Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/07/1984-de-george-orwell-fim-do.html antes
de ler esta postagem:
Na sequência vemos Winston no seu apartamento e
no exercício de escrita do diário... Percebemos que ele pretendia desabafar
alguns sentimentos reprimidos que trazia em seu íntimo.
Começou registrando
que numa escura noite de três anos atrás estivera numa área próxima da estação
de trens, numa rua onde sequer havia iluminação pública... Buscava um
relacionamento furtivo e sabia que ali podia encontrar uma mulher que lhe
proporcionasse prazer sexual.
Não demorou e encontrou uma de “rosto jovem, com pintura espessa” diante
da porta mal iluminada... Pelo menos foi o que lhe pareceu... A pele branca e
os lábios vermelhos e brilhantes por causa da pintura chamaram-lhe a atenção.
(...)
Winston
parou de escrever e pensou nas mulheres que pertenciam ao Partido... Elas
jamais se pintavam. Ao retomar a caneta, escreveu que a rua estava deserta, e além
do mais não havia nenhuma teletela instalada nas imediações. A mulher informou
o preço, dois dólares. (...)
Parou de escrever novamente
porque se sentiu abalado pela lembrança... Fechou os olhos e os apertou como
que a forçar a visão desaparecer de sua consciência. Seu mal-estar era tão
intenso que tinha vontade “de berrar um bando de palavras indecentes a pleno
pulmão, ou bater a cabeça na parede, dar um pontapé na mesa ou atirar o
tinteiro pela janela - fazer algo violento, doloroso ou ruidoso que pudesse
apagar a lembrança - que o atormentava”.
(...)
Atordoado
pelas reflexões, pensou que o sistema nervoso podia denunciar os mais íntimos
desejos de infração. Lembrou-se de certo tipo pelo qual passara há alguns dias.
O homem era membro do Partido, contava uns trinta e cinco anos e tinha aspecto
dos mais comuns... O sujeito carregava uma pasta, era alto e magro... Mesmo a
certa distância, Winston pôde notar que o lado esquerdo de seu rosto se
contorcia involuntariamente. Quando passaram um pelo outro o abreviado assombro
se repetiu... Foi o suficiente para pensar que aquele pobre coitado carregasse
em seu íntimo alguma tendência para a infração... O reflexo involuntário em seu
rosto, ainda que involuntário e deflagrado por seu sistema nervoso, o
denunciava.
Pior que isso era
“falar dormindo”... Devia-se tomar muito cuidado.
(...)
Winston deu um
suspiro profundo e voltou aos seus registros...
Apontou na folha do diário que seguiu com a mulher por um quintal até
que alcançaram um porão onde havia uma cozinha. Uma lâmpada de parca luz que
estava sobre uma mesa denunciava que no mesmo cômodo havia uma cama encostada a
uma das paredes.
A mulher roeu os dentes... (...)
Esses detalhes surgiam-lhe nítidos na memoria e
como as lembranças o abalavam emocionalmente, teve vontade de cuspir. Estava
pensando naquele tipo, mas a figura de Katharine, sua esposa, também lhe veio à
mente...
Neste ponto é bom que
se saiba que Winston fora casado... Pode-se dizer que “ainda era casado” e, já
que a referida Katharine estava viva, continuava sua esposa apesar de não mais
viverem juntos.
Ao articular essas lembranças, teve a sensação de inalar novamente “o
odor morno da cozinha do porão, um cheiro misto de percevejos, roupa suja e
perfume ordinário”. Algo decadente, mas que se relacionava à mulher que se
fazia objeto para seu prazer... As mulheres do Partido simplesmente não usavam
perfume e tampouco se importavam em se relacionarem sexualmente.
Entre
os proles encontravam-se as mulheres que usavam os cosméticos baratos. Para
Winston, o perfume se vinculava à prática sexual. Quando se encontrou com a
mulher que vivia na área próxima à estação de trens já fazia “dois anos ou
mais” que não se aventurava em “escapadas”. O Partido não admitia que seus
membros se envolvessem com prostitutas, mas esse era o tipo de regra que os
militantes quebravam (também) por saberem que “não era caso de vida ou morte”.
É bem verdade que no caso de serem flagrados, e de não terem se envolvido em
qualquer outra infração, poderiam ser condenados a cinco anos de trabalhos
forçados.
(...)
Ainda a respeito do
tema, o rapaz lembrou que o maior problema para quem se arriscava era “ser surpreendido
no ato”. Os bairros mais afastados estavam cheios de “mulheres prontas a se
entregarem”, e havia as que aceitavam o programa em troca de “uma garrafa de
gin”, algo que os proles apreciavam, mas “não tinham direito de beber”.
Não
declaradamente o Partido admitia que a prostituição pudesse ser incentivada, já
que eventualmente podia servir como “válvula de escape” dos instintos “não
totalmente suprimidos” e desde que, além de envolver apenas mulheres das
classes desprezadas, fosse apenas episódica e não resultasse em qualquer
sensação de maior satisfação e exultação.
A promiscuidade entre
membros do Partido “era crime imperdoável”. Alguns réus confessavam a prática
da promiscuidade, mas normalmente isso acontecia quando já se reconheciam
condenados.
(...)
Winston pensava sobre
as verdadeiras intenções do Partido ao implicar com as relações mais íntimas
entre homens e mulheres... Provavelmente não era simplesmente porque pretendia
impedir que criassem cumplicidades que fugissem ao controle estatal.
A conclusão
a que chegou foi a de que “o propósito real (do Partido), não declarado, era
roubar todo o prazer ao ato sexual. Não tanto o amor como o erotismo era o
inimigo, tanto dentro como fora do casamento”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto