quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Brumadinho – estouro da barragem e lamaçal sobre indefesas criaturas; a lógica dos exploradores destrói e aflige

Isto não é uma reportagem.

                   No meio do caminho havia uma pedra...

Os últimos dias de férias foram marcados por esta tragédia de 25/janeiro em Brumadinho, Minas Gerais. O mundo inteiro acompanha com tristeza o trabalho dos bombeiros e de toda gente (demais militares e voluntários civis) envolvida na busca dos corpos das vítimas em meio ao mar de lama.
Quem é que não se sente incomodado com a tragédia e sensibilizado com o drama das pessoas? De repente estamos acompanhando depoimentos desesperados daqueles que perderam parentes e amigos queridos e revendo cenas de salvamentos em paisagem apocalíptica... É de chorar!

Meu Deus! Faz apenas três anos que aconteceu aquela tragédia na histórica Mariana!
Novamente nos vemos interessados pelos esclarecimentos transmitidos pelas autoridades... De tanto que as vemos e ouvimos até já nos sentimos familiarizados. Mas isso também nos incomoda, pois percebemos que a nossa condição é a do conforto da distância geográfica.
Homens, mulheres e animais silvestres e domésticos arrastados a lonjuras impensáveis, atolados no lamaçal, sufocados até a morte... Esquartejados, enrijecidos e escondidos. No meio do caminho (da lama) havia pedras, árvores e essas pobres criaturas.

O trabalho é imenso, a operação é de guerra com máquinas e equipamentos “de guerra”... As linhas telefônicas para “maiores esclarecimentos” aos parentes dos desaparecidos não funcionam, a “área quente” de resgates é palco para poucos...
Que bom! Anunciaram a chegada de soldados israelenses com aparelhos de última geração utilizados em desastres mundo afora para ajudar na localização dos corpos.         (...)
O repórter está dizendo que o desespero maior é o dos familiares que estão sem informações. O esforço das equipes de resgate é hercúleo e “salta aos olhos”. Vemos bombeiros enlameados e atolados na imundície, mas os resultados tardam a aparecer. Como explicar isso a quem tem passado os últimos dias transtornado pelo drama e pela perda de seus entes?

Há os que dizem que a lama avança com potencial para atingir o Rio São Francisco... Outros garantem que ela não chegará lá...
A lama turvou as águas do Paraopeba e contaminou as margens onde se localiza a aldeia Naô Xohã (Pataxó Hã-hã-hãe e outros). Morte do rio, morte de toda vida silvestre.
Os entendidos seguem dando explicações enquanto os ativistas ambientais mostram que já alertavam a respeito dos perigos... Especialistas de diversas áreas do Direito esclarecem potenciais punições e indenizações. Cientistas políticos explicam que muitos congressistas estão ligados visceralmente às mineradoras e delas receberam muita verba para financiamentos de campanhas eleitorais. Um horror.

Está tudo perdido...
Lá no alto estava a barragem que acumulou rejeitos venenosos por muitos anos. Disseram que estava desativada e que dessa maneira o resíduo era seco. Então como explicar a imensa e violenta torrente?
Ali havia uma horta... Da pousada restaram as antigas fotografias... Aonde foi parar o restaurante? Veículos e mesmo pesados vagões foram retorcidos e engolidos pelo lamaçal.
Infelizmente os prognósticos se confirmaram e logo se viu que as chances de sobrevivência eram mesmo reduzidíssimas.
* A imagem foi extraída de https://www.viomundo.com.br/denuncias/barragem-da-vale-estoura-em-brumadinho-na-grande-bh-videos-mostram-o-inicio-e-a-destruicao-inicial-veja.html

Lindas paragens de “mares de morros”...
O poeta (só pode ser Drummond) se encantava com a beleza natural de sua terra natal. É claro que sua sensibilidade o levava a refletir também a respeito da labuta dos homens na retirada de gigantescas “pedras do caminho”. Morros inteiros foram britados!
A extração do minério ocorre há muitos anos naquelas lindas paragens de incontáveis morros... Todavia os investidores enxergam muito mais do que a bela natureza... Acima de tudo veem as altas somas e pouco se importam se só buracos e miséria restarão. Quanto menores os custos nas extrações, maiores os lucros... Eis a regra.
É isso. 
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

“Biblioteca à Noite” no Sesc Paulista – O universo das grandes bibliotecas do mundo em realidade virtual - Última Parte; considerações sobre as bibliotecas “visitadas na floresta”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/01/biblioteca-noite-no-sesc-paulista-o_21.html antes de ler esta postagem:

Conforme o combinado, seguem algumas considerações sobre cada uma das “bibliotecas da floresta” destacadas na exposição “Biblioteca à Noite”.
Evidentemente as sensações experimentadas durante a visita virtual às dez citadas anteriormente são muito mais relevantes do que qualquer informação aqui registrada.

* Biblioteca da Abadia de Admont/Áustria
Somos posicionados no interior da ampla sala, mas não estamos sozinhos...
Alguns monges chegam às prateleiras e isso indica que o acervo ainda é utilizado por eles.
A monumental construção é datada do século XVIII, o “século das luzes”, época em que o Iluminismo possibilitou o desenvolvimento de várias ciências e confrontou a visão de mundo ainda calcada na religiosidade para que o conhecimento se tornasse racional. Nessa biblioteca, a disposição dos livros científicos e os de filosofia se explica a partir daquele contexto... Os beneditinos posicionaram os livros sagrados do cristianismo no centro, e essa posição de destaque mostra que eram eles que deviam nortear as reflexões mais dramáticas da humanidade.
As “quatro últimas coisas” são esculturas presentes na sala principal... Elas representam a Morte, o Juízo Final, o Paraíso e o Inferno... Há reflexões de Manguel para cada uma. Sobre a última delas destaca-se que “inferno”, para o leitor, é uma vida sem livros.

* Templo de Hase-Dera/Japão
Datada do século XVI, essa construção tradicional é marcada pela simplicidade. Monges preservaram as palavras sagradas de Buda em rolos manuscritos. O rinzo é o que mais chama a nossa atenção, pois se trata de uma prateleira que gira ao ter o seu mecanismo acionado pelo visitante... E conforme o rinzo gira, emite sons de sinos que “espantam os maus espíritos”.
Contemplamos o ambiente e o seu acervo... Logo aparecem duas turistas que movimentam o rinzo, registram a “máquina” e o momento em seu aparelho celular. Na sequência se retiram deixando para trás uma atmosfera que conta séculos de espiritualidade.

* Biblioteca do Nautilus/Vinte Mil Léguas Submarinas
Essa só pode ser entendida como resultado das apaixonadas leituras dos livros de Verne... Esse era o caso de Manguel que, como muitos de nós, se sentia atraído pelas ilustrações das obras de ficção. A visita proporcionada pela Ex Machina nos leva ao Nautilus e ao sentimento de fascínio provocado pelos livros acumulados pelo capitão Nemo. Sentimo-nos inseridos na ilustração. Um passeio pela sala permite avistar criaturas marinhas através das escotilhas... Também vemos Aronnax (prisioneiro no Nautilus depois de ter sido resgatado enquanto buscava destruí-lo), que não esconde o seu encantamento pelos livros, e o próprio capitão imerso em reflexões que conhecemos a partir do texto de Manguel.

* Biblioteca Nacional e Universitária/Bósnia e Herzegovina
O prédio data do final do século XIX. Ele sofreu duro bombardeio durante os conflitos da década de 1990 que desencadearam o desmembramento da antiga Iugoslávia... Manguel nos conta que durante vários dias um violoncelista posicionou-se nos degraus da biblioteca, onde tocou o instrumento. A emoção nos contagia ao ouvirmos os acordes de Albinone enquanto as chamas da intolerância ameaçam destruir o local...

* Biblioteca de Alexandria/Egito
Primeiro contemplamos o céu mediterrânico e suas estrelas... Depois ouvimos a explicação sobre a gigantesca biblioteca da antiguidade dos faraós e do helenismo. Os papiros do acervo reuniam o conhecimento acumulado pela humanidade. Embora a narração relacione o centro de estudos ao poder imposto à toda região, não há como não associá-lo ao icônico “farol”.
Também a biblioteca de Alexandria “iluminava os caminhos humanos”, mas como se sabe ela foi destruída pelas chamas. Assistimos ao incêndio e o calor do fogo parece nos atingir. Por fim, ao longe avistamos a nova biblioteca inaugurada no início deste século.

* Biblioteca Vasconcelos/México
Na área exterior, jovens dançarinos se colocam junto à "parede de vidro" que reflete os passos que ensaiam... Isso ocorre quase que diariamente. Mas o que mais chama a nossa atenção logo que entramos é a reprodução de gigantesca ossada pré-histórica suspensa no corredor principal.
A respeito dessa biblioteca, as informações dão conta de que ela foi construída no leito de um lago seco e que seu formato lembra uma “arca moderna onde livros, prateleiras e conhecimento flutuam no espaço, e à qual as pessoas podem se agarrar em caso de terremoto ou dilúvio, afastando as ameaças sísmicas que atormentam a região”.

