Com
o debate em torno da concessão de direitos aos protestantes teve início vários
outros a respeito dos direitos para as demais minorias, notadamente a dos judeus.
O fato é que os direitos garantidos aos católicos haviam se tornado parâmetro
para as outras demandas.
Vimos que ocorreu a discussão em torno dos direitos aos que exerciam profissões
historicamente mal vistas, como a dos atores e dos carrascos... Muitos
colocaram objeções, mas elas não receberam apoio significativo. No caso dos
judeus foi diferente, já que se verificou grande resistência. O livro cita que
certo deputado que se dispunha a discutir a emancipação do segmento argumentava
sobre os judeus que:
“sua ociosidade, a sua falta de tato, um resultado
necessário das leis e condições humilhantes a que estão sujeitos em muitos
lugares, tudo contribui para torná-los odiosos”.
Para o referido membro da Assembleia, a aprovação dos
direitos aos judeus acabaria se tornando motivo de perseguição a eles porque
certamente haveria uma reação negativa e violenta da população. Várias
agitações contra as comunidades judaicas haviam ocorrido no leste do país e não
era por acaso que o deputado fazia a observação.
Como vimos anteriormente, na véspera do Natal de 1789 os deputados
aprovaram a extensão dos direitos aos que não professavam o catolicismo e às
profissões de um modo geral, todavia o tema específico dos judeus foi adiado.
(...)
A aprovação dos direitos aos protestantes contou com a
aprovação de grande parte dos membros da Assembleia. Um deles registrou em seu
diário a alegria que o contagiou por ocasião da votação.
É bem verdade que o chamado Edito de Tolerância de 1787 representou um
grande avanço para os protestantes... A partir de sua promulgação eles puderam
praticar os seus cultos, casar e “transmitir sua propriedade” aos filhos devidamente
registrados. Tudo reconhecido pelos oficiais, entretanto a esses direitos civis
não se acrescentavam “direitos iguais de participação política”.
Apesar do Edito, em algumas regiões as altas cortes continuaram a
obstruir sua aplicação até 1789 e pode-se dizer que ao tempo da aprovação da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão vários representantes ainda resistiam
em relação à aprovação da liberdade religiosa.
A pergunta que podemos
lançar é em relação aos motivos de haver a significativa mudança observada em
dezembro... Para Rabaut Saint-Étienne, os representantes protestantes na
Assembleia passaram a assumir maior “responsabilidade cívica”. E eles não eram
poucos, já que somavam vinte e quatro deputados, incluindo ele mesmo.
Antes dessas discussões, e apesar
das restrições impostas por oficiais de certas cortes, os protestantes já
ocupavam alguns cargos e chegaram a participar das eleições para os Estados
Gerais.
Timothy
Tackett, que Lynn Hunt considera o mais importante “historiador da Assembleia
Nacional”, aponta que os conflitos políticos internos entre os deputados
explicam em muito a mudança de opinião em relação aos protestantes. Para ele,
os moderados sentiam-se incomodados pelo modo como os conservadores obstruíam
discussões e votações e terminaram votando junto com os esquerdistas favoráveis
à extensão dos direitos.
Um dos que se destacaram por obstruções ao debate e à aprovação dos
direitos era Jean Maury, clérigo e abade, evidentemente representante do
Primeiro Estado... Mas mesmo ele discursava em favor dos direitos aos
protestantes que praticavam religião e se submetiam a leis como os católicos.
Fazia isso ao mesmo tempo em que se declarava contrário à extensão aos judeus,
e assim formulava uma distinção “evidente” entre as duas minorias.
(...)
No sul da França havia
comunidades judias de portugueses e espanhóis que se organizaram na elaboração
de uma petição direcionada à Assembleia. No documento argumentavam que já exerciam
direitos em algumas localidades.
Como se vê, a ideia de apresentar uma minoria
religiosa mais “habilitada aos direitos” do que outra apenas “alargou a fenda
na porta”, e a argumentação que fez avançar as votações em favor dos
protestantes passou a ser utilizada pelos judeus.
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto