domingo, 31 de maio de 2020

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – registros de frades missionários sobre viagens ao Oriente: Odorico da Pordenone e Jourdain de Séverac; notícias sobre os domínios do Preste João na África; avanços na ciência e produções cartográficas mais precisas contribuíram para a mudança da referência em relação ao lendário rei; sugestivo registro no atlas de Abraão Cresques; Matias Viladestes, navegador maiorquino e suas informações sobre o Preste João; mapa-múndi de Guillaume de Fillastre; voltando a Portugal: novos projetos do Infante D. Henrique

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Logo no início do século XIV apareceram os primeiros relatos de frades a respeito da localização africana do Preste João e seu reino...
O primeiro de que se tem notícia é do frei Odorico da Pordenone, que teria viajado em missão para longínquas terras durante 12 ou 14 anos (teria partido de Veneza em 1316 ou 1318) e retornado, passando pela Pérsia, em 1330...
As situações vivenciadas durante a longa viagem teriam sido ditadas por Pordenone ao confrade Solagna, um de seus colegas de mosteiro que as redigiu em latim. A respeito do Preste João, o missionário disse que “nem a centésima parte do que se disse sobre ele é verdade”...
O segundo foi o frade dominicano Jourdain de Séverac. Ele percorreu as mesmas regiões da África Oriental e da Ásia vencidas por Odorico da Pordenone. Também Séverac fez viagem missionária durante as primeiras décadas dos anos 1300 e produziu um relatório geográfico denominado “Mirabilia descripta” no qual garantiu que o Preste João era senhor soberano na “Terceira Índia”, ou seja, “na Etiópia” e sobre os seus vizinhos ao sul e a oeste”.
(...)
"Atlas Catalão"-google 31.05.20; 19:25
Em fins do século XIV os registros que afiançavam a presença do Preste João em terras da África sustentaram-se em bases mais científicas. Diferentemente dos relatos da época das cruzadas, documentos produzidos por religiosos, comerciantes, navegadores e cartógrafos demarcaram com maior precisão as localidades a que se referiam os narradores e cronistas... Como se sabe, os antigos relatos eram envoltos em lendas e limitações de ordem geográfica e circunscritas ao Mediterrâneo.
Tinhorão faz referência ao primeiro dos mapas a trazer maiores detalhes, ilustrações e informações a respeito de paragens situadas muito além do conhecido Mediterrâneo... O “Atlas Catalão” foi produzido em 1375 (faz parte do acervo da Biblioteca Nacional da França) e é de autoria do judeu maiorquino Abraão Cresques. Além de um calendário, o Atlas traz mapa que apresenta a Europa e a África do Norte com muitos pormenores, além de proporcionar um vislumbre do Atlântico e contornos do continente Indiano... O Egito está devidamente destacado e onde Cresques desenhou o Nilo Superior, fez questão de registrar: “Seyñoria del emperador de Ethiopia dela terra del Preste Johã”.
(...)
Essas e outras informações levaram os debatedores do século seguinte a cravarem a área de domínio do Preste João nos “altos da Abissínia-Etiópia”. E cada vez mais na África, voltada ao “Mar Vermelho e Golfo de Áden, no Índico, a olhar para a Arábia”.
O navegador Matias Viladestes, também maiorquino, apontou em 1413 que o Preste João tinha suas possessões em região “logo abaixo de onde se dá, no Nilo, a confluência dos rios Azul e Branco, ou seja, exatamente na altura da Etiópia, a oeste”.
Guillaume de Fillastre (ou Filastro; cardeal francês) era um estudioso da Geografia. Ele se destaca por ter desenhado um detalhado mapa da Europa em que nas águas mais afastadas se nota o contorno do que seria a Groenlândia. Em 1418, Fillastre produziu um mapa-múndi que sugeria a existência de terras desconhecidas tanto ao norte quanto ao sul... No mesmo trabalho, grafou um registro na costa leste da África: “Ind. Prb. Jo”, que deve ser entendido como “Índia do Preste João”.
(...)
O fato é que todas essas informações sobre o domínio de um rei cristão em terras orientais, e mais exatamente na África, fizeram com que os europeus continuassem a crer na existência do Preste João, todavia entenderam que não deviam mais buscá-lo na Ásia.
Não foi por acaso que o Infante D. Henrique, que obtivera muitas conquistas desde a ocupação de Ceuta e as expedições pelo oceano Atlântico e águas abaixo do Cabo do Não, chegasse à conclusão de que devia investir em incursões pelo continente africano na busca de um aliado cristão que deviam encontrar no interior.
Mas isso é assunto para as próximas postagens. Até lá.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – viagens e relatos de Marco Polo contribuíram para o crescimento do mito do Preste João; um pouco a respeito de sua longa e duradoura viagem pelo Oriente e referências ao Preste João; relato no cárcere a respeito dos nômades da Tartária e seu virtuoso chefe militar; as “Índias” e a confusão sobre a localização do lendário império; o continente africano começa a surgir nos debates

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Por um bom tempo os europeus mantiveram acesa a esperança de encontrarem o Preste João em terras orientais. A cada ano que passava, a fama de seu poder e maravilhas de seu reino aumentavam... Mas bem aos poucos a ideia que tinham de alcançá-lo na Ásia foi alterada para o continente africano.
As viagens de Marco Polo durante o século XIII contribuíram para ainda mais fomentar o mito.
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O veneziano Marco Polo foi integrado ao grupo de familiares que empreendeu longa viagem de comércio ao Oriente. Seu avô Andrea Polo, o pai Nicola e o tio Maffeo eram experientes mercadores e já haviam alcançado Cathay (China) em outras ocasiões.
Partiram de Acre (Palestina) em 1271, quando Marco Polo contava 17 ou 18 anos de idade. Seguiram na direção de Ormuz (Golfo Pérsico) e logo após se encaminharam para o planalto de Pamir (Pérsia)... Avançaram para o Turquestão e o deserto de Gobi rumo a Tangut, extremo norte chinês, onde chegaram quatro anos após o início da viagem.
A boa recepção do Gran Khan chinês valeu a Marco Polo uma colocação a serviço do governo local. Foi assim que ele pôde conhecer muitas outras paragens: Shansi, Shensi e Szechuen “até os limites do Tibete, além de Yunan, já na fronteira com Burma, hoje Birmânia”.
No início de sua jornada, Marco Polo conheceu a “região do lago Baikal e de Karakorum”, os turcos mongóis locais e seu virtuoso chefe militar... Os registros das memórias de Polo nos dão conta de que o rapaz julgou que aquele se tratava do Preste João, “conhecido em todo o mundo”.
(...)
Em 1295, Marco Polo estava de volta a Veneza... Após ter participado de um confronto naval com os genoveses, acabou preso três anos depois. Em fins de 1298 ditou ao seu companheiro de cela da prisão, Rusticiano de Rustichelo, suas aventuras e desventuras... Em breve trecho sobre “os confins da Tartária e seus habitantes nômades”, relatou:

                   “Não tinham chefes, mas prestavam vassalagem a um grande senhor que na sua linguagem designavam por Uang-Khan, a que nó chamamos Preste João, falado em todo o mundo”.

A respeito dos relatos do cárcere de Marco Polo que fazem referência ao Preste João, vale destacar nota do livro na qual conferimos que as citações sobre “um chefe cristão para os lados da Ásia” em sua “Descrição do Mundo” embasavam-se em suas observações de viajante, em narrativas coletadas pelos locais onde esteve, e ainda em papéis que recebeu do pai enquanto esteve na prisão. A verdade é que Marco Polo conferiu caráter de “história” a muitas “lendas” que ouviu em suas andanças...
As referências ao Preste João, “Johannes Presbyter, Armenio et indorum imperador”, situavam o domínio de seu império em toda região conhecida genericamente por “Índias”. Todavia a questão de sua localização persistia porque por “Índias” entendia-se não apenas a Tartária ou Tibete, mas também a Malásia, a própria Índia e a África Oriental (Etiópia até Sofala).
(...)
Sem dúvida a constante referência a um reino do Preste João situado no Oriente se explicava pelo fato de, até o final do século XIII, os mongóis terem sinalizado intenções de firmar aliança com os cristãos europeus para o combate aos árabes nas terras sagradas do Cristianismo. Evidências dessa movimentação foram o batismo de mongóis encaminhados a Hugalu, soberano da Pérsia (1274), e quando Arghum, chefe persa, enviou “um religioso nestoriano a Roma para saudar o recém-eleito papa Nicolau IV”.
Mas não há como negar que o conhecimento histórico que se acumulava, bem como a evolução percebida nas técnicas cartográficas, deslocavam o Preste João e seu mítico reino para as terras africanas.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 30 de maio de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – do arrefecimento da abordagem internacionalista dos diretos entre os norte-americanos e do retorno da temática para a Europa; Samuel du Pont de Nemours e sua lista de “direitos do homem”; após o exemplo dos colonos norte-americanos, necessidade de se construir uma estrutura institucional da nação e distanciamento dos debates universalistas; desilusões de Rousseau em relação à vulgarização dos termos relacionados à humanidade e direitos; sobre seu pouco interesse nas questões políticas norte-americanas

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Como vimos, os direitos sofreram muitas críticas após a iniciativa panfletária de Price. Todavia aconteceu que a tendência que se verificava desde os anos 1760 prevaleceu, e dessa forma o tema continuou ganhando impulso nos diversos debates.
Praticamente já não se falava de “direitos naturais”, mas de “direitos do gênero humano”, “direitos da humanidade” e “direitos do homem”. O que se notou após a Independência dos Estados Unidos foi a intensificação das discussões em torno dos direitos universais nos países europeus como a Inglaterra, a Holanda e a França.
(...)
Ainda em 1768 o economista francês Pierre-Samuel du Pont de Nemours definiu uma lista com definições dos “direitos de cada homem”: liberdade para escolher e exercer uma ocupação; de praticar o livre comércio; direito à educação e a uma tributação justa e proporcional...
Animado com os acontecimentos na América do Norte, em 1776 Du Pont ofereceu-se ao governo de seu país para viajar ao centro dos acontecimentos, atuar como correspondente e enviar relatos à França. Sua proposta foi recusada... Em 1789 aproximou-se de Thomas Jefferson, de quem se tornou amigo íntimo e, neste mesmo ano, conseguiu eleger-se representante do Terceiro Estado.
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Como afirmado anteriormente, o debate e a linguagem dos direitos universais tornaram-se mais presentes nos países europeus após 1776. Podemos dizer que o que ocorreu foi um “retorno” dessas questões aos grandes centros ingleses, holandeses e da França.
Nos Estados Unidos, vários governos locais providenciavam e adotavam declarações dos direitos nos primeiros movimentos da Independência apesar de os “Artigos da Confederação” de 1777 não incluírem nenhuma referência a “declaração de diretos”. E o mesmo pode ser afirmado a respeito da Constituição aprovada dez anos depois. Isso só veio a ocorrer por ocasião da aprovação das dez primeiras Emendas da Lei Maior, em 1791.
A respeito da Bill of Rights, Lynn Hunt salienta que se trata de documento de caráter “particularista que protegia os cidadãos americanos contra abusos cometidos pelo seu governo federal”. E mais... Comparando-se a Bill of Rights com a Declaração da Independência e com a Declaração da Virgínia também de 1776, vê-se que as afirmações dos dois documentos mais antigos foram “mais universalistas”.
A década que se seguiu foi marcada menos pela discussão dos direitos do que pela tentativa de se “construir uma nova estrutura institucional nacional”. Talvez por isso a Declaração dos franceses tenha atraído mais a atenção dos legisladores, filósofos e juristas internacionais.
(...)
Está certo que houve uma espécie de recuo dos norte-americanos na discussão dos direitos mais universalistas durante a década de 1780, mas é certo também que o debate em torno dos “direitos do homem” recebeu grande impulso a partir do exemplo do movimento que se deu na América. Podemos mesmo dizer que se nada de mais significativo tivesse ocorrido entre os americanos, provavelmente a discussão se encerrasse também na Europa.
O texto destaca que o próprio Rousseau pareceu desiludir-se e perdeu o interesse que demonstrara pelos “direitos do homem” no começo da década de 1760. No início de 1769 o filósofo escreveu uma longa carta na qual destacava convicções religiosas e manifestou sua insatisfação ao modo como vinham usando excessivamente “a bela palavra ’humanidade’”.
O caso é que, para Rousseau, uma gente mundana se enchia de sofisticação e a repetia sem o menor pudor e, assim, “humanidade” soava “insípida e até ridícula”. Mais do que encher os livros de registros com a palavra, “humanidade” era algo para se cravar no coração das pessoas.
Rousseau morreu em 1778, ano em que o governo francês resolveu firmar aliança com os norte-americanos e ajudá-los em sua luta contra a Grã-Bretanha. Ele não chegou a tomar conhecimento dos impactos da Independência dos Estados Unidos... É verdade que conheceu Benjamin Franklin, enviado à França como ministro dos colonos insurgentes em 1776... E chegou a defender o direito dos colonos se protegerem suas liberdades. Mas é certo também que não demonstrava grande interesse pelos assuntos de além mar.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 29 de maio de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – avalanche de críticas a Price, aos direitos naturais e inalienáveis; liberdade natural x liberdade civil obtida a partir de concessões; patriarcalismo, Robert Filmer e suas críticas a Grotius; a “lei positiva” e as críticas de Jeremy Bentham às ideias de Blackstone e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

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O panfleto de Price provocou uma série de críticas às suas posições em defesa do movimento norte-americano e ao mesmo tempo colocou as temáticas dos “direitos naturais da humanidade”, “direitos da natureza humana” e “direitos inalienáveis da natureza humana” nas agendas dos debates que aconteciam na Europa.
Entre as várias questões que se levantavam, Lynn Hunt aponta uma que era de capital importância: Afinal, “existem direitos inerentes à Natureza Humana, tão ligados à vontade que tais direitos não podem ser alienados”?
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Para muitos, afirmar que “há certos direitos na Natureza Humana que são inalienáveis” não passava de sofisma. Se a pessoa deve “desistir do governo de seu ser pela sua própria vontade” (para que possa participar do “estado civil”), então positivamente há direitos que são alienáveis.
Pelo que se vê, o debate era dos mais intensos entre os ingleses, e alguns conceitos como “direitos naturais, liberdade civil e democracia” provocaram polêmicas. Os que fizeram oposição a Price ressaltaram que não se podia confundir liberdade natural com liberdade civil. Não é exagero pensar que esse embate prossegue até os nossos tempos.
Os que viam senões nas ideias defendidas por Price podiam destacar que os direitos naturais floresceram sempre em situações de confrontos com governos despóticos... Desse modo não seria absurdo afirmar que tais direitos seriam algo inventado, criado para reagir à opressão e, desse modo, não seriam “inalienáveis”. Seriam até mesmo “irrelevantes”.
(...)
Em meados do século XVII, Hobbes já argumentava a respeito da necessidade de os homens abrirem mão dos direitos naturais (sendo assim, novamente, não podem ser considerados inalienáveis) para que a organização civil embasada na ordem prevalecesse.
O teórico absolutista Robert Filmer colocou-se explicitamente contra as ideias políticas de Grotius e, em 1679, afirmou que a doutrina da “liberdade natural” não passava de um absurdo. Em sua obra “Patriarcha”, de 1680, opôs-se à “noção de igualdade e liberdade natural da humanidade” ao insistir que todos nascem dependentes e sujeitos aos pais... Sobre “direito natural”, tinha a dizer que só havia aquele (direito) que se relaciona diretamente ao “poder régio”, derivado do poder patriarcal confirmado nos “Dez Mandamentos”.
(...)
Já o filósofo Jeremy Bentham defendia que em vez de “lei ideal ou natural” as sociedades deveriam se organizar a partir da “lei positiva”. Em 1775, Bentham lançou uma crítica ao texto “Comentaries on the Laws of England”, de Blackstone. Seus argumentos rejeitam o conceito de “lei natural”:

                   “Não há isso que chamam de ‘preceitos’, nada que ‘ordene’ o homem a praticar qualquer um dos atos que se alega serem impostos pela pretensa ‘lei da Natureza’. Se algum homem conhece algum desses preceitos, que ele os produza. Se são produzíveis, não deveríamos nos dar ao trabalho de ‘descobri-los’, como nosso autor (refere-se a Blackstone) pouco depois nos diz que devemos fazer, com a ajuda da razão”.

Como se vê, Bentham não aceitava que a lei natural fosse inata e que o homem, a partir do exercício da razão, pudesse descobri-la. Ele simplesmente não aceitava o que tradicionalmente se entendia por lei natural... Desse modo, tampouco podia admitir os direitos naturais. Buscou em Beccaria a máxima “a maior felicidade do maior número de pessoas” para estabelecer o “princípio da utilidade” que deveria servir (segundo ele mesmo) “como a melhor medida do certo e do errado”. Daí decorre que, ainda de acordo com Bentham, a lei adequada é aquela formulada a partir da análise de fatos, e não de “julgamentos baseados na razão”.
Não foi por acaso que Bentham colocou-se contra a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e até redigiu um panfleto em que definiu críticas a cada um de seus artigos. Negando “categoricamente a existência dos direitos naturais” afirmou:

                   “Os direitos naturais são um mero absurdo: os direitos naturais e imprescritíveis, um absurdo retórico, um absurdo bombástico”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – arrefecimento das publicações sobre os “direitos naturais” na Inglaterra depois da aprovação da Bill of Rights de 1688; exemplos da mescla das versões particularista e universalista em panfletos britânicos da primeira metade do XVIII; John Wilkes e cartas anônimas que recorriam à tradição legal e específica dos britânicos; Declaração de 1776 e agitação dos ânimos entre os ingleses; referências a Blackstone entre os apoiadores; panfleto de Richard Price e sua repercussão fora da Inglaterra e entre os britânicos contrários às suas manifestações a favor do universalismo dos direitos e do movimento norte-americano

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Também na Grã-Bretanha ocorreu um debate em torno da versão universalista dos direitos durante os anos 1760... A verdade é que desde que a Bill of Rights de 1688 havia sido aprovada os britânicos não experimentavam grandes inquietações em torno da temática.
A autora esclarece que o número de publicações que tratava ou se referia a “direitos” diminuiu consideravelmente durante a primeira metade do século XVIII na Grã-Bretanha. A partir dos anos 1760, quando nos demais países europeus e na América do Norte tornou-se intensa a discussão a respeito da “lei natural” e dos “direitos naturais”, os ingleses perceberam a retomada e crescimento das publicações jurídicas.
Nota-se que durante certo período as versões particularistas e as universalistas dos direitos foram mescladas também entre os ingleses. Lynn Hunt cita um panfleto de 1768 no qual se denunciava o apoio dos aristocratas às “posições clericais na Igreja da Escócia”... A redação do panfleto fazia referência aos “direitos naturais da humanidade” e aos “direitos naturais e civis dos bretões livres”. O mesmo pôde ser observado nas pregações do religioso anglicano Willian Dodd em suas manifestações sobre o papismo que ele afirmava ser “incoerente com os direitos naturais dos homens em geral e dos ingleses em particular”.
Já o político John Wilkes era dos que invariavelmente recorria a argumentos que retomavam a ideia particularista dos direitos ao proferir frases iniciadas com o “vosso direito hereditário como ingleses” durante os anos 1760. No final dessa década e no início da de 1770 cartas anônimas publicadas contra o governo se referiam “aos direitos sob a tradição e a lei inglesas” ao tratarem dos “direitos do povo”.
(...)
Quando teve início a guerra entre os colonos da América do Norte e a Coroa inglesa a temática mais universalista dos direitos tornou-se comum nos debates e publicações também no Reino Unido.
Em 1776 tomou-se conhecimento de um panfleto cujo autor assinava simplesmente M.D. e em seu conteúdo liam-se citações de Blackstone e afirmações sobre o caso da emancipação norte-americana dando conta de que os colonos “carregam consigo apenas aquela parte das leis inglesas que é aplicável à sua situação”... Desse modo, a produção textual concluía que, dado que as iniciativas ministeriais violavam “seus direitos naturais como homens (ingleses) e livres”, ocorria a quebra do vínculo entre governo e súditos e, assim sendo, era de se esperar que exercessem seus “direitos naturais”.
No mesmo ano, o filósofo Richard Price publicou um panfleto no qual tornava explícito seu apoio à luta dos norte-americanos e os defendia partindo de premissas universalistas. “Observations on the Nature of Civil Liberty, the Principies of Government, and the Justice and Policy of the War with America” teve várias reimpressões ainda em 1776, inclusive em Dublin, Edimburgo, Charleston, Nova York e Filadélfia, sendo ainda traduzido para o francês, alemão e holandês... Basicamente, Price defendia os sediciosos norte-americanos partindo dos “princípios gerais da Liberdade Civil”, ou seja, naquilo “que a razão, a equidade e os direitos da humanidade propiciam”... Desse modo, pelo menos no caso norte-americano, colocava num segundo plano os contratos, estatutos e cartas inglesas de outros tempos.
O tradutor holandês do panfleto de Price, Joan Derk van der Capellen tot den Pol, escreveu-lhe no final de 1777 manifestando total apoio às considerações do filósofo e à causa norte-americana:

                   “Considero os americanos homens valentes que defendem de um modo moderado, piedoso e corajoso os direitos que recebem, sendo homens, não do Poder Legislativo da Inglaterra, mas do próprio Deus”.

Era mesmo de se esperar que o panfleto de Price resultasse em manifestações contrárias na Inglaterra. E foi exatamente isso o que aconteceu! Logo surgiram cerca de trinta outros panfletos que o criticavam e o acusavam de “falso patriotismo, partidarismo, parricídio, anarquia, sedição e até traição”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 28 de maio de 2020

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – Luís IX à frente das iniciativas para alcançar uma aliança com cristãos do Oriente; o convite de Elchigadai e a missão de André de Longjumeau; decepções do rei e retorno ao trono após a morte da mãe regente; notícias sobre a conversão de príncipe tártaro ao cristianismo e nova missão à Mongólia; a longa viagem do franciscano Willian de Rubruquis e o pífio resultado; novas notícias sobre a existência do Preste João entre os descendentes de Gêngis Khan

