Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/08/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes
de ler esta postagem:
Vimos
que a sucessão de D. João Nzinga a Nkuwu foi marcada pela disputa entre dois
irmãos, o cristianizado Mbemba a Nzinga e o “tradicionalista” Mpangu a
Kitina... Como sabemos, Mbemba a Nzinga, batizado pelos portugueses, saiu-se vencedor
e tornou-se o novo manicongo.
A última postagem sinalizou que D. Afonso (nome cristão de Mbemba a Nzinga)
iniciou sua condição de chefe dos congoleses amargando a contradição... Para
demonstrar que estava alinhado com as propostas civilizatórias dos portugueses,
enviou o filho Henrique e o sobrinho Rodrigo de Santa Maria a Portugal com uma
carta ao rei D. Manuel... A missiva tratava de sua vitória no conflito com os
tradicionalistas e solicitava “alguns clérigos ou frades” para que sua gente
pudesse aprender mais sobre a fé.
D. Afonso do Congo quis
resolver de uma vez por todas a questão religiosa em torno da tradição de seu
povo e ordenou o recolhimento de “estatuetas-imagens dos antepassados”. Elas
eram cultuadas com devoção pelos congoleses, mas os missionários portugueses
insistiam que não passavam de “ídolos” que nada tinham de sagrados.
Como era de se esperar, houve reação à medida imposta
pelo manicongo... Ele tinha a intenção de destruir todos os objetos assim que
fossem confiscados, mas percebendo que não teria como dar prosseguimento à sua
iniciativa, recorreu ao auxílio dos portugueses que dominavam a ilha de São
Tomé.
(...)
Essa ilha havia sido “descoberta” por João de Santana e Pero de Escobar
em 1470, exatamente no dia do santo, e foi por isso que lhe deram o nome de “São
Tomé”... Em 1485, D. João II a cedera como capitania a João de Paiva. Em 1493 a
ilha foi repassada a Álvaro de Caminha. Este deu início ao povoamento, mas logo
veio a falecer. Em 1499, D. Manuel cedeu ao fidalgo Fernão de Melo o cargo de governador
de São Tomé na condição de donatário.
A ilha era povoada basicamente por degredados. Desde
1487 o governo de Portugal ordenava o envio de judeus forçados ao batismo
cristão. Na distante localidade deveriam assimilar os ensinamentos cristãos/católicos.
(...)
Foi em 1508 que o manicongo cristão D. Afonso, receando as consequências
de suas imposições sobre os objetos religiosos, pediu auxílio ao nobre
governador Fernão de Melo. Naturalmente ele esperava contar com um gesto
abnegado e cristão da parte do aliado português. D. Afonso Mbemba a Nzinga se
via em grave situação, já que os cristãos no Sundi eram bem poucos (ele, o
primo Pedro e suas famílias). A esmagadora maioria se inclinava à veneração dos
ídolos.
A nau que partiria da Mina com os padres Rodrigues Eanes e Antonio
Fernandes com destino a Portugal pareceu-lhe providencial, já que a embarcação
deveria permanecer ancorada por algum tempo em São Tomé. Aos dois padres
solicitou que acompanhassem os jovens Henrique e Rodrigo e que levassem a carta
ao rei D. Manuel, além de entregarem uma específica ao governador Fernão de
Melo. Ao governador donatário da ilha o manicongo solicitava a visita de “alguns
clérigos que ensinassem as coisas de Deus”.
(...)
Mas aconteceu que o fidalgo
Fernão de Melo se encheu de cobiça ao ver o filho e o sobrinho de D. Afonso do
Congo num navio carregado de preciosidades... Os jovens partiam para Portugal,
onde receberiam formação religiosa, e eram acompanhados por “dois padres que, apenas
por terem servido à Igreja entre os negros, voltavam com ‘mil e quinhentas manilhas
e cinquenta escravos’”!
E foi assim que logo o manicongo percebeu que uma
aliança com base nos ideais de solidariedade cristã seria algo impossível com o
ambicioso donatário.
Fernão de Melo ouviu de
alguns compatriotas que poderia obter muitas vantagens se estabelecesse “um
esperto sistema de trocas com o Congo”. O navio que acabara de chegar apenas
aguçou sua cobiça.
Registros
do próprio D. Afonso Mbemba a Nzinga nos dão conta da resposta do fidalgo ao
seu “pedido de apoio religioso”:
“um
navio sem nenhuma coisa, somente um cobertor da cama e uma guarda porta e uma
alcatifa e um céu de esparanel e uma garrafa de vidro, e assim nos mandou no
dito navio um clérigo e vinha por capitão Gonçalo Peres e por escrivão João
Godinho, o qual navio nós recebemos muito prazer porque cuidávamos que vinha em
serviço de Deus, e ele vinha por grande cobiça”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/01/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto