quinta-feira, 6 de maio de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – o cortejo fúnebre e a posição de cada um estabelecida pelo mestre de cerimônias; calor escaldante e paisagem monótona; o velho Perez ficou para trás, mas conhecia atalhos; um dos funcionários conversa com Meursault de “poucas palavras”; a dignidade do diretor no cortejo; pavimentação derretendo sob as solas; confusão de ideias e de visões na pesada atmosfera; a enfermeira delegada e sua explicação a respeito do ritmo da procissão

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/o-estrangeiro-de-albert-camus-as-horas.html antes de ler esta postagem:

O cortejo fúnebre seguiria conforme as orientações do mestre de cerimônias... À frente do carro iria o padre; os quatro homens de preto caminhariam ao lado do veículo; Meursault e o diretor seguiriam atrás; e, mais atrás ainda, a enfermeira junto com o Sr. Perez.
O dia dera em muito bonito e quente. Meursault não sabia o motivo de se demorarem “mais do que o necessário” até que começassem a caminhar. A roupa escura o incomodava e ele notou que também o velho Perez havia tirado o chapéu por não suportar o calor.
O diretor pôs-se a falar ao rapaz exatamente a respeito do velho e da mãe falecida... Disse que muitas vezes os dois seguiam à aldeia para passeios noturnos. Evidentemente eram acompanhados por uma enfermeira... Meursault dava pouca atenção à conversa, pois distraia-se com a vista dos campos e sentia que a observação “das linhas de ciprestes que levavam às colinas perto do céu, desta terra ruiva e verde, destas casas raras e bem desenhadas” o levava a uma compreensão a respeito da mãe...
Imaginou que quando a noite chegava, aquelas paragens deviam experimentar “um melancólico período de tréguas”. Mas o momento era de muito calor e a paisagem toda estremecia e se tornava “deprimente e inumana”.

(...)
Conforme o cortejo seguia, Meursault pôde notar que o Sr. Perez coxeava um pouco... O veículo fúnebre ganhou certa velocidade e ele ficou mais atrás ainda. Um dos homens que seguia na lateral diminuiu o ritmo e assim prosseguiu na mesma passada do filho da defunta.
Meursault dedicava seus pensamentos ao calor que o imenso sol estava provocando. O astro subia rapidamente no horizonte e provocava um suor contínuo e irritante... Sem chapéu, ele lidava com um lenço para limpar a testa. Os sons que chegavam aos seus ouvidos eram “o canto dos insetos e os estalidos das ervas” e até por isso foi difícil entender o que o empregado da funerária queria dizer-lhe.
O moço manipulou a aba do boné e apontou para o céu dando a entender que o dia estava quente... Depois o tipo perguntou ao Meursault se era a sua mãe no féretro. Ele respondeu que sim e o outro quis saber se “era muito velha”. Como não sabia ao certo a idade da mãe, respondeu um “assim, assim”.
O tipo calou-se e voltou a concentrar-se nas passadas.
(...)
Meursault olhou para trás e viu que o velho Perez estava há uns cinquenta metros e se esforçando para caminhar o mais rápido que podia. Já o diretor seguia o cortejo “com muita dignidade, sem gestos inúteis”, e mesmo as gotas de suor que escorriam de sua testa não o incomodavam.
Ao que tudo indicava, o padrão da funerária durante o cortejo devia ser aquele de acelerar um pouco mais depois de vencido certo trecho do percurso... Meursault notou que seguiam um pouco mais depressa enquanto voltava a contemplar a mesma “paisagem luminosa, inundada de sol”.
O calor escaldante complicou o avanço por uma estrada que passara por pavimentação fazia pouco tempo... O alcatrão utilizado na empreitada simplesmente derretia sob os calçados que afundavam na substância escura.
E tudo monótono... A atmosfera levava Meursault a se sentir “um pouco perdido entre o céu azul e branco e a monotonia destas cores, negro pegajoso do alcatrão aberto”, e o preto das roupas e do brilhante carro.
Suas ideias sofriam perturbações provocadas pelo calor que o sol proporcionava, além do “cheiro de borracha e de óleo do automóvel”, e mais os odores de verniz e incenso... A noite mal dormida resultara em cansaço que castigava até a visão...
O rapaz decidiu olhar mais uma vez na direção do velho Perez e viu que ele estava ainda mais distante e parecia envolvido “numa nuvem de calor”... E como não mais o avistou, entendeu que ele havia deixado a estrada para se embrenhar nos campos. Depois percebeu que o homem era conhecedor do caminho e na verdade tomara um atalho para se juntar ao cortejo numa curva mais à frente.
(...)
Outras vezes mais o velho ficou para trás e outros atalhos foram percorridos por ele. Meursault só sabia de si e do sangue latejando em suas fontes, então tudo o mais no caminho se passou rapidamente e com “naturalidade” de modo que, depois, não se lembrava de detalhes.
Pelo menos recordava-se que a enfermeira delegada se aproximou dele na entrada da aldeia e lhe falou com sua “voz singular, trêmula e melodiosa” que “se vamos muito devagar, arriscamo-nos a uma insolação. Mas se vamos muito depressa, transpiramos e na igreja apanhamos calor e frio”.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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