domingo, 31 de maio de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Lambert desabafa suas mágoas com Henri enquanto se enche de uísque; sua noite deve prosseguir; o ensaio de Dubreuilh foi encaminhado anonimamente a Henri; sentidas mudanças

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Posicionaram-se num terraço... Muitas pessoas se movimentavam e conversavam alegremente... Certamente havia muitas alternativas sobre a Terra... Aquelas pessoas eram prova disso.
Henri estranhou ao notar que Lambert pediu dois uísques duplos... Perguntou se ele se tornara alcoólatra como Julien, Scriassine... O rapaz completou que Volange não bebe e que Vincent é bebedor.
Ao perceber que Lambert “politizou” a questão, Henri explicou que sua preocupação era outra... O rapaz tentou argumentar que também Nadine não queria que ele bebesse... E acrescentou que nem ela nem Henri sentiam firmeza em sua postura.
Henri disse que sempre tivera confiança nele. Mas depois de ingerir mais da metade do que havia em seu copo, Lambert desabafou que entre os que conviviam com Henri todos tinham de ser “monstros” no que faziam... Esse não era o seu caso (não se sentia bom escritor como Vincent; não era um tipo de ação como os demais rapazes; era, sim, um tipo ”de família” que nem mesmo sabia se embriagar).
Henri quis dizer que Lambert estava equivocado, pois não exigia nada dele... O moço concluiu que isso acontecia exatamente porque era digno de desprezo e que certamente Henri devia pensar que ele não passava de um burguês mal resolvido.
Henri parecia querer colocar um fim às lamentações do outro... Disse que ele mesmo era um burguês... Mas Lambert respondeu que não era a mesma coisa, pois Henri era visto como um tipo superior, verdadeiro, autossuficiente, leal, desinteressado... Um tipo de elevada moral.
Henri disse que não era bem assim, esse não era o seu caso. Lambert não aceitou e disse que ele devia saber que se tratava de uma “figura impecável”... E acrescentou que não tinha importância, pois admitia a sua condição medíocre, e isso lhe bastava.
(...)
Henri refletiu sobre a miséria de Lambert (sua infância não foi das mais fáceis; Rosa morreu quando ele tinha vinte anos; havia a questão do colaboracionismo do próprio pai denunciando a garota judia aos nazistas; Nadine não o consolou; o pai foi assassinado após ter sido julgado...)... De certa forma era possível entender por que Lambert passara para o lado de Volange... Henri só lhe fizera exigências... Seria tarde demais para reparar aquela situação? Ele propôs que o rapaz se manifestasse a respeito das queixas que tinha contra ele.
Lambert disse que não havia queixas... Entedia perfeitamente que Henri não tinha motivos para lhe dar razão. Henri disse que ter opiniões diferentes não significava exatamente que o outro esteja errado... Falou também que o respeitava e reconhecia seus anseios de jovem... Como não tinham a mesma idade não seria de estranhar que os valores que defendiam não fossem exatamente os mesmos.
(...)
Lambert pareceu gostar do que ouviu...
Sua voz denunciava o excesso de álcool que acumulava no sangue.
Ambos admitiram que nada do que tratavam ali fosse “urgente”. Então combinaram que deviam se encontrar para uma “conversa de verdade” em outra ocasião.
Despediram-se com esse compromisso... Henri estava visivelmente cansado e demonstrou sua intenção de retornar ao Hotel o quanto antes...
Lambert disse que continuaria a sua noite... Provavelmente procuraria amigos que deviam estar em algum bar.
(...)
Havia um pacote endereçado a Henri...
Levou-o ao quarto e quando abriu surpreendeu-se com o a publicação de Dubreuilh, o ensaio sobre o qual conversara com Lambert...
Mas não pôde saber quem o havia enviado porque a “página de guarda” estava em branco... Teria sido Mauvanes? Não seria a primeira vez que recebia um livro vindo de sua parte.
Isso o fez pensar no fim da amizade com Robert... Havia algum sentido naquilo? Os artigos de ambos convergiam e não se podia dizer que estavam em campos opostos.
Mas era fato que estavam brigados...