* Biblioteca real/Dinamarca
Acho que essa é a visita mais tocante...
Vemos a construção e instalações que datam da metade do século XIX. As prateleiras estão repletas de livros que não possuem mais fichas de catalogação/classificação ou tombamento...
Jovens estudantes das Ciências Sociais de Copenhague frequentam o ambiente, todavia há muito aparecem por ali apenas para acessar conteúdos digitais... Eles aproveitam o silêncio local... Ao que parece é só o que desejam do local.
A narração nos leva a entender que a biblioteca se tornou um patrimônio. Isso nos remete à reflexão sobre a sua condição de “embalsamada”. Uma linda biblioteca com “livros mortos” e pertencentes ao passado. Temos vontade de acessá-los!
De repente avistamos fantasmas que percorrem as prateleiras, folheiam alguns volumes e contemplam a nova geração...

* Biblioteca do Parlamento de Ottawa/Canadá
A biblioteca foi concebida no estilo vitoriano e uma estátua da rainha Vitória se destaca no local. O acervo é constituído basicamente de documentos oficiais.
A Ex Machina acertou um pequeno espetáculo para os visitantes. Vemos a bibliotecária apresentando as páginas de um enorme livro (de ornitologia) com as imagens de algumas das principais aves do território canadense. A graça toda está no fato de as coloridas criaturas ganharem vida e invadirem a biblioteca sisuda. Essa festa chega ao fim quando o segurança aparece para alertar que o horário de visitação se expirou.

* Biblioteca Saint-Geneviève/França
Essa biblioteca teve seu prédio construído durante a metade do século XIX, época de significativos avanços industriais que resultaram no conforto que os habitantes das metrópoles experimentaram ao tempo da Belle Époque. A exposição destaca o arrojado desenho do arquiteto Henry Labrouste. A primeira cena a que assistimos é exatamente a do desenho da planta.
Ficamos impressionados como as linhas vão se destacando dos papéis e tomando a forma do prédio real... A narração explica os trabalhos em ferro fundido e a introdução do sistema de iluminação a gás, uma das principais novidades da época.

* Biblioteca do Congresso/Estados Unidos
Trata-se de uma grande biblioteca... A maior do mundo, a mais bem equipada e abastecida de livros, a de maior acervo digitalizado... Os registros apontam muitos superlativos.
Uma das curiosidades sobre a instalação é a impossibilidade de os leitores da principal sala se posicionarem completamente fora do campo de visão do bibliotecário. O funcionário cumpre sua jornada num elevado de localização estratégica, um panóptico.
Outro aspecto destacado pela narração é a cúpula onde figuras aladas representam os povos que historicamente mais contribuíram para a acumulação dos conhecimentos até os nossos dias (egípcios estão no início, na sequência vemos representações dos hebreus, gregos, romanos, islamitas até chegarmos aos modernos alemães, espanhóis, ingleses, franceses e, por fim, os norte-americanos).


Indicação (14 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

“Biblioteca à Noite” no Sesc Paulista – O universo das grandes bibliotecas do mundo em realidade virtual - Segunda Parte; as bibliotecas e a floresta

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/01/biblioteca-noite-no-sesc-paulista-o.html antes de ler esta postagem:

Há a outra parte da exposição que é (mais) interativa. Por isso o monitor disse que o nosso tempo na primeira sala havia se esgotado e passou a explicar o uso dos óculos de realidade virtual e dos fones.
Neste ponto é importante saber que os ensaios de “A Biblioteca à Noite” não nos remetem apenas à aconchegante biblioteca de Manguel na França (onde ela não mais se encontra), mas também a outras significativas bibliotecas espalhadas pelo mundo e pelo imaginário de aficionados leitores.


Há mesas dispostas na última sala...
O ambiente é escuro e lembra uma floresta. Sobre cada uma das mesas estão dispostas as luminárias. Somos convidados a nos acomodar e nos dirigimos às mesas como se elas fossem as de uma biblioteca...
Há tanto a ser explorado (no sentido mesmo de investigação) numa floresta!
Mas não é o mesmo que ocorre numa biblioteca?
Até podemos dizer que ao nos recolhermos numa biblioteca, mergulhamos noutras realidades... Cada livro tem suas peculiaridades assim como ocorre com cada árvore da floresta.
Infelizmente a comparação entre uma e outra é válida também porque há muitos que as atacam, desprezam e pretendem vê-las “riscadas dos mapas”.


(...)

