sexta-feira, 29 de outubro de 2021

“1984”, de George Orwell - a “tática” da coletivização para concentrar a riqueza nas mãos do pequeno grupo mandatário; IngSoc como triunfo e síntese das históricas lutas socialistas; das quatro remotas possibilidades de os grupos dirigentes perderem o poder; aniquilação dos oponentes e impedimentos para a formação da consciência crítica entre os súditos; limitações dos oprimidos e impossibilidade de mobilização em torno de uma causa; a guerra, solução para o inconveniente dos grandes excedentes e manipulação do patriotismo da massa

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-ingsoc-e.html antes de ler esta postagem:

O grupo que chegou ao poder com advento do IngSoc, utilizou de todos os mecanismos para controlar os subordinados e não mais deixar o topo. O “livro proibido” esclarecia que uma das principais estratégias estava no próprio coletivismo que, bem trabalhado, havia se tornado o principal fator da preponderância oligárquica.
O caso é que a “posse conjunta” possibilitou a aceitação natural da riqueza dos privilegiados. Experiências anteriores mostraram que a “abolição da propriedade privada” resultara na “concentração da propriedade” nas mãos de um pequeno grupo... A diferença estava no fato de, “em vez de massa de indivíduos”, os proprietários formarem “um grupo”, um “time controlador”.
O livro ressaltava ainda que os filiados ao Partido não possuíam nada além das “ninharias pessoais”, e explicava que “coletivamente, o Partido é dono de tudo na Oceania, porque tudo controla, e dispõe dos seus produtos como bem lhe parece”.
Aconteceu que depois da “revolução” que sacramentou a vitória do Partido, praticamente não houve oposição à acumulação de poder, já que as medidas impostas eram anunciadas como “atos de coletivização”.
Dizia-se que era necessário expropriar os capitalistas para que o socialismo se tornasse uma realidade... De fato, ocorreram expropriações e absolutamente tudo (“fábricas, minas, terras, casas, transporte”) o que outrora pertencia a particulares, e era por eles controlado, passou a ser “propriedade pública”.
O IngSoc se colocava como a síntese do processo de lutas socialistas do passado... Uma vez instalado no poder, colocou em prática as reivindicações que garantiam ser históricas... Na prática, o programa que passou a desenvolver tornou pétrea a “desigualdade econômica”.
(...)
O “livro proibido” problematizava a questão da “perpetuação da sociedade hierárquica” e a manutenção do poder pelo grupo hegemônico... De acordo com o texto, haveria quatro possibilidades de os dirigentes perderem o poder: ou seriam vencidos por oponentes; ou sofreriam o ataque da população revoltada com a ineficiência do governo; ou, por ineficácia política, permitiriam o advento “de um grupo médio forte e descontente”; ou perderiam a confiança e consequentemente a “disposição de governar”.
Caso um grupo dominante lograsse êxito no combate às deficiências anteriormente apontadas, teria plenas condições de permanecer “para sempre” no poder... Pelo visto, os dirigentes do IngSoc souberam manter a coerência necessária ao exercício da ditadura.
O grupo dominante contou com o principal fator para assegurar a inabalável administração... Logo depois de assumir o governo, tratou de aniquilar os oponentes, desse modo eliminaram a primeira das “potenciais deficiências” que poderiam desencadear a crise de poder.
(...)
Isso à parte, aos poucos o panorama internacional passou a apresentar uma conjuntura em que os três grandes impérios se estabeleceram. Basearam-se em estruturas tão sólidas que não se podia prever que pudessem sofrer abalos... Isso ocorreria caso suas populações passassem por mudanças que as levassem a questionamentos contrários ao poder estabelecido. Todavia cada um dos governos possuía os mecanismos que impediam a formação de consciências críticas.
Estava claro que em relação a referida possibilidade de decadência do sistema através de uma revolta espontânea da população era apenas teórica, pois as massas não se mobilizariam “apenas por ser oprimidas”. Além do mais, sem terem qualquer possibilidade de comparar a própria condição com outras realidades externas ou do passado, sequer percebiam que sofriam opressões.
(...)
A população que teria motivos para se revoltar não o fazia porque não conseguia perceber a condição a que estava sujeita... Além disso, quando os desfavorecidos eventualmente se sentiam desanimadas ou descontentes com a precariedade, não tinham meios de articular qualquer sedição.
Um ou outro imprevisto econômico, notadamente em relação à produção de grandes excedentes, poderia abalar a estabilidade política dos três grandes impérios. Mas para isso recorria-se à guerra.
Neste ponto, o texto sugeria consulta ao conteúdo do capítulo III (ler https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-ainda-leitura-do_12.html), garantindo que o recurso da guerra era também um modo de manter a população emocionalmente envolvida com os “destinos da nação”.
Seria o caso de perguntarmos, então, qual poderia ser a maior ameaça à estabilidade política dos governantes dos três impérios... Referindo-se especificamente à Oceania, o “livro proibido” destacava que o perigo para os maiorais estaria na conjunção de dois fatores: a formação de um grupo constituído por tipos ávidos pelo poder e a vacilação de parte da equipe de governo quanto às incertezas a respeito da condução política e/ou adepta a concessões à população.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

“1984”, de George Orwell - IngSoc e aparelhos repressivos de Lestásia e Eurásia surgiam do caos que se abateu sobre as sociedades a partir da década de 1930 e das guerras subsequentes; televisão e outros equipamentos utilizados para manipular e vigiar consciências; Orwell só podia conjecturar sobre um futuro incerto; dos quadros que chegaram ao topo da sociedade a partir do estabelecimento dos “novos donos do poder” e seu modo de agir

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-ideais-de.html antes de ler esta postagem:

Na sequência, o texto apresentava as atrocidades praticadas por regimes que se beneficiaram da movimentação em torno das ideias que defendiam o retorno da hierarquização e autoritarismos às organizações sociais.
Durante a década de 1930 ocorreram prisões arbitrárias, punições sem qualquer julgamento e a utilização de prisioneiros em campos de trabalho escravo. Além da tortura utilizada como método para obter confissões e “provas” contra inimigos políticos, a repressão promovia a execução pública dos condenados. Tornaram-se comuns a utilização de reféns pela polícia política e a deportação de segmentos da população. Tudo isso com o aval de setores tidos como “esclarecidos”.
A política expansionista dos países totalitaristas levou-os a confrontos com outros... Por toda parte seguiram-se “guerras civis, revoluções e contrarrevoluções”, ao final do longo período de derramamento de sangue o mundo assistiu ao surgimento do IngSoc e seus rivais que se impuseram como “teorias políticas completas”.
(...)
O “livro proibido” deixava claro que os novos governos tinham sido antecipados por modelos ditatoriais e totalitaristas e que eles já sinalizavam a conjuntura marcada por estados em permanente beligerância.
A rigor já se podia prever que “burocratas, cientistas, técnicos, organizadores sindicais, peritos em publicidade, sociólogos, professores, jornalistas e políticos profissionais” tomariam posição de destaque nas sociedades emergentes. Em síntese, tratava-se de uma gente que pertencia à “classe média” que vivia de salários ou aos quadros mais elevados do operariado e havia sido formada pela estrutura marcada pela esterilidade da “indústria monopolista e do governo centralizado”.
Em comparação com os que ocupavam posições de poder no passado, pode-se dizer que os que assumiram a vanguarda administrativa eram menos dados a ostentações, estavam mais interessados pelo poder e não escondiam seu ódio pelos opositores, a quem pretendiam esmagar.
O modo de ser dos dirigentes assombraria as tiranias do passado, que eram vistas por eles como “frouxas e ineficientes”. Para o texto, os poderosos governantes de outrora não conseguiam se livrar das tendências liberais e acabavam permitindo aos súditos certa autonomia de raciocínio e crítica... Até mesmo os inquisidores da Igreja Católica do período medieval podiam ser considerados tolerantes se comparados com a classe dirigente que começava a chegar ao poder em meados da década de 1940.
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Ainda a respeito da menor eficácia dos tiranos do passado em exercer controle pleno sobre os governados, o conteúdo dava conta de que eles não possuíam os mecanismos que passaram a existir e que vinham sendo muito bem utilizados pelos novos poderosos...
Entre os instrumentos que favoreceram a maior manipulação da opinião pública, destacavam-se a imprensa, o cinema e o rádio. Mas nenhum deles superava a televisão com tecnologia transmissora e receptora... A instalação desse equipamento nos lares, departamentos de governo e ambientes de grande circulação tornou impossível a privacidade da vida particular.
Desse patrulhamento resultava que o governo conseguia manter sob rígida vigilância, e em tempo integral, todo cidadão que pudesse representar algum perigo para o sistema. Fortes aparelhos de propaganda e de repressão policial atuavam de modo a impedir que se formassem grupos rebeldes e cuidavam de coletar o máximo de informações a respeito de movimentações sediciosas.
Desse estado de coisas conclui-se que os governos estabelecidos na Oceania, Lestásia e Eurásia passaram a ter plenas condições de manter suas populações na mais completa submissão, e de estabelecer uma única forma de pensar.
(...)
Como podemos notar, o conteúdo do “livro proibido” que Winston estava lendo se fundamentava nos movimentos sociais históricos desde a antiguidade, passando pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, até as guerras mundiais do século passado...
Orwell faleceu no início de 1950... Obviamente ele refletiu sobre o desencadear da Segunda Guerra Mundial, as aberrações cometidas pelos fascistas, o início da Guerra Fria e o desencanto com o Stalinismo... Como não podia deixar de ser, o cenário geopolítico e os mecanismos de poder a partir dos anos 1950 “contido no livro proibido” se baseia em suas conjecturas.
(...)
O texto prosseguia tratando do período entre 1950 e 1970, quando ocorreram uma série de revoluções que alteraram a configuração social e fundaram a base da estrutura tirânica do IngSoc...
Logicamente a sociedade continuou a apresentar os estratos de sempre, as classes “alta, média e baixa”. Mas os que apareceram no topo, diferentemente dos privilegiados do passado, sabiam bem o que precisavam para se manterem no comando e abandonaram por completo toda e qualquer resolução que resultasse de impulsos instintivos.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

“1984”, de George Orwell - ideais de liberdade, igualdade e de sociedade fraterna inspiraram revoluções e embasaram legislações; advento da mecanização e possibilidades de organizações sociais igualitárias; as teorias socialistas passaram por muitas variações até o advento das filosofias totalitárias de Oceania, Lestásia e Eurásia; estagnação do progresso, congelamento da História e alteração do passado; sugerindo a retomada da hierarquização e autoritarismo, interrompendo o avanço do igualitarismo

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-de-livros.html antes de ler esta postagem:

