Durante o século XVIII as sociedades ocidentais se tornaram mais sensíveis em relação à preservação da individualidade e ao direito de privacidade... Verificou-se uma mudança impressionante nos hábitos mais cotidianos, como o de servir a comida em vasilhas individuais... Os ambientes coletivos, vimos o exemplo dos teatros, tornaram-se locais em que as costumeiras “explosões coletivas” deram “lugar a experiências interiores individuais e mais tranquilas”.
(...)
O
direito a viver “separado” dos demais influenciou a construção das
habitações... Durante a segunda metade do século observou-se o interesse pelas
câmaras (chambre entre os franceses), sendo que os mais ricos se dispunham a
reservar quartos exclusivos para as crianças. Em Paris contavam-se mais casas
com quartos para dormir do que as que dispunham de “salas destinadas às
refeições”. Outra novidade das moradias da elite francesa eram as
especificações de alguns ambientes, como o “quarto destinado ao repouso e
mau-humor em privado”, os destinados à toilette e aos banhos.
É claro que essas mudanças não se processaram de um
momento para outro na França... “A Invenção dos Direitos Humanos” destaca que os
ingleses de passagem pelo país costumavam se queixar das hospedarias que,
apesar de garantirem camas separadas, mantinham até quatro estranhos num mesmo
quarto. Além disso, estranhavam o “uso de lavatórios à vista de todos, o ato de
urinarem na lareira e o de jogarem o conteúdo dos penicos na rua pelas janelas”.
Como se vê, também na Inglaterra vinham ocorrendo
mudanças comportamentais que valorizavam a privacidade... O livro cita a
criação de caminhos pelos jardins das propriedades rurais inglesas no período
entre os anos 1740-1760. Os britânicos mais abastados tinham o cuidado no trato
de ambientes que permitiam avistar belas paisagens e monumentos pitorescos... Valorizava-se
a contemplação e os momentos para as recordações pessoais.
(...)
Na
sequência, a pesquisa dá conta do expressivo crescimento da quantidade de
retratos verificado no mesmo período.
Até o século XVII, os artistas dedicavam-se a retratar
corpos... Mas as figuras destacadas eram sempre as bíblicas, de santos da
Igreja Católica e da Sagrada Família, ou ainda dos poderosos monarcas e sua
corte.
A
partir de meados do XVII e durante o XVIII cada vez mais as pessoas comuns
passaram a solicitar pinturas que retratavam suas famílias e a elas próprias.
Por volta de 1750 as exposições públicas de obras artísticas se tornaram
comuns, e não demorou para que a maior parte das telas apresentassem retratos. Os
quadros que exibiam cenas históricas continuaram como foco principal dos
especialistas, todavia a disseminação dos retratos se observou tanto em Paris
quanto em Londres.
Como
nas colônias na América do Norte “as tradições políticas e eclesiásticas
europeias tinham menor peso”, o apreço aos retratos era tradicional. Os
retratos da gente comum e dos ricos proprietários de terras quadruplicaram entre
os colonos dos anos 1750-1776.
Como não poderia deixar de ser, a produção de telas com “motivos
históricos” conheceu aumento significativo na França da época revolucionária e
napoleônica, mas ainda assim os retratos continuaram a constituir cerca de 40%
das obras expostas nos “salons” do mesmo período. No final do século XVIII, os
artistas passaram a cobrar mais pelas encomendas, e isso é apenas uma faceta do
fenômeno aqui destacado.
(...)
Sir Joshua Reynolds foi o pintor e retratista inglês mais
famoso da época. Para Horace Walpole, Reynolds “resgatou a pintura de retratos
da insipidez”. Mas havia quem abominasse a grande quantidade de retratos... O
livro destaca as considerações críticas de um apreciador de arte após sua
visita à exposição de 1769, na França:
“A
multidão de retratos, senhor, que me impressiona por toda parte, força-me, a
despeito de mim mesmo, a falar agora deste assunto e a tratar deste tema árido
e monótono que tinha reservado para o final. Em vão o público há muito tempo
reclama da multidão de burgueses que deve passar incessantemente em revista. (...)
A facilidade do gênero, a sua utilidade e a vaidade de todas essas personagens
mesquinhas estimulam nossos artistas principiantes. (...) Graças ao infeliz
gosto do século, o Salon está se tornando uma mera galeria de retratos”.
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto