domingo, 30 de maio de 2021

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – ainda sobre “Teoria dos sentimentos morais”, de Adam Smith, e a crítica dos que insistem que a “propensão interior à apatia ou ao mal” exige uma ação determinante por parte da religião; “distância e proximidade, sentimentos positivos e os negativos, tudo tem de entrar na equação”; sentimentos adversos nutridos em vez de preteridos por campanhas humanitárias; Matthew Gregory Lewis e o advento do romance gótico e a narrativa explícita de posturas masoquistas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_27.html antes de ler esta postagem:

Voltando ao questionamento de Adam Smith sobre “o nosso desejo de que os demais não se prejudiquem”, ainda que para isso tenhamos de renunciar aos interesses particulares, o filósofo destacava que isso se deve a alguma “força mais forte”, a própria consciência (“a razão, o princípio, a consciência, o habitante do peito, o homem interior, o grande juiz e árbitro de nossa conduta”).
A lista nos faz pensar a respeito da empatia e as motivações que nos levam a agir a partir de um senso de solidariedade e “camaradagem”. Mas a “heterogeneidade” nela contida pode ser indicativa de que o próprio autor tivesse dificuldade para acertar uma definição mais categórica...
A autora sugere que Adam Smith talvez imaginasse que os “apelos emocionais ao sentimento de camaradagem pudessem tornar a empatia mais eficaz”. De acordo com Lynn Hunt, é mais ou menos isso o que muitos ativistas dos direitos humanos de nosso tempo fazem. Tanto os críticos do século XVIII, a época de Smith, quanto os atuais ressaltariam que, para a empatia proporcionar alterações positivas nas relações entre as pessoas e entre os grupos sociais, a religião tem importante papel, já que pode incutir “o senso de dever religioso” nos fiéis.
Os críticos alegam que a “propensão interior à apatia ou ao mal” é muito grande e que os indivíduos não conseguem anulá-la por si mesmos. O livro destaca a frase de “um antigo presidente da Ordem dos advogados dos Estados Unidos” que corrobora o anteriormente exposto, dando a entender que, isoladamente, “a ideia dos atributos humanos comuns não é suficiente”. Segundo ele: “quando os seres humanos não são vistos como semelhantes a Deus, os seus direitos básicos podem muito bem perder a sua ‘raison d’etre’ metafísica”.
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Ainda problematizando a reflexão de Adam Smith no fragmento de “teoria dos sentimentos morais”, o texto nos leva a pensar a respeito da tese por ele levantada... A empatia do “homem humanitário” em relação aos que sofrem em localidades distantes é inspirada e “está na mesma categoria dos sentimentos por aqueles que lhe são próximos”.
Uma primeira questão que podemos levantar a partir do raciocínio é em relação a qual motivação nos leva “a agir com base em nossos sentimentos pelos que estão distantes”. A outra que temos de considerar (dada a crueldade cada vez mais frequente de determinados grupos contra outros que, por motivos diversos, lhe são próximos), pretende entender “o que faz o sentimento de ‘camaradagem’ entrar num tal colapso que pode levar a torturar, aleijar ou até matar os que nos são mais próximos”.
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“Distância e proximidade, sentimentos positivos e os negativos, tudo tem de entrar na equação”.
Desde a segunda metade do século XVIII, quando os movimentos sociais passaram a contar com uma noção filosoficamente mais embasada dos direitos humanos, “as tensões se tornaram mais mortíferas”.
Para termos uma ideia, o texto esclarece que ao tempo das “ações contra o escravismo, a tortura judicial e os castigos cruéis”, os ativistas propagavam narrativas aterradoras que abalavam emocionalmente. Evidentemente faziam isso com a intenção de “provocar a repulsa” aos tratamentos degradantes. Mas muitas vezes os discursos, leituras e até a apresentação de “gravuras explícitas do sofrimento” acabaram despertando sensações adversas àquelas originalmente pretendidas... E o mesmo ocorreu com os romances que mereceram destaque no início das postagens sobre “A Invenção dos Direitos Humanos”.
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Como sabemos, os romances despertavam “atenção intensa para os sofrimentos de moças comuns”, todavia o enredo também podia suscitar interpretações que agradavam aos masoquistas.
Ao final do século foram produzidos textos que alimentavam a fantasia que atendia aos anseios deste público.
O livro cita “The Mank”, de 1796, escrito por Matthew Gregory Lewis, e dá conta de que este romance gótico se esmera pelas “cenas de incesto, estupro, tortura e assassinato”. A narrativa parece apelar para o sensacionalismo e cumpre essa função “em detrimento do estudo dos sentimentos interiores ou resultados morais”.
Especialista no gênero foi o marquês de Sade, mas sobre ele trataremos na próxima postagem.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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