Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_19.html antes
de ler esta postagem:
Os
congoleses que chegavam a Lisboa eram transportados pelos traficantes ligados
ao Fernão de Melo e à ilha de São Tomé... Vimos que ao tomarem consciência de
sua condição, de certo modo privilegiado em relação aos demais africanos que
eram islamizados ou pagãos, e ao associarem imagens e símbolos católicos da
Igreja de São Domingos a elementos de sua cultura e religiosidade originais,
buscaram se aproximar da “Confraria de Nossa Senhora da Igreja de São Domingos”.
O livro dá conta de que a praça em frente à igreja se tornou local onde
se reuniam congoleses... E de tal modo para lá afluíam que em pouco tempo
muitas negras forras passaram a organizar seus tabuleiros para a venda de
quitutes africanos e outros produtos.
Aconteceu mesmo de alguns padres
autorizarem a colocação de “uma mesinha à porta da igreja e depois outra maior
dentro à maneira de confraria”... Assim a presença dos negros no entorno e no
interior da Igreja de São Domingos tornou-se cada vez mais habitual.
(...)
A respeito das últimas considerações, o autor se
baseou em informações contidas em “Relatório e sumário dos serviços e
desserviços da Senhora do Rosário acusados de haver duas confrarias”, documento
do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, na Seção “Conventos”.
(...)
Tidos por devotos de Nossa Senhora do Rosário, os congoleses tiveram sua
entrada e circulação pela Igreja de São Miguel autorizada pelos religiosos. Aos
poucos, muitos deles se juntaram aos mais antigos que traziam desde o Congo a
marca do cristianismo... E como se fortaleceram, solicitaram a permissão junto
aos devotos portugueses para determinadas ações que eram cumpridas pela
confraria.
A confraria que existia tinha autorização oficial para
recolher fundos que eram utilizados para manter a própria organização. Além
disso, enquanto instituição de caráter religioso, possuía “objetivos
missionários” como o de dar “círios nas caravelas que iam à Mina e aos rios da
Guiné, uma vez que as pessoas que nelas fossem o quisessem tomar por isso
devoção”*.
*O trecho citado está
em “Os pretos em Portugal”, do Padre Antonio Brásio, da “Coleção Pelo Império”,
nº 101.
Compreendendo o modelo, os
negros pleitearam o direito de também angariar fundos com os quais pretendiam contemplar
demandas próprias de sua gente. Assim, “admitidos ao Rosário”, dedicaram-se à
compra de alforria para os que definissem como merecedores.
De fato, não demorou e o
segmento conseguiu juntar expressiva quantidade de dinheiro sem qualquer
verificação da origem. Aconteceu então que a “congregação dos brancos”, que já
havia implicado com a autorização do funcionamento da “congregação dos negros”,
elaborou relatório (o citado “Relatório e sumário dos serviços e desserviços da
Senhora do Rosário acusados de haver duas confrarias”) no qual salientava que
há muito tempo (“passa de vinte anos”; desde por volta de 1520) os negros
congregados aceitavam que os escravos lhes trouxessem “furtos que fazem a seus
senhores à sua congregação para fingirem ser dinheiro da confraria para os
forrar”.
(...)
Como
podemos depreender, a confraria dos brancos da Igreja de São Domingos
desentendeu-se com os negros que lhes eram subordinados na irmandade ao tempo
de sua admissão. Ainda por volta de 1520, a insatisfação dos membros mais
tradicionais levou a associação a reclamar junto ao poder real uma solução para
o problema.
E foi assim que se decidiu pela “divisão da confraria em duas entidades
distintas”. Dessa forma, admitia-se a existência da “Confraria de Nossa Senhora
do Rosário dos Homens Pretos”.
O fato é que, como nos lembra
Tinhorão, a partir de então:
“os
negros do Congo levados cristianizados a Portugal, puderam obter enfim, o
reconhecimento de uma identidade que lhes permitia tentar reviver agora, em seu
exílio forçado, um pouco da memória de sua vida africana”.
Como salientado anteriormente, isso deve ter
ocorrido por volta de 1520... O caso é que não se sabe ao certo a data “de fundação”
por causa do incêndio que a Igreja de São Domingos sofreu por ocasião do
terremoto que abalou Lisboa em 1755. Na ocasião muitos documentos se perderam,
entre eles os que se referiam à Confraria dos Homens Pretos.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_26.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto