quarta-feira, 2 de junho de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – no encerramento da primeira parte, o fim da caminhada solitária sob o sol escaldante levou Meursault ao rochedo onde estava o árabe desafeto de Sintès; tensão, vacilações e delírio sob o forte calor; tiros contra o corpo inerte; Meursault preso, interrogatório e questionamento a respeito da necessidade de um advogado para o caso

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/o-estrangeiro-de-albert-camus-muita.html antes de ler esta postagem:

Meursault caminhou sozinho pela praia e, como que embriagado pelo extenuante calor, cerrou os dentes, apertou os punhos nos bolsos da calça e seguiu adiante por um bom tempo.
Ao longe divisou o rochedo onde estivera anteriormente com o Sintès e toparam com os dois árabes. Por um momento pensou na fonte de água e que devia se refugiar à sombra... Porém, logo percebeu que o árabe desafeto do amigo também havia voltado ao mesmo lugar.
(...)
O tipo estava só, “descansava de costas, as mãos debaixo da nuca, a cabeça nas sombras do rochedo e o resto do corpo ao sol”. Sua vestimenta azul parecia “fumegar de calor”. A visão era de se admirar...
O caso é que o rapaz se dirigiu ao local sem sequer pensar a respeito da tensão que experimentara ali... Logo que o tipo o viu, enfiou a mão no bolso. Certamente estava pensando em se defender. De sua parte, Meursault fez o mesmo e pegou o revólver do Sintès, que carregava desde que havia lhe pedido para evitar que uma tragédia naquele mesmo local.
Estava a uns dez metros do árabe, mas pôde perceber sua imagem, um tanto diluída pelos vapores, que ele tinha voltado a se deitar fingindo fechar os olhos, ainda com a mão no bolso, certamente segurando a navalha.
(...)
O barulho das ondas do mar, a intensa luz e o calor evocavam uma preguiça estonteante... Meursault não desviava o olhar da direção do árabe. Pelo canto do olho percebeu que uma pequena embarcação passou pelo horizonte. Neste instante pensou que poderia voltar e apagar de vez a história do Sintès com o outro. Todavia a pesada atmosfera parecia impeli-lo para frente, tanto é que começou a caminhar na direção da nascente.
Viu que o árabe não se movimentou e até “parecia sorrir”. Mas talvez a expressão de sua face se devesse às “sombras que se projetavam” sobre ela. O calor queimava e o rapaz sentiu o suor “se amontoando nas sobrancelhas”. Lembrou-se do calor do dia do enterro da mãe, quando a testa lhe doía absurdamente e as veias lhe saltavam sob a pele.
Toda queimação provocada pelo sol o fez movimentar-se para frente. Ele sabia que aquela ação era estúpida e que não resolveria o seu problema com o calor. Foi apenas um passo, mas o suficiente para o árabe tirar a lâmina do bolso e expô-la à luz do sol. Seu brilho ofuscou a visão do Meursault, que foi atrapalhada também pelo suor que correu por suas pálpebras.
A partir de então teve uma sensação de cegueira, pois os olhos se cobriram das “lágrimas salgadas”. A ardência na testa e o brilho estonteante da navalha ainda mais aumentaram o seu incômodo... Logo “tudo vacilou”.
(...)
Foi de repente que Meursault sentiu que o mar estava lhe enviando “um sopro espesso e fervente”. Sentiu também que “o céu se abria em toda a sua extensão, deixando tombar uma chuva de fogo”.
Essas sensações o lavaram a manipular o revólver... Como que num reflexo involuntário, fez o gatilho da arma “ceder”, então tocou “na superfície lisa da coronha”... Na sequência foi o “princípio de tudo” com um barulho “seco e ensurdecedor”.
Meursault quis livrar-se do suor e do sol... Sacudiu-se ao mesmo tempo em que percebia que havia destruído “o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz”.
Depois disparou outros quatro balaços “contra um corpo inerte”, “quatro breves pancadas à porta da desgraça”.
(...)
A primeira parte do romance termina exatamente com esses disparos contra o árabe... Não há qualquer descrição das movimentações que o assassino tenha feito após o crime.
No começo da segunda parte ficamos sabendo que ele foi preso e que passou por vários interrogatórios.
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Eram procedimentos relacionados ao levantamento da ocorrência e de sua identidade. Na sua primeira vez diante do comissariado teve a impressão de que o caso não despertava qualquer interesse... Bem diferente foi a audiência de oito dias depois com o juiz de instrução, que o olhava com muita curiosidade.
Na ocasião, o juiz quis saber a respeito das informações elementares, “nome, endereço, profissão, data e local de nascimento”. Na sequência perguntou se ele já possuía advogado... Meursault informou que não escolhera nenhum defensor e perguntou se era necessário.
O juiz quis saber o motivo daquela indagação e o rapaz deu a entender que achava o seu caso “muito simples”. O magistrado sorriu e comentou que entendia que aquela era a opinião do detento, mas acrescentou que “a lei é a lei” e que se ele não quisesse nomear um defensor, eles mesmos definiriam um advogado.
Meursault respondeu que aquele detalhe acabava representando uma comodidade proporcionada pela justiça. O outro concordou e emendou que “a lei está bem feita”.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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