também continuou a procurar Mika por todo o tempo desde aquela época... A “revisita” a locais como a “cadeira de pedra”, o ancoradouro ou o “marco de pedras” (localizado no “montinho”) é momento para as lembranças das conversas intermináveis que tiveram. O garoto nunca teve coragem de falar aos pais sobre o amigo espacial, mas houve ocasião em que disse que havia tirado “fotos engraçadas” quando os dois estavam no hospital... Então ele entregou a máquina ao pai... Mas ela esteve sem filme durante todo aquele tempo!
O bebê foi batizado com o nome de Mikael pelo simples fato de os pais de Joakim acharem que o nome combinava com o seu... O menino não se recorda se teve influência na escolha do nome... Isso era possível... Mas pode ser que os pais já haviam decidido mesmo antes do nascimento... Nesse caso, uma bela coincidência.
Na sequência o adulto Joakim escreve à Camila sobre a realidade dos modernos equipamentos e exames hospitalares, que permitem aos pais conhecerem antecipadamente o sexo do bebê que vai nascer... Assim podem escolher seus nomes bem antes do parto... Essas coisas que não podiam ter ocorrido com os seus pais.
Na sequência ele esclarece que a tia Helena é avó de Camila... E Karina, mãe de Camila, é filha de Helena.
Joakim contou que Karina tinha 14 anos quando Mikael nasceu... O tempo havia passado e agora ela era mãe de Camila, uma bela menina de 8 anos... Então Joakim revela a importante notícia que ele tinha para dar, algo a que ele havia feito referência no início de seu texto... Sua prima Karina havia lhe contado uma semana antes que seria mãe de mais um bebê dentro de alguns meses. Então decidiu contar a novidade escrevendo a narrativa sobre o encontro que teve com Mika na época em que tinha a mesma idade que ela. Essa foi a forma de parabenizar Camila pela chegada do irmãozinho (ou irmãzinha, já que Karina não havia feito ultrassom).
Joakim contou mais sobre a festa de batizado do pequeno Mikael... Relatou que fez truques de mágica para os convidados... Algo bem apropriado, pois o nascimento de um humano é algo mágico mesmo. Escreveu que usava uma varinha que ganhou e que para ficar mais elegante usava a cartola do vovô... Sim, aquele velhinho era também avô de Karina e, portanto, bisavô de Camila...
Então o adulto Joakim iniciou uma narrativa sobre como tudo começou... Seus avós se conheceram nas montanhas de Jotunheim (uma bela cadeia de montanhas na Noruega) há muitos anos... Naquele momento eles nem desconfiavam que teriam uma netinha que, aos oito anos, ganharia um irmãozinho (ou irmãzinha)... Mas, acrescentou, muita coisa já havia ocorrido até que o jovem casal de então fizesse aquela escalada... Uma longa estrada que se iniciou com a ousada saída de um anfíbio do mar... Aquele pequeno passo foi gigantesco na história da evolução...
Joakim levou em consideração que a garotinha, depois de ler tanto texto, deveria querer saber se ele realmente conheceu Mika... Não teria sido um sonho? A esse questionamento, registra que faz uma reverência... Ele próprio confessa que muitas vezes já se fez as mesmas perguntas... Sem obter resposta, conclui que o mais importante foi o encontro... Não importa de onde cada uma veio nem onde exatamente se encontraram... A sensação que ficou foi a de, pelo menos naquela noite do nascimento do pequeno Mikael, posicionar-se no “topo do mundo”...
Joakim revela o que pensa... Acredita mesmo que muitos encontros importantes em nossa vida acontecem quando estamos dormindo... Ao sonhar nos elevamos, e é como se saíssemos do vale profundo que é a nossa vida cotidiana... Foi o encontro que teve com Mika que despertou em Joakim a sua vontade de se tornar astrônomo... E foi isso que fez... Passou a estudar o céu e as estrelas... E admitiu que contemplar um bebê recém-nascido é como “fitar as estrelas lá do alto”.
Talvez essa fixação pelo espaço seja apenas uma necessidade de procurar aquele amigo da noite do nascimento de Mikael... Joakim se despede admitindo que possa ter esquecido muitas passagens de sua aventura... E é assim mesmo... É possível que à noite, quando dormimos, nos esquecemos de muitas experiências, mas ao mergulharmos fundo em nossos sonhos “entramos num mundo totalmente novo”... Pode ser que sonhamos para “preencher os espaços vazios de nossa memória”... Mas nossos sonhos “se evaporam logo que acordamos”... Suas últimas palavras foram sobre isso... Lembrar de um sonho é bem difícil, é como agarrar um passarinho... Mas algumas vezes acontece de o passarinho pousar em nosso ombro espontaneamente.
Leia: Ei! Tem alguém aí? Companhia das Letrinhas.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/04/ei-tem-alguem-ai-de-jostein-gaarder.html
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 17 de março de 2013

“Decamerão”, de Giovanni Boccaccio – Quarta novela do primeiro dia – contada por Dioneio – o final - o abade se locupleta da situação de pecado proporcionada pelo jovem monge; quer permanecer desfrutando sozinho da aventura, mas contenta-se em reparti-la

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O jovem monge foi autorizado a sair... O abade pensou sobre as providências a tomar em relação à gravidade do delito... Pensou sobre a possibilidade de chamar os demais religiosos para que testemunhassem a prova contra o rapaz... Mas ponderou que talvez fosse melhor ele mesmo averiguar a situação com a mulher, pois ela bem podia ser esposa ou filha de algum homem ao qual não pretendia envergonhar perante a comunidade.
Cuidadosamente ele se dirigiu à cela do infrator. Entrou e trancou novamente a porta com naturalidade... O velho abade observou a moça atentamente por alguns instantes e aos poucos foi sendo tomado de “desejos ardentes”... Então pensou que não estaria errando se aproveitasse o “presente enviado por Deus”. A situação era oportuna, pois ninguém sabia que a mulher estava ali... Pensou mesmo que “pecado oculto é pecado meio perdoado”... Ninguém saberia do episódio que provavelmente não ocorreria novamente.
A situação que seguiu foi de pleno êxito do abade que havia mudado de planos... A moça entrou em desespero... Mas gentilmente ele pediu que ela não chorasse... E entreteve-se com ela... O jovem monge não seguiu para o bosque conforme o velho abade imaginava. Ele permaneceu escondido e viu que o outro entrou em seu quarto... E viu e ouviu através de um orifício tudo o que lá aconteceu.
O abade retirou-se do quarto do jovem monge, onde deixou a moça trancada. Ele voltou para o seu quarto e calculou que poderia continuar desfrutando de sua aventura amorosa sem que o rapaz o incomodasse... Ao notar que o jovem retornava, mandou chamá-lo para falar-lhe graves palavras (provavelmente referentes ao problema da lenha) e mandá-lo ao cárcere.
Ao ouvir a reprimenda do abade, o jovem monge argumentou que ainda estava se habituando à disciplina da Ordem de São Bento... Disse que sabia dos jejuns e vigílias que todos deviam fazer, mas desconhecia o “ter de se mortificar pelas mulheres”... Insinuou que tinha acabado de flagrar o outro... Completou dizendo que desejava ser perdoado para não ter de proceder como ele.
As palavras do moço foram suficientes para o velho abade reconhecer que o rapaz, além de saber dos seus planos, testemunhou tudo o que fizera... Então ele sentiu-se envergonhado e não teve coragem de impor ao subordinado o castigo que ele mesmo merecia... Assim, o perdoou.
E não foi só isso. Acertaram um acordo "informal"... Por inúmeras vezes deram um jeito de a moça retornar ao mosteiro.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2013/04/decamerao-de-giovanni-boccaccio-quinta.html
Um abraço,
Prof.Gilberto

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