sábado, 1 de maio de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – o porteiro conta sobre sua chegada ao asilo; refletindo sobre a condição do tipo em meio aos demais; início da noite, um café, um trago; breve cochilo; velhos e velhas amigos da mãe chegam para o velório; um confuso contato

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/o-estrangeiro-de-albert-camus-um.html antes de ler esta postagem:

Meursault estava na “morgue particular do asilo”. No centro da sala estava o féretro de sua mãe... O porteiro, que havia chegado para abrir o caixão, foi impedido pelo rapaz e permaneceu estranhamente atrás de sua cadeira, Era dessa forma que lhe fazia companhia.
Ao que tudo indica, por tudo o que lemos na última postagem, o porteiro já havia percebido que Meursault era do tipo distraído... Também podia ser que, ao seu modo, estivesse abalado pelo passamento da mãe, então, talvez para mostrar-se camarada, ele resolveu dizer-lhe que havia entrado no asilo “como indigente”. Emendou que, como se sentia em boas condições físicas, ofereceu-se para trabalhar na portaria.
Meursault observou ao outro que, além de prestar o serviço ele também devia ser um “pensionista”... O porteiro garantiu que não e enquanto falava foi deixando claro que não fazia parte do grupo dos “outros”, dos “velhos”, ainda que fosse notório que entre os “pensionistas” havia alguns menos velhos do que ele. Certamente, Meursault concluiu, a condição daquele homem não era similar à dos demais, já que, de algum modo, devia ter direitos sobre eles.
Essas ilações não tiveram prosseguimento já que a enfermeira acabava de retornar à morgue...
(...)
A tarde havia passado rapidamente e o ambiente externo já estava escurecido. O porteiro acionou a iluminação e a claridade artificial súbita incomodou Meursault... O homem o convidou para ir ao refeitório, onde poderia jantar tranquilamente, mas o rapaz estava sem fome e declinou do convite. O tipo ofereceu-se para trazer-lhe um café com leite e dessa vez ele não recusou.
Não demorou e o porteiro voltou com uma bandeja... Meursault apreciava o café com leite e o tomou de bom grado. Na sequência teve vontade de fumar e ficou confuso se devia fazê-lo, já que estava diante da mãe defunta. Ainda que o caixão estivesse fechado, a atitude podia não ser adequada, contudo, acabou concluindo que seus receios eram infundados. Pegou um cigarro para si e ofereceu outro ao porteiro. Os dois fumaram sossegadamente.
Num determinado momento, o “eventual companheiro” disse-lhe que os amigos de sua mãe compareceriam à morgue para velar. Acrescentou que era um costume da instituição e por isso devia providenciar as cadeiras e mais café. Meursault quis saber se uma das lâmpadas não podia ser apagada, pois sentia cansaço provocado pelo “reflexo da luz nas paredes brancas”.
O porteiro explicou que não havia como apagar apenas uma das lâmpadas, pois a instalação ativava e desativava a todas elas ao mesmo tempo. Depois ele se pôs a arrumar as cadeiras. Numa delas ajeitou a cafeteira e as xícaras. Tendo terminado essa tarefa, sentou-se do lado oposto ao de Meursault e à sua frente.
A enfermeira posicionara-se mais ao fundo e mantinha-se de costas... Meursault não tinha a menor ideia do que ela fazia e supôs que, pela movimentação de seus braços, parecia estar tricotando.
(...)
A temperatura da noite era das mais agradáveis. Meursault sentiu-se bem depois do café e até identificou um cheiro de flores que vinha desde a área externa tomada pela escuridão... Cerrou os olhos.
Depois ele não poderia afirmar ao certo se chegou a adormecer pesadamente por algum tempo. A verdade é que num determinado instante sentiu-se despertado ao ser tocado por alguém... E como estivera com os olhos fechados, a claridade da sala ainda mais o incomodou. Sentiu-se mal, pois à sua frente “não havia uma única sombra e cada objeto, cada ângulo, todas as curvas se desenhavam com (...) pureza” tal que seus olhos não podiam suportar.
Foi neste ponto que os amigos da mãe defunta começaram a entrar na morgue... Talvez fossem dez e caminhavam em silêncio... A visão também era incômoda por causa da “luz tão crua”. Os velhos se sentaram sem provocar qualquer ruído... Meursault os via nos mínimos detalhes, tanto os da fisionomia como os de suas vestes. Como tudo estava muito quieto e os tipos eram silenciosos, era-lhe quase absurdo tê-los por reais.
Viu que a maioria das mulheres usavam aventais tão amarrados que suas barrigas pareciam inchadas. Foi estranho notar “que as barrigas das mulheres velhas eram tão grandes”. Já os homens, em sua maioria, tinham a pele escurecida e estavam de bengala. Por mais que se esforçasse, era difícil notar o brilho dos olhos dessas figuras, já que todos eram bem enrugados.
Os velhos e velhas se sentaram... A maioria deles voltou a visão para o lado de Meursault. Eles abanaram a cabeça sem disfarçar o embaraço. Ele também não tinha certeza se o movimento de suas bocas desdentadas era algum cumprimento ou “apenas um tic”.
Por fim, Meursault acreditou mesmo que o estavam cumprimentando... Mas logo reparou que eles se colocaram à volta do porteiro, bem à sua frente, e continuaram a balançar suas cabeças. Então teve a impressão de que se colocaram ali para julgá-lo.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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