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De tal modo Luís IX envolveu-se nos assuntos da Igreja Católica e na defesa da Cristandade que organizou e chefiou cruzadas contra os muçulmanos entre 1248 e 1270, tanto no Egito quanto na Palestina. Podemos dizer que sua vida foi marcada basicamente pelos eventos bélicos contra os “infiéis”.
Após os fracassos das iniciativas do papa Inocêncio IV em sua busca de aliados no Oriente, Luís IX tomou a frente dos esforços para obter “uma ponte com os cristãos da Armênia e da Pérsia”.
Aconteceu que em 1248 o rei encontrava-se em Chipre quando foi surpreendido pela chegada de uma comitiva mongol que lhe trazia uma mensagem do chefe das tropas instaladas na Armênia e Pérsia. Elchigadai (Ilchikadai ou Ilchikdai) anunciava o desejo de estabelecer um acordo com Luís IX. Sem dúvida sua campanha vitoriosa até então contribuía para tal reconhecimento.
O rei francês aceitou a negociação e resolveu retribuir a visita da comitiva mongol enviando uma “missão diplomática” ao líder militar Elchigadai e ao todo poderoso Gran Khan. A cada um encaminhou uma carta pessoal, tendo encarregado o franciscano André de Longjumeau (ou Lonjumel) da comitiva.
(...)
Em 1249 Luís IX movimentou suas tropas para o Egito com a intenção de marchar para a Palestina logo em seguida... Longjumeau tomou o rumo de sua missão e só chegou à corte do Gran Khan durante o inverno de 1249/50.
Infelizmente a situação já não era favorável à “missão diplomática” do rei francês porque o khan havia morrido e as decisões políticas estavam sendo tomadas por sua mãe. Talvez por saber dos fracassos de Luís IX em suas últimas campanhas, ela recebeu a comitiva católica com desdém.
Nenhum acerto diplomático foi firmado, e o frei teve de retornar ao rei com uma simples carta.
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André de Longjumeau reencontrou Luís IX na Palestina, na localidade de Cesarea, onde, entre março de 1252 e maio do ano seguinte. O tom da carta que trazia era de pura arrogância. E o rei tornou-se ainda mais decepcionado porque além dos revezes militares na região, tinha de retornar à França para retomar o trono, pois sua mãe e regente acabara de falecer.
A missão do frei Longjumeau foi dada por encerrada e o rei demonstrou profundo arrependimento por tê-la planejado.
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Mas a frustração passou e Luís IX voltou a se animar ao tomar conhecimento de que o príncipe dos tártaros, Sartuk (filho de Batu, chefe das tropas do Khan situadas no leste europeu), havia aceitado (e se batizado) o Cristianismo.
Em suas reflexões, Luís IX passou a crer que enfim chegara o momento de obter a aliança que expulsaria os “infiéis” do túmulo de Cristo. Assim, resolveu organizar nova missão para um contato diplomático com o chefe mongol na longínqua fronteira com a China (na localidade de Karakorum).
Dessa vez, o rei francês tomou o cuidado de obter “declaração de apoio e cartas de recomendação” junto a Balduíno de Courtenay (derradeiro imperador latino de Constantinopla).
Novamente foi escolhido um franciscano para chefiar a comitiva. E foi assim que Willian de Rubruquis deixou a Costa da Crimeia rumo ao sul da Rússia em 1253... Dois rios foram vencidos pelos homens por ele liderados (o Don e o Volga)... Foram retidos no Volga por Batu Khan (neto de Gêngis Kahn; na ocasião se preparava para avançar pela Europa a partir da Hungria e da Polônia).
Depois da negociação com Batu Kahn, Willian de Rubruquis conduziu sua comitiva ao acampamento do Grande Kahn, tendo chegado às proximidades de Karakorum no final de 1253. O encontro diplomático só se deu no início do ano seguinte e o frei franciscano estendeu a visitação até o começo do segundo semestre, todavia nada do que o rei Luís IX almejava foi alcançado.
(...)
A “missão” retornou à Europa em 1255 tendo passado por Trípoli. Apesar de não trazer nenhum resultado prático do encontro em Karakorum, o frei Rubruquis chegou eloquente sobre a possibilidade de haver um Preste João em Naimans (Mongólia), certo Kuakuk, chefe militar e irmão de Ung Kahn, outrora aliado de Gêngis Kahn...
Também este Ung Kahn (Uang Kahn ou ainda Unc Kahn) viria a ser apontado mais tarde por Marco Polo como o Preste João.
O mito persistia... De qualquer modo, nota-se que os primeiros europeus a penetrarem as terras asiáticas em busca do Preste João formulavam hipóteses em torno da figura de certos chefes tribais e de descendentes de Gêngis Kahn, como foi o caso do Grã Khan batizado em 1253.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – a respeito de Gêngis Khan e seus embates no Oriente; a conversão de Ugalu e o firme propósito dos cristãos europeus de firmarem aliança com os orientais na luta contra os muçulmanos; iniciativa do papa Inocêncio IV no envio de comitiva ao chefe tártaro Okkodai; a expedição do frei Giovanni da Pian del Carpine à residência do khan na Mongólia; missão desprezada e retorno à França; valioso relatório do frei Carpine

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_27.html antes de ler esta postagem:

Sem dúvida, saber que o personagem guerreiro e avassalador nos combates da Tartária era o temível Gêngis Khan e não o cristão Preste João, deixou os cristãos do Ocidente frustrados. Apesar disso, durante o século XIII, eles nunca deixaram de ter esperança de obter uma aliança com forças do Oriente para enfrentar o Islamismo. Como vimos, em relação à Ásia Central, essa possibilidade era alimentada pela presença dos nestorianos.
Não se pode dizer que Gêngis Khan fosse totalmente desprezível para os ocidentais porque também ele, em sua luta pela unidade dos mongóis, vinha travando combates com os muçulmanos há muito em expansão desde a Arábia às regiões mais ao norte na direção da Ásia. A luta contra o inimigo em comum levou os europeus cristãos a planos de aproximação com os sucessores do líder dos mongóis.
Gêngis Khan não lutou apenas contra os muçulmanos que já se espalhavam pela Pérsia, Afeganistão e Turquestão, fez guerra também aos budistas que viviam na China. O guerreiro mongol morreu e não conseguiu conquistar o grande país do Oriente.
Depois de decepcionados por saberem que Gêngis Khan nada tinha de parentesco com o Preste João (afinal não era o David tão falado em 1221), os cristãos europeus investiram sua esperança na pessoa de um de seus netos, Ugalu, que era casado com uma princesa cristã e que, por isso, se dispunha a lutar contra os “infiéis” e a marchar rumo à Terra Santa com o intento de libertar o Santo Sepulcro. Talvez (ainda) por conta das iniciativas dos nestorianos da Ásia, o papa continuava a receber mensagens que reforçavam a possibilidade de uma aliança com cristãos mais afastados da Europa.
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Em 1245, o papa Inocêncio IV resolveu enviar uma comitiva ao chefe tártaro Okkodai (também conhecido por Ogadai)... Acontece que quatro anos antes, os mongóis haviam realizado uma invasão à Alemanha que resultara em fracasso (foram derrotados na batalha de Wahlstatt-Liegnitz em abril de 1241). Aparentemente, a missão dos representantes da Igreja de Roma era manifestar protesto à iniciativa mongol contra territórios cristãos... Mas tudo indica que o maior interesse do papa era abrir um canal de negociação para a tão sonhada aliança de enfrentamento aos “infiéis” muçulmanos.
Diz-se que então ocorreu a “primeira missão oficial da Igreja Católica em terras mongóis”. Inocêncio IV encarregou o frade Giovanni da Pian del Carpine, um experiente franciscano, da chefia de sua comitiva. A ele se juntou o também franciscano Benedito da Polônia (Benedictus Polonus), que atuaria como intérprete. Aliás este Polunus era oriundo de Breslau (Vratislava), cidade polonesa que assim como a Liegnitz alemã foi atacada pelos mongóis em 1241.
A viagem liderada por Carpine exigiu muitos sacrifícios... A comitiva deixou Lion, onde Inocêncio IV estava instalado, na Páscoa de 1245. No percurso planejado, percorreu longo trajeto geográfico que incluía três rios (Dnieper, Don e Volga). Um ano e três meses depois, os enviados pelo papa chegaram ao Sira Orda (Pavilhão Amarelo, “residência oficial do khan supremo da Mongólia”) no dia 26 de julho de 1246. Carpine e seus liderados estavam famintos e esgotados.
Logo de início, grande decepção tomou conta dos recém-chegados... O khan Okkodai havia morrido. Por isso tiveram de esperar que se resolvesse a eleição do filho mais velho do soberano, Kuyrek Okkodai, que recebeu Carpine apenas em novembro. Por fim, o franciscano teve de amargar a arrogância do novo khan que não só o desprezou como desprezou a causa católica e o despediu com uma carta ao papa. A missiva seguia com traduções para o árabe e para o latim.
(...)
A iniciativa de Inocêncio IV demonstrou o quanto foi “inocente” em suas pretensões com os mongóis.
Tinhorão destaca que pelo menos o retorno do frei Carpine à França (junho de 1247) resultou em uma bela produção que antecipou “em meio século o famoso livro de viagens de Marco Polo”. O religioso redigiu “um relatório que é quase um tratado” que ficou “conhecido sob três diferentes títulos em versões manuscritas em latim”: “Historia Mongolorum quos nos Tartaros appelamus”; “Liber Tartarorum”; “Tartarorum”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 27 de maio de 2020

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – carta apócrifa atribuída ao Preste João endereçada ao imperador bizantino Manuel I Commenus; conteúdo carregado de maravilhas e revelador de autoridade imensurável; carta de Alexandre III ao Preste João; pregação de Jacques de Vitry incentivando cruzada a Jerusalém e referindo-se ao apoio das tropas do Preste João; atuação do terrível Gêngis Khan na Tartária confunde os cristãos do Ocidente