A amizade não seria restaurada...
Henri sabia que isso lhe faria muita falta... As alterações em sua vida não eram poucas e nem desconsideráveis... Os comunistas se tornaram seus inimigos ferrenhos; Paule estava louca; Lambert retirava-se de L’Espoir; “o mundo corria para a guerra”.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 30 de maio de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – no New Bar a discussão girou em torno das atitudes que deviam ser tomadas em relação ao avanço dos comunistas e o modo como seus partidários se submetiam ao proselitismo; novamente a questão das denúncias dos campos soviéticos; Julien surpreende com sua afirmação de “solução extrema” no caso de uma tirania vermelha em seu país; o tempo passou, Lambert continuou bebendo e se irritando com a conversa

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Para Scriassine, aquela conversa a respeito de literatura não devia se sobrepor ao fato de todos perceberem o modo como as pessoas se colocavam em situações abjetas (esse era o caso de Lenoir) sem se importar com o que poderia ocorrer no caso de os comunistas tomarem o poder na França.
Julien achava que as falações de Scriassine revelavam um tipo muito rigoroso, que só consegue enxergar o mundo a partir das lentes da seriedade e, por isso mesmo, envolvido numa “aura de amargura”.
Scriassine advertiu que, se não fossem homens como ele, os stalinistas estariam no poder e jovens como Julien não teriam sossego... O rapaz foi categórico ao garantir que não teria dúvida de que se suicidaria.
Henri se espantou com a colocação de Julien, que o aconselhou a proceder da mesma maneira. É claro que essa resposta surpreendeu mais ainda... Henri foi perguntado sobre o que faria na hipótese de uma ditadura gaullista, e respondeu que, apesar de não ter a menor simpatia em relação aos militares, certamente não daria cabo à própria vida...
Scriassine se intrometeu ao dizer que não podiam comparar o gaullismo a uma ditadura vermelha... Argumentou também que não tinha culpa se as forças anticomunistas tinham se agrupado em torno de um militar... Além do mais, garantiu que havia pretendido organizar as forças de esquerda contra os comunistas, mas o próprio Henri havia se oposto à ideia.
Henri disparou algumas incoerências e divergências entre ambos... Lembrou que Scriassine falava de uma esquerda, a respeito do povo americano e seus sindicatos, mas não havia como esconder que o tipo defendia Marshall (e o projeto para garantir a influência dos Estados Unidos na Europa e demais continentes) em seus textos.
A discussão passou por essa temática... Scriassine não tinha dúvida de que seria necessário fazer a opção por uma das duas grandes forças do pós-guerra, e ele se posicionava abertamente em favor da América... Lembrou que lá não havia campos de concentração.
Henri se irritou quando o tema veio à tona... Manifestou que estava arrependido por ter se envolvido com as denúncias dos campos soviéticos. Lambert, que estava se embriagando enquanto a conversa se desenvolvia, disse que a atitude mais nobre de Henri havia sido a publicação sobre as atrocidades que os soviéticos cometiam...
Mas para que serviu toda aquela agitação? Henri queria que entendessem que usaram as denúncias como propaganda contra o socialismo... Era provável que, se os campos não existissem, seriam inventados pelos defensores do capitalismo.
Scriassine quis arrematar dizendo que os campos, de fato, existiam... Isso incomodava e, de certa forma, justificava as inúmeras dissidências... Henri fez o raciocínio inverso e falou que lamentava o fato de haver quem não se incomodasse com os ataques à URSS.
(...)
A conversa foi interrompida quando Lambert se levantou afirmando que ainda tinha um encontro àquela noite... Henri aproveitou a deixa e explicou que também precisava se retirar... Julien o criticou, pois julgava que a noite estava propícia ao festejo.
Enquanto saíam, Lambert confessou a Henri que não tinha encontro nenhum... Simplesmente não estava suportando o modo como a política não deixava de pautar as discussões na mesa. Henri quis dizer que a conversa de Scriassine tinha a ver com “despolítica”, e acrescentou que tinha sugerido irem ao cinema em vez de seguirem ao “Festival de Lenoir”.
