domingo, 16 de maio de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – Fernão de Melo, o governador de São Tomé avançou sobre as comunidades do Congo e imediações para garantir a mão-de-obra escrava; acertando-se com os “pombeiros” e inviabilizando os acordos entre Portugal e o Congo; D. Afonso implora ao rei D. João III que iniba a atuação dos mercadores favorecidos por feitores e oficiais; a resposta do rei português para a dramática situação do Congo


Fernão de Melo, o capitão e governador de São Tomé, que conhecemos por suas maldades contra os congoleses e o rei D. Afonso, foi dos que mais demonstraram contrariedade em relação às restrições “do poder real à liberdade geral do comércio”, notadamente ao que dizia respeito aos negócios envolvendo a mão-de-obra escrava obtida na África.
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A título de recapitulação, vale lembrar que a ilha de São Tomé havia sido descoberta pelos portugueses em 1470 e tornou-se capitania quinze anos depois por decisão de D. João III... A Fernão de Melo coube governá-la a partir dos inícios de 1500.
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As iniciativas do governador sobre a obtenção de escravos começaram logo que São Tomé despontou como produtora de açúcar. A criação de uma feitoria no Congo acabou favorecendo as transações que permitiam as transferências e aquisição de escravos. Fernão de Melo não titubeou ao se acertar com os “pombeiros”, traficantes que atuavam sorrateiramente no Congo e que provinham do interior, do “mpombe”.
D. Afonso logo percebeu a atuação dos traficantes em conluio com o governador de São Tomé e reconheceu que os acertos com os monarcas portugueses (D. João II e D. Manuel) visando o “pacto político-econômico” se inviabilizariam...
Em sua carta a D. João III, de 6 de junho de 1526, D. Afonso do Congo apresenta seus protestos:

                   “Senhor, Vossa Alteza saberá como nosso reino se vai a perder em tanta maneira que convém provermos a isso com remédio necessário, o que causa a muita soltura que vossos feitores e oficiais dão aos homens e mercadores se virem a este reino assentar com lojas, mercadorias e coisas muito por nós defesas”.

O rei cristão do Congo dava mostras de que pretendia que o monarca aliado de Portugal colocasse termo à atuação de súditos que se instalavam no Congo favorecidos pelos feitores e oficiais que deviam se submeter às orientações da Coroa...
Mas não havia obediência dos portugueses que ocupavam cargos de confiança e tampouco daqueles que se dedicavam ao comércio ilegal de escravos... E a respeito de sua atuação, D. Afonso destacou ao rei português:

                   “E não havemos este dano por tamanho como é que os ditos mercadores levam cada dia nossos naturais filhos da terra e filhos de nossos fidalgos e vassalos e nossos parentes porque os ladrões e homens de má consciência os furtam com desejo de haver assim as coisas e mercadorias desse reino que são desejosos”. (...)
                   “em tanto maneira Senhor é esta corrupção e devassidão que nossa terra se despovoa toda, o que Vossa Alteza não deve haver por bem nem seu serviço”.

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As denúncias contra a atuação de Fernão de Melo eram antigas... D. Afonso do Congo havia enviado longa carta a D. Manuel em 1514 com uma série delas. Nenhuma providência foi tomada.
A referida correspondência a D. João III, de 1526, foi respondida pelo rei português em 1529. Ele tratou de “acalmar a indignação” do aliado africano, mas sem dar mostras de que atuaria contra a “escravização de naturais do Congo”.
Abaixo segue trecho da resposta:

                   “Dizeis em vossas cartas que não quereis que em vosso reino haja resgate de escravos isto por que se vos despovoa a terra; bem creio que com as paixões que vos dão (os) portugueses dizeis isso, porque me dizem da grandeza do Congo e como é povoados que parece que nunca dele saiu um escravo e assim (igualmente) me dizem que os mandais comprar fora e que os casais os fazeis cristãos, pela qual terra é muito povoada. O que me parece bem e assim agora com esta ordem que esta gente leva e com a que lá tendes de mandar aos pumbos (feiras de escravos) parece que haverá muitos escravos”.

Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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