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_24.html antes de ler esta postagem:

As muitas notícias a respeito do avanço do Cristianismo pela Ásia, sobre a existência do reino do Preste João e a possibilidade de derrotar os muçulmanos animavam os europeus desde pelo menos a época das cruzadas... Em 1165 uma carta atribuída ao próprio “sacerdote e rei” teve estrondosa repercussão. Tempos depois descobriu-se que se tratava de uma missiva apócrifa, todavia não foram poucos os que se apoiaram no documento e alimentaram a esperança de selar definitivamente a aliança que reuniria soldados cristãos do ocidente aos de Preste João.
Tinhorão esclarece que perto de cem cópias manuscritas foram produzidas e que algumas delas podem ser encontradas ainda hoje em bibliotecas de Munique, Paris, Viena e Londres.
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O “Presbítero João, pelo poder e virtude de Deus e do Senhor Jesus Cristo, Rei dos Reis” (era assim que o autor da carta se apresentava) endereçou sua mensagem a Manuel I Commenus, imperador bizantino que mantinha boas relações com o papa de Roma, Alexandre III.
Entre os europeus, Commenus gozava de boa consideração já que havia aceitado, em 1147 que as tropas cruzadas de Conrado III (Alemanha) e de Luiz VII (França) passassem por terras bizantinas e seguissem em direção à Terra Santa.
O autor da carta não poupava adjetivos na descrição de seu reino repleto de “maravilhas”. Apresentava-se como grande líder decidido a partir com seu grandioso exército rumo à conquista do Santo Sepulcro em Jerusalém. Em tom grandiloquente, anunciava que exercia poder sobre 72 outros monarcas que estavam espalhados por todas as regiões das Índias. Isso significava basicamente que o Preste João declarava que exercia poder sobre o “resto do mundo conhecido” pelos europeus. A uma ordem sua mobilizavam-se cerca de “10 mil cavaleiros nobres e 100 mil combatentes a pé”.
Certamente os que tomassem conhecimento do conteúdo da carta só podiam se encantar com o poderio do Preste João. Algo fabuloso e digno de ser reconhecido como soberano. Os registros da mensagem dão conta de que “sete reis, sessenta duques e 365 condes serviam em seu palácio”... À sua direita acomodavam-se doze arcebispos, e à esquerda dois bispos. À entrada de sua fortaleza havia grande espelho que lhe permitia vigiar os domínios e saber com antecedência da aproximação de inimigos.
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De início, o conteúdo da carta do Preste João provocou muita desconfiança, pois a narrativa era mesmo exagerada. Todavia os europeus estavam desesperados com o expansionismo muçulmano que, além da Ásia e África, atingiu a Península Ibérica. Não demorou e a Igreja Católica decidiu pronunciar-se oficialmente a respeito.
Documentos manuscritos do século XII dão conta de que o papa Alexandre III, provavelmente depois de ouvir relatos de certo nestoriano Felipe (que era seu médico particular), decidiu escrever ao “carissimo in Christo filio Johanni, illustro et magnifico indorum regis”...
Corria o ano de 1177 e o papa encaminhara a carta “ao magnífico rei das Índias” pelo próprio Felipe. O pontífice esperava que a gente mais ilustre do Preste João recebesse o seu médico particular. Acreditava que este era um profundo conhecedor das áreas de além da Abissínia, território pelo qual peregrinara e que estava polvilhado de cristãos nestorianos. Alexandre III tinha razão para assim pensar, pois sabia das peregrinações de seu médico e a dos cristãos da Abissínia rumo a Jerusalém, “onde possuíam capela e altar junto ao Santo Sepulcro”.
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Como sabemos, essa crença no Preste João perdurou durante muitos anos. Conta-se que em 1217, Jacques de Vitry, então bispo de São João de Acre (território na Palestina dominado pelos cruzados), pregou uma Cruzada contra os muçulmanos que ocupavam Jerusalém e asseverou aos cristãos europeus que:

                   “Os cristãos do Oriente, tão distantes quanto a terra de Preste João, têm muitos reis, que, ao saberem que a Cruzada chegou, virão ao seu auxílio”.

(...)
No ano de 1221 falava-se de um guerreiro cristão que, com seu poderoso exército, estava conseguindo derrotar os “infiéis”. Dizia-se que ele atuava na Tartária, região da Ásia frequentada por russos, mongóis e turcomanos... Muitos acreditavam que se tratava de um neto do Preste João e que se chamava David.
Nada disso. Aquele que supunham ser um herói da cristandade na verdade era “o terrível fundador do império mongol dos bárbaros Termujim”. Sua fama correu o mundo antigo, seu nome era Gêngis (Ginghiz ou Ienghis) Khan.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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