Lambert mostrou-se muito insatisfeito... Cinema e política pareciam não lhe interessar... Não haveria alternativa? Então perguntou se Henri topava tomar mais um trago.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 29 de maio de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Scriassine sugere uma comemoração no New Bar; comentários sobre Dubreuilh e seu novo livro; Julien e sua “interpretação ácida” a respeito da atividade desenvolvida por Lenoir

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O “Festival de Lenoir” tornou-se um grande circo... Os tipos das várias tendências, os prós e os contrários aos comunistas se manifestaram gritando e fazendo muito barulho.
Henri foi criticado e vaiado... Mas não tinha de quê reclamar, afinal havia topado sair com Lambert para aproveitar a noite... No final das contas foi isso mesmo o que ocorreu... Ele também deu boas gargalhadas, mas ao sair do evento sentenciou que “não foi nada engraçado”.
Scriassine chegou perto e disse que o tinha visto antes da apresentação... Quis encontrá-lo, mas ele simplesmente desapareceu...
Então Henri imaginou que a noite tinha lhe reservado este encontro desagradável... O tipo foi dizendo que precisavam seguir para o New Bar, onde poderiam se sentar e tomar alguma coisa... Scriassine falava como quem tem necessidade de comemorar algo, afinal ele devia ter se divertido muito durante o atrapalhado evento cultural dos comunistas.
Henri não conhecia o New Bar, mas Lambert explicou do que se tratava... O Bar Rouge que outrora frequentavam havia se tornado ambiente exclusivo dos comunistas... Os adversários se mudaram para o New Bar.
(...)
De fato, os dois ambientes eram vizinhos... Henri estacionou e logo que passaram pela porta, sentenciou que a “leiteira” era bem reles... Lambert defendeu o New Bar dizendo que ele era mais bem frequentado do que o bar dos vermelhos...
A “má frequência” não constituía nenhum impedimento para Henri... Os dois escolheram uma mesa no esfumaçado ambiente... Havia muitos jovens e ele não reconhecia nenhum daqueles rostos.
Lambert pediu dois uísques... Fez isso com uma delicadeza que parecia resultante de sua relação com o fino Volange... Henri notou que não tinha mais nenhum assunto que pudesse discutir, então disse que o livro de Dubreuilh devia ter sido lançado... O rapaz emendou que ele mesmo estava curioso e que pretendia ler. Justificou que conhecia parte dele já publicada na Viligance.
Também Henri gostaria de ler a produção textual do seu desafeto... Em outros tempos, Dubreuilh entregava-lhe pessoalmente as primeiras provas de seus escritos... Porém isso ficara para trás... Se quisesse obter o livro teria de comprá-lo e discuti-lo com qualquer pessoa, menos com o próprio Dubreuilh, que era com quem gostaria de falar a respeito.
Lambert comentou que havia encontrado o artigo que havia escrito sobre Dubreuilh, e que tinha sido barrado pelo próprio Henri. Como que a manifestar sua incompreensão pela censura sofrida, o rapaz disse que seu texto não estava mau... Henri respondeu que nunca dissera que se tratasse de um mau texto.
Lambert explicou que faria uma revisão e o entregaria para Volange, que pretendia publicá-lo na Beaux Jours. Henri sugeriu apenas que Lambert não fosse “excessivamente injusto”... Ele respondeu que seria objetivo e, com certa empolgação, esclareceu que havia escrito duas novelas... Uma delas estava para ser publicada na mesma revista.
Henri manifestou que gostaria de ler... Lambert disse que ele não apreciaria os textos.
(...)
Julien e Scriassine chegaram de braços dados... Este último foi pedindo uma garrafa de champanhe... Henri estranhou... Então Scriassine disse que iriam para outro ambiente... Julien resolveu que beberiam ali mesmo.
O rapaz ainda não estava bêbado, mas pôs-se a falar que não iriam para nenhum bar onde houvesse ciganos... Depois debochou da reunião dos comunistas e do trabalho de Lenoir... Fazendo graça, comentou que “só faltou um pouco de sangue”...