É na segunda parte da exposição que entendemos melhor o tipo de produção da Ex Machina nas realizações de Robert Lepage. Os equipamentos nos levam a visitar dez bibliotecas fantásticas...
São elas: Biblioteca da Abadia de Admont/Áustria; Templo de Hase-dera/Japão; Biblioteca Vasconcelos/México; Biblioteca real/Dinamarca; Biblioteca do Nautilus/Vinte Mil Léguas Submarinas; Biblioteca do Parlamento de Ottawa/Canadá; Biblioteca Nacional e Universitária/Bósnia e Herzegovina; Biblioteca Saint-Geneviève/França; Biblioteca de Alexandria/Egito; Biblioteca do Congresso/Estados Unidos.
Basta um click no escudo correspondente à instituição para acessarmos a cada um dos ambientes... Contemplamos as bibliotecas, suas estantes e a disposição de seus livros enquanto ouvimos a história de cada uma delas desde a produção textual de Manguel.
A sensação é incrível, principalmente para quem, como eu, nunca tivera acesso a experimentos desse tipo. Mas o que nos sensibiliza, sem dúvida, são as narrativas e as bibliotecas.
(...)
Há o plano de uma última postagem sobre a “A Biblioteca à Noite”.
A ideia é escrever sobre cada uma das “bibliotecas da floresta”. Gostaria principalmente de transmitir as sensações experimentadas durante a visita às dez citadas anteriormente.
Até lá.
Indicação (14 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Biblioteca à Noite” no Sesc Paulista – O universo das grandes bibliotecas do mundo em realidade virtual - Primeira Parte; um pouco sobre a exposição e a biblioteca de Manguel na França

São Paulo, 17 de janeiro – 2019.

Os dias têm sido de altas temperaturas...
Isso nos derruba, sentimo-nos menos dispostos e como que cravados no cansaço pelo intenso calor.
Agora que a chuva resolveu desabar sobre esta parte da cidade veio-me inspiração para escrever algo sobre “A biblioteca à noite”, exposição que está até o dia 10 de fevereiro no prédio do Sesc da Avenida Paulista.
O que posso registrar a respeito? Gostaria tanto de indicá-la que me vejo na necessidade de esclarecer que não se trata de uma exposição totalmente aberta e que é preciso acessar ao site da instituição para preencher sua intenção de visita. Há vários horários disponíveis, mas a quantidade de vagas para cada um deles é limitada.
(...)
Conseguimos o agendamento para 16/janeiro às 12:00.
Logo que chegamos, fomos informados de que devíamos seguir ao 5º andar... Uma recepcionista conferiu a nossa inscrição e nos autorizou a seguir por um corredor escuro. No fim dele havia os bancos onde o grupo se concentrou para aguardar o início da visita.
Um solícito monitor nos explicou que entraríamos numa sala que reproduz a biblioteca que Alberto Manguel, escritor argentino que conviveu com Jorge Luis Borges na década de 1960, possuía na França. Ficamos sabendo também que a exposição se guia pelo seu livro “A Biblioteca à Noite” (2006), e que Robert Lepage (ator, diretor e artista visual canadense), que dirige a Ex Machina, se inspirou em sua produção textual para organizar a exposição...
(...)
Tivemos tempo para observar a biblioteca, um ambiente maravilhoso para todos os que não conseguem enxergar a própria existência se esta não estiver junto aos livros...
Ficamos sabendo ainda que a biblioteca original se localizava no Vale do Loire, França, onde Manguel a instalou depois de se tornar proprietário de uma casa (paroquial que possuía o galpão onde a biblioteca foi organizada) de aldeia que data da Idade Média. Depois de restaurar o que eram ruínas, o escritor criou o seu lar dotado do ambiente propício à introspecção e às leituras.
Nos acomodamos nos assentos da biblioteca e ouvimos trechos do referido livro enquanto pequenas vidraças acusavam uma torrencial chuva carregada da sonoridade tão apropriada para as horas de leitura e reflexão junto aos livros. Tudo muito aconchegante...
Nos trechos da narrativa, Mangel descreve sua biblioteca, alguns dos livros (o acervo chegou a mais de trinta mil) e os objetos nas paredes e prateleiras. Cada um deles evoca uma lembrança, um esquecimento, um sentimento, uma ansiedade ou perda.
Temos vontade de permanecer ali mesmo...
É quase a mesma sensação que temos ao lermos um livro que não queremos que as últimas páginas sejam vencidas simplesmente porque sua leitura é imensamente prazerosa.
Indicação (14 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

“Mayombe”, de Pepetela – só há provisão para uns três dias; alguém deve ir a Dolisie para conduzir Ingratidão do Tuga à prisão e exigir que André envie alimentos; Chefe de Operações e seu interesse em chefiar a missão; o Comissário e sua falação

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/01/mayombe-de-pepetela-oito-jovens.html antes de ler esta postagem:

Depois dos “batismos” dos jovens guerrilheiros, apenas Sem Medo, o Comissário Político e o Chefe de Operações permaneceram na Casa de Comando...
Sem Medo foi logo dizendo que a chegada dos rapazes fez aumentar o número de bocas e os responsáveis civis não enviaram comida para as necessidades que passariam a enfrentar.
Acontece que contando com mais os oito, a Base passou a ter um contingente de trinta homens! Por isso o Comandante emendou que o Comissário devia providenciar os alimentos junto aos responsáveis em Dolisie. Era preciso resolver a situação e, além disso, os “civis do exterior” tinham de se sentir incomodados, já que não demonstravam preocupações com a realidade e saúde dos que combatiam com armas.
(...)
O Chefe de Operações vinha planejando passar um tempo em Dolisie... Pretendia rever a mulher e ficar com ela ao menos por uma semana. A situação parecia-lhe propícia. T­­­­­­­­­inha de ser escolhido para a missão, mas não ousou oferecer-se.
O Comissário percebeu o olhar de seu adversário e entendeu suas intenções... Então pôs-se a dizer que o próprio Sem Medo devia encarregar-se da tarefa, pois já fazia três meses que não deixava o Mayombe.
No mesmo instante, Sem Medo disparou que o Comissário tinha suas razões para retornar a Dolisie (em breve saberemos a que o Comandante estava se referindo)... Acrescentou que, de sua parte, ele é que não suportava os dirigentes civis... Além do mais, se tivesse de ir a Dolisie, o faria para “quebrar a cara do primo André”. Sua incompetência era tremenda! Enviou os oito “caga-fraldas” sem mandar comida!
(...)
O ponto de vista do Comandante era simples. Entendia que era melhor o Comissário se encarregar da tarefa porque este respeitava o André.
O Comissário apressou-se a se justificar dizendo que procedia daquela forma por simples questão de disciplina. Depois sugeriu que o Chefe de Operações talvez quisesse ir ter com o André.
A ansiedade tomou conta do Chefe de Operações, mas ele soube esperar as palavras do Comandante. Este pôs-se a explicar que a ideia estava completamente fora de cogitação porque o encarregado teria também de conduzir o Ingratidão do Tuga para a prisão.
Sem Medo não mediu as palavras ao manifestar que era capaz de o Chefe de Operações facilitar a fuga do larápio pelo caminho só porque os dois eram parentes.
O Comissário Político mostrou-se admirado e quis contemporizar... Disse que as palavras do Comandante pareciam de brincadeira... Mas antes que pudesse terminar, Sem Medo vociferou que conhecia bem a sua gente e que nunca falara tão a sério.
Por dentro, o Comissário alegrou-se com aquelas palavras... Observou o desafeto em sua retidão marcada por subserviência que o impedia de reagir à agressividade que lhe havia sido dirigida.
Mas essa exultação durou pouco, e o Comissário se autocensurou em seus pensamentos e depois colocou fim à pendência ao assumir que se encarregaria da missão em Dolisie.
(...)
O Comissário admitiu sem entrar em detalhes que a missão não era de seu desagrado. Além disso, a situação era de urgência, pois tinham provisão apenas para mais uns três dias. Garantiu que encontraria o André e exigiria que o mesmo providenciasse os alimentos e formasse um “grupo de reabastecimento”.
Ficou acertado que partiria na manhã seguinte... O Comissário quis saber se havia outros assuntos a serem tratados com o André. Ninguém pronunciou palavra a respeito, então ele mesmo lembrou aos camaradas que seria necessário discutir um maior orçamento para a Base... Depois emendou que um novo enfermeiro teria de ser enviado para o Mayombe, pois Pangu-A-Kitina iria à localidade de Ponta Negra para tratar dos olhos.
Tanto o Comissário falou que Sem Medo o interrompeu comparando-o a certa mulher que “disparava duzentas palavras por minuto”... Comparou-o também a um honrado Jesus que se inquieta ao saber que o traidor será castigado.
O Chefe de Operações nada entendeu daquelas palavras...
O Comissário olhou espantado para Sem Medo...
Este apenas sorriu do “alto de seus 35 anos”.
Leia: Mayombe. Editora Leya.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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