Scriassine disse que seria mais interessante se algum resultado pudesse ser percebido... Sugeriu que criassem uma “liga” para articular atos todas as vezes que “intelectuais traidores” se pronunciassem.
Julien brincou dizendo que podiam criar uma “liga para se opor a todas as ligas”. Henri voltou-se para Scriassine e perguntou-lhe se não percebia que sua ideia era um tanto fascista... Ele respondeu que tinha necessidade de vislumbrar algum futuro para o movimento de oposição aos comunistas.
Demonstrando que não comungava com nenhuma das iniciativas partidárias, Julien anunciou que deviam desprezar o futuro...
Scriassine insistiu e disse que era preciso fazer algo... Anunciou que escreveria um artigo sobre Lenoir, um “admirável caso de neurose política”... Henri disse que conhecia casos piores do que o de Lenoir... Julien se intrometeu garantindo que “somos todos neuróticos”, mas de fato ninguém escrevia em alexandrinos...
Henri deu risada e perguntou se teriam feito caras esquisitas se a peça do rapaz fosse boa, e sentenciou que os poemas eram bons... Para Lambert tudo se perdia, já que Lenoir havia “abdicado a sua liberdade”.
Henri questionou a esse respeito... Seria preciso saber o que significa a “liberdade do escritor”... Scriassine disse que aquilo não tinha mais nenhum significado.
Sempre a brincar com o raciocínio alheio, Julien falou que até estava pensando em voltar a escrever... Lambert aprovou e como que a falar indiretamente para Henri disse que há poucos escritores que não se veem “possuídos de uma missão”.
Julien respondeu em tom jocoso que sua missão seria “testemunhar que o escritor não está possuído de missão”.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Henri entre inimigos de diferentes facções; Marie-Ange assume ares de importância junto aos comunistas e menospreza Henri em público; patética apresentação de Lenoir; tumulto, risos e miscelânea de provocações

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Henri e Lambert seguiram para o “Festival de Lenoir”...
O salão estava repleto... Além dos comunistas mais antigos, havia muitos jovens que ingressaram no partido depois das últimas polêmicas (em torno das denúncias sobre os campos soviéticos de trabalho forçado)...
Vários dos presentes vinham das fileiras dos que criticavam o PC...
Conforme Henri passou por aquela gente, muitos lhe viraram os rostos manifestando desprezo e rancor... Isso era uma indicação de que Samazelle tinha razão em seus argumentos? Mesmo tendo se posicionado em sintonia com as críticas do partido (em relação ao gaullismo; contra a Guerra da Indochina; contra as prisões dos deputados de Madagascar que ousaram colocar-se contra o Plano Marshall...), Henri era visto como “falsário e vendido”.
(...)
Voltando-se para Lambert, disse que estava se sentindo um Cyrano de Bergerac, cercado de inimigos... Para Lambert, aquilo se devia muito às suas posturas... Henri disse apenas que “custa caro fazer amigos”.
Lambert apontou para a jovem Marie-Ange Bizet e comentou que ela adquirira o “estilo da casa”... Henri concordou que ela estava uma “perfeita militante”.
Ele lembrou que alguns meses antes havia barrado uma reportagem “sobre problemas alemães” feita por ela... Na ocasião, a moça choramingou e lamentou o fato de jovens jornalistas terem de se vender ao Figaro ou aoL’Humanité... Ela garantiu que não poderia apresentar o seu trabalho a L’Enclume... Mas não é que uma semana depois já escrevia regularmente para a publicação do PC?
A moça passou pelo corredor central e foi cumprimentada por todos... De fato, assumia “ares de gente importante”... Ao se aproximar de Henri, este a segurou pelo braço e desejou-lhe boa-noite... Ela respondeu, mas quis se esquivar...
Henri provocou ao perguntar se era por causa do partido que ela se apressava... Ela respondeu que fazia um trabalho útil... Ele prosseguiu em tom de provocação ao garantir que ela possuía “todas as virtudes comunistas”... Então ela respondeu que, pelo menos, havia perdido “alguns defeitos burgueses” e disse que não tinham nada a dizer um ao outro.
Enquanto Marie-Ange foi se afastando, o auditório encheu-se de aplausos... É que coincidentemente Lenoir chegava ao centro do estrado onde faria sua apresentação.
(...)
Lenoir posicionou-se à mesa com dignidade, mas era visível que lhe faltava a segurança... Não eram poucas as folhas que trazia.
Como a maioria estava ali para incentivá-lo, os aplausos se repetiram. Mas todos sabiam que o que ele transmitia não trazia nada de novo: “missão social do poeta”; “poesia do mundo real”... Lambert virou-se para Henri e lamentou o ponto em que aqueles intelectuais haviam chegado.
Henri nada disse... Observou com atenção as expressões... Refletiu sobre o fato de que vários daqueles tipos haviam sido leitores de L’Espoir... Estavam convertidos àquela agremiação e se submetiam ao servilismo. Afinal, somente ele podia ser taxado de “traidor”?
A narrativa de Lenoir seguiu em pomposos versos alexandrinos... Seu enredo era piegas e contava sobre o lamento de um jovem sobre o qual recaía o peso que o “vazio da alma” proporciona... Sua saída existencial não era outra senão a de livrar-se dos vínculos burgueses e abandonar a cidade onde havia nascido... Pais, amigos e as moças com as quais havia se envolvido emocionalmente procuravam dissuadi-lo.
(...)
Julien e seu grupo cumpriram a tarefa para a qual haviam se comprometido e começaram a gritar contra a encenação... Queriam saber onde estava a poesia que tinham prometido... Aquilo era poesia? Chamaram Lenoir de “mistificador” e quiseram saber quando seria apresentada a “obra-prima”... E o realismo?
O tumulto foi geral... Em vez de declamação, barulho dos sapatos no assoalho e poltronas sendo arrastadas...
A gritaria tornou-se diversificada...
Uns se esforçavam para expulsar os provocadores... Outros insistiam que a polícia devia ser chamada... Os agitadores berravam que Lenoir devia falar dos “campos de concentração”... Alguém ousou gritar “viva a paz!”... Também a Resistência foi lembrada... Os comunistas gritaram “viva Thorez!”... Gritaram “viva De Gaulle!”... “Viva a liberdade”.
Depois de algum tempo, por incrível que pareça, o silêncio tomou conta novamente do ambiente... Lenoir retomou a leitura... O seu personagem “vagava pelo mundo”... O som de uma gaita fez o fundo musical...
Isso parece ter sido a “gota d’água” esperada por Julien, que começou a soprar uma pequena corneta a cada alexandrino.
O pobre Lenoir tornou-se ainda mais acanhado... Seu desconforto o tornava patético... As iniciativas de Julien provocaram risos por toda parte... Também Henri pôs-se a rir... Um tipo chamou-o de “patife”.
Os militantes comunistas aplaudiram o mais que podiam... Henri não conseguiu conter-se e passou a gargalhar... Ouviram-se assobios... E mais gritos e provocações de parte a parte:
“Para a Sibéria!”
“Para Moscou!”
“Viva Stálin!”
“Delator!”
“Vendido!”
“Viva a França!”
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Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 28 de maio de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – Lambert anuncia que pretende se desvincular de L’Espoir; em defesa de De Gaulle e de Volange; o “Festival de Lenoir”, um programa para a noite; o pessoal de Julien e as críticas aos novos inscritos no partido; o telegrama de Belhomme ainda intrigava

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Trarieux, Samazelle e Luc deixaram o prédio onde ficava L’Espoir... A reunião havia sido surpreendente porque Lambert acabou dando voto contrário à publicação dos textos de Volange...
Isso foi uma afronta ao pensamento de Trarieux e Samazelle, que esperavam abrir campanha aberta contra o PC... Mas também não se pode dizer que o rapaz estivesse plenamente seguro do que havia feito... Como sabemos, já fazia algum tempo que ele flertava com Volange e seus “ideais metafísicos”... Henri bem sabia que o rompimento era questão de tempo.
(...)
A sós com Henri, Lambert manifestou o desejo de conversar... Já fazia um bom tempo que não se falavam... Henri quis adivinhar e disse que o rapaz pensava que “a situação não era mais sustentável”.
Lambert concordou, era isso mesmo... Disse ainda que o amigo tinha o direito de não gostar de De Gaulle... Mas os textos de Volange não associavam o gaullismo à reação... Ao menos Henri poderia manter “neutralidade bondosa”...
Henri desprezou o raciocínio e disse que “dissociar as ideias é brinquedo de criança”... Depois perguntou se Lambert desejava revender suas cotas de L’Espoir... O moço respondeu afirmativamente e admitiu que pudesse trabalhar no Beaux Jours, de Volange.
Henri não lamentou... Apenas quis que o outro visse que ele tinha razão... Volange falava de abstração, mas logo que viu oportunidade “mergulhou na política”... Lambert respondeu que Henri tinha sua parcela de culpa na situação, já que ele mesmo havia “semeado política por toda parte”... Assim, até os que desejavam um mundo “menos politizado” tinham de fazer política.
Depois disso, Henri voltou a tratar das cotas e disse que deveriam entrar em acordo para definir quem o substituiria... Lambert esclareceu que não se importava e que, assim sendo, Henri e Luc podiam escolher quem quisessem. Desejava apenas que a mudança ocorresse logo porque não suportaria outras reuniões como a que haviam acabado de encerrar.
Henri pediu paciência e esclareceu que a mudança não seria de uma hora para outra... Lambert parecia querer apressamento, tanto é que garantiu que (como já não diziam a mesma linguagem) qualquer um que se interessasse seria “melhor do que ele”.
Apesar de aparentar ressentimento, Lambert arrematou o seu entendimento... Não bastavam as ideias conjuminarem, também havia que se levar em consideração o indivíduo.
(...)
Lambert convidou Henri para o “Festival de Lenoir”.
Perron quis sugerir que o cinema seria programa melhor, mas o rapaz insistiu que o evento era imperdível.
(...)
Aconteceria a leitura da obra de Lenoir... Peça em “quatro atos e seis quadros”... Os periódicos comunistas estavam anunciando que o autor “conciliava as exigências da pureza da poesia com a preocupação de outorgar aos homens uma mensagem amplamente humana”.
Julien era daqueles que pretendiam sabotar o encontro. No entendimento de seu pessoal, depois que se converteu ao partido, Lenoir havia se tornado um fanático totalmente submisso... O que havia de “humano” nesse tipo de postura?
Pelo menos era um “programa para a noite”... E é por isso que Henri topou o convite de Lambert... Os dois se encontraram às oito e meia e seguiram de carro para o evento, que teria lugar em ambiente totalmente adverso para Henri...
(...)
Ele levou em consideração que ultimamente sua condição não era a de quem recebe apoios e solidariedade... Incriminavam-no pela doença de Paule... Andava solitário... E o que dizer do telegrama de Belhomme? Isso também o intrigava.
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Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 27 de maio de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – um telegrama de Lucie Belhomme; reunião a respeito da linha editorial de L’Espoir; Trarieux esperava ver os textos de Volange publicados; Lambert decide

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Henri recebeu um telegrama... Quando a secretária apareceu à porta de sua sala, logo imaginou que fosse mensagem a respeito de alguma tragédia com Paule. O doutor Mardrus o havia tranquilizado ao garantir que a senhorita Mareuil não apresentava tendências suicidas.
Ele abriu o papel e viu que se tratava de mensagem de Lucie Belhomme, que queria vê-lo com urgência na manhã do dia seguinte. Perron tentou imaginar o que poderia ser... Teve certeza de que nada tinha a ver com Josette, que estava bem de saúde e bem empolgada com a filmagem de “a Bela Suzon”, além de participar com regularidade dos eventos sociais...
Pensou em telefonar para a clínica onde Paule recebia tratamento, mas desistiu... Principalmente porque solicitaram que se mantivesse afastado da moça, pois consideravam que ele era causa da doença mental que ela sofria.
Henri nem achava que a acusação lhe pesasse tanto porque desde muito tempo Paule o elegera seu “cruel carrasco”.
(...)
Luc apareceu e interrompeu a introspecção de Henri... O rapaz aparentava ares de desleixo... Encontrariam outras pessoas ali, entre elas Trarieux, que ele pretendia provocar.
O moço quis saber o que Henri pensava sobre o que fariam se Lambert confirmasse sua saída de L’Espoir... Ele respondeu com convicção que o outro não os abandonaria... Para Luc, Lambert estava acertado com Volange e certamente objetivava participar de seu periódico... Os artigos de Samazelle serviram para atraí-lo e, na prática, isso significava que perderiam a maioria no controle de L’Espoir...
Henri seguiu argumentando que Lambert lhe prometera o seu voto, assim, não acreditava que ele os deixaria apenas para “fazer o jogo dos outros”... Todavia concordava que certamente em algum momento ele partiria sem maiores traumas.
(...)
Quase sempre era assim... Quando conversava com Lambert, Henri defendia Luc... E quando tratava com Luc, defendia Lambert.
(...)
Trarieux chegou com Samazelle e Lambert... O tipo foi dizendo que a equipe precisava ter bom senso... Para ele, não era possível que os leitores permanecessem confusos devido às orientações contraditórias percebidas nas comparações que podiam fazer entre os textos de Samazelle e de Perron. Inevitavelmente, essa situação contribuiria para a perda de mercado.
Henri protestou ao dizer que já havia deixado claro que em relação à linha editorial de L’Espoir não admitiria nenhuma pressão... Samazelle interveio querendo mostrar que a manutenção da linha editorial era um equívoco. Para ele não havia como manifestar neutralidade em relação aos comunistas. E disse que estranhava a postura de Henri, tão criticado pelos militantes do PC.
Esses argumentos foram rebatidos por Henri, que disparou que também admirava o fato de aqueles que se posicionaram como esquerdistas terem se passado para partidos defensores dos capitalistas, militares e padres...
Samazelle entendeu o recado e fez a sua autodefesa... Esclareceu que estava apoiando De Gaulle, que não podia ser classificado simplesmente como militar. Além disso, entendia que a Igreja defendia valores que não podiam ser desprezados naquele momento... Se os esquerdistas colaborassem com os gaullistas, o regime se faria anticapitalista.
É claro que Henri não concordou e até brincou que era preferível ouvir aquilo a ser surdo... Trarieux emendou que, independentemente daquelas divergências, o interesse de Henri também devia ser o entendimento... Até porque ele corria o risco de ficar em minoria em relação às decisões do jornal.
Henri dirigiu o olhar para Lambert, deixou escapar um leve sorriso e garantiu que aquilo seria uma surpresa... Depois deixou claro que os artigos de Volange não seriam publicados... Também Luc manifestou sua recusa a respeito da impressão dos textos de Volange.
(...)
Conforme o que já se previa, eram os dois votos de Trarieux e Samazelle contra os dois votos de Henri e Luc. Lambert decidiria a situação... Todos se voltaram para ele...
O moço sentenciou que a publicação não era oportuna... Samazelle protestou ao dizer que ele havia se manifestado positivamente em relação aos “excelentes textos” de Volange. Estaria se deixando intimidar?
Lambert não se deu por acuado e repetiu categoricamente que havia sido claro... Não lhe parecia oportuna a publicação dos textos de Volange em L’Espoir...
Luc gracejou e deu a entender que não seria daquela vez que iriam desorganizá-los.
Trarieux não podia fazer nada... A votação era deliberativa. Então se levantou advertindo que não deviam estranhar se L’Espoir fosse à falência qualquer dia daqueles.
O tipo se retirou, e atrás seguiram Samazelle e Luc.
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

terça-feira, 26 de maio de 2015

“A Legião Negra – A luta dos afro-brasileiros na Revolução Constitucionalista de 1932”, de Oswaldo Faustino – notícias sobre Miro, Stela Maris e John Washington; o fim

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O velho Tião que está na praça tem cabeça para se lembrar de todos esses acontecimentos...
Os altos prédios escondem o que outrora fora o campo de treinamento dos voluntários da Legião Negra, na Chácara do Carvalho...
A cidade não é mais a mesma... Os perigos da atualidade são muito maiores...
E nem podia ser de outro modo...
Também é certo que durante a revolução a capital foi preservada, pois nas frentes de batalha gente como ele enfrentou tiros, granadas e bombas, garantindo a segurança da capital.
(...)
Há uma última lembrança que não podia ficar de fora da narrativa.
Depois de dois anos dos ocorridos no Vale do Paraíba, Tião recebeu uma carta de Miro Patrocínio... O envelope vinha dos Estados Unidos!
A mensagem dava conta do tratamento que recebeu na Santa Casa e de sua alta em janeiro de 1933, o que impossibilitou o reencontro com os companheiros de armas.
A grande surpresa, sem dúvida, foi encontrar Stela no saguão do hospital. A bela o aguardava com enorme sorriso... Miro conta que sua primeira reação foi a de tentar colar os lábios aos dela, mas ela se afastou e levantou o dedo que estava envolvido por uma reluzente aliança.
Stela Maris se casara com o jamaicano John Washington, que também estava ali para recepcioná-lo... Não houve a menor possibilidade para decepções, já que ele sabia bem que o amigo nutria verdadeira paixão pela bela de Santos.
Como a justiça brasileira atrasava o seu processo de extradição, teve tempo de reencontrá-la e de propor a união... O gringo estava aprendendo a falar português e é por isso que ele mesmo fazia questão de transmitir as novidades... Entre elas a de que, graças ao alto valor do dólar no país, conseguiu arrumar um jeito de retornar aos Estados Unidos com a esposa. Eles já estavam de viagem marcada.
E a novidade era que o casal estava disposto a levar também o Miro... Já tinham comprado a sua passagem!
Miro não entendia o que queriam de sua parte, já que nem se tratava mais de um tipo inteiro (afinal perdeu o braço esquerdo durante um ataque das tropas federais)... Stela explicou que o marido esperava a sua contribuição intelectual e a energia que transmitia aos companheiros de ação.
Realizariam inúmeras viagens pela América do Norte... Não haveria Ku Klux Klan que fizesse frente ao projeto de conscientização que estavam planejando... Partiriam desde Nova York, onde tratariam com os líderes locais e depois seguiriam para as regiões mais racistas (Alabama; Carolinas do Norte e do Sul; Geórgia; Louisiana; Tennessee) até chegarem ao Mississipi.
É claro que Miro se empolgou com o projeto. E ficou feliz por ver que, enfim, Stela se encontrara com o seu destino e vocação guerrilheira... Para ele os novos ares também só podiam trazer ânimo novo... Imaginou-se retornando ao Brasil para fortalecer a militância negra do país.
(...)
O envelope continha uma bela fotografia em que os três estavam abraçados. Tião reconheceu Miro, que nem parecia ter passado por tantos reveses... O do meio era John... A bonita mulher, que Tião não conhecia pessoalmente, só podia ser Stela. Ao fundo estava o porto de Nova York... E mais ao fundo ainda estava a Estátua da Liberdade.
A fotografia nunca saiu da carteira do Tião... E é por isso que ela está bem desbotada...

(...)

O centenário Tião foi despertado pelo garotinho que brincava com a bola...
No habitual banco de praça observou a data estampada no jornal (20 de julho/2012). Então se recordou dos acontecimentos de oitenta anos atrás, quando havia ocorrido a Revolução Constitucionalista (1932) de São Paulo contra o Governo Provisório comandado por Vargas.
Mas agora é momento de se recolher...
Mais uma vez retira a fotografia dos amigos para contemplá-los...
Atravessa a rua e se aproxima da placa que informa o nome do logradouro: “Praça Coronel Nelópidas Dalla Rosa Filho; herói constitucionalista”...
Os nomes dos companheiros negros não estão em placas como aquela, reservadas para a “brava gente bandeirante”... Mas estão presentes na memória do velho Tião.
Enquanto ele conseguir se recordar dos episódios prosseguirá falando sobre todos eles...
Salve as Pérolas Negras!
Salve a Legião Negra de São Paulo!
Fim.
Leia: A Legião Negra. Selo Negro Edições.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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