De acordo com o “livro proibido”, enquanto a “classe alta” sempre defendeu a hierarquia como condição primordial da organização social, a “classe baixa” foi mantida em sua condição miserável, de labuta constante e na ilusão de que seria recompensada no “além-túmulo” por sua subserviência pacífica.
Em nenhum momento a “classe média” deixou de almejar a condição de superioridade. Em seus históricos movimentos propagou ideais de “liberdade, justiça e fraternidade”. Neste ponto percebe-se a referência aos movimentos liderados pela burguesia e mais notadamente à Revolução Francesa. Essa e outras revoluções, embora contrárias a tiranias, resultaram na imposição de outras.
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Na sequência, o texto fazia referências ao Socialismo, sobre sua sistematização durante o século XIX, influências nos ideais rebeldes da antiguidade e vertentes relacionadas a utopias.
Desde o início do século XX surgiram muitas variantes do Socialismo... O livro destacava que conforme o tempo passou, “liberdade e igualdade” que eram prerrogativas do modelo deixaram de ser prioritárias e praticamente foram abandonadas pelos ideólogos. Já na metade do século, o mundo assistiu aos movimentos que tinham intenção deliberada de “perpetuar a desliberdade e a desigualdade”. IngSoc da Oceania, Neobolchevismo da Eurásia e “Adoração da Morte” da Lestásia surgiram desses movimentos.
Como não podia deixar de ser, as três filosofias e suas respectivas ideologias conservaram denominações e fundamentos de movimentos mais antigos, todavia caracterizaram-se pela intenção de “deter o progresso e congelar a história num dado momento”. Assim, pretenderam paralisar o ciclo de confronto das classes e manter a estrutura de poder sem qualquer ameaça... A partir de então a “classe alta” passou a manter sua posição de modo permanente.
(...)
Os teóricos das “novas doutrinas” inspiraram-se no conhecimento histórico e aprofundaram a ideia de “sentido histórico”, tornando o movimento cíclico inteligível... Em comparação com os estudos desenvolvidos no século anterior, isso representou uma conquista imensurável já que possibilitou a introdução dos mecanismos de “alteração do passado”.
Mais que isso, no início do século XX ninguém podia chamar de absurdas as ponderações a respeito da possibilidade de “igualdade humana”, já que isso era “tecnicamente possível”. Obviamente as questões relativas às aptidões e talentos natos permanecem e favorecem determinadas especializações que acabam beneficiando os que os detém, mas já não se podia dizer que as distinções de classe e as fortunas destoantes tivessem “razão de ser” ou que fossem necessárias como no passado.
(...)
De fato, em tempos passados houve quem defendesse as distinções sociais, algo que diziam ser necessário e até desejável... Dizia-se que “a civilização resulta em desigualdades”. O caso é que, com a mecanização das produções, essa premissa passou a ser questionada e refutada.
Ainda que os diferentes ofícios e ocupações exijam competências específicas, a sociedade industrial não impediu que os agentes de produção e profissionais das mais diversas áreas vivessem o mesmo nível social e econômico. Os grupos que ambicionavam chegar ao poder, não viam a questão da igualdade como primordial... bem ao contrário, passaram a entendê-la como “um perigo que tinha de ser evitado”.
Em épocas mais antigas, quando não se vislumbrava o advento da “sociedade justa e pacífica”, a questão da igualdade era constantemente debatida e tornou-se uma das principais causas dos movimentos sociais... Eram tempos em que se acreditava que os grupos humanos pudessem viver com base nas relações “de fraternidade, sem leis nem trabalho brutal”. Essa idealização empolgou a muitos durante centenas de anos.
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O “livro proibido” prosseguia na análise a respeito dos ideais dos teóricos das sociedades e a defesa da liberdade, igualdade e harmonia. As revoluções inglesa, norte-americana e francesa foram impulsionadas por tais ideais e a reorganização das sociedades passou pelas sugestões de vasta bibliografia, assim, estabeleceram-se legislações que favoreceram novas condutas “dentro de limites especificados”.
No momento mesmo em que as idealizações a respeito de sociedades perfeitas pareciam se concretizar, teóricos da ciência política e outros pensadores desenvolveram críticas ferrenhas às que haviam sido fundadas nos movimentos de final do século XVIII... A partir dos anos 1930 e inícios da década de 1940 surgiram correntes que faziam escancarada defesa de modelos baseados na hierarquização e no autoritarismo.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 23 de outubro de 2021

“1984”, de George Orwell - de livros agradáveis que trazem conteúdos com os quais concordamos; esgotada pelo trabalho da semana, Júlia chega ao quarto; o dia termina em agradável, Winston quer prosseguir a leitura e compartilhá-la com a namorada; no pátio os afazeres da mulher proletária parecem não ter fim; retomando o primeiro capítulo a respeito das divergências entre as três classes que compõem a sociedade desde os primórdios

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-limites-da.html antes de ler esta postagem:

Depois da primeira longa parte de leitura, Winston achou que o “livro proibido” havia sido escrito por alguém que pensava como ele... A diferença era que devia se tratar de um tipo bem inteligente, “mais sistemático e menos medroso”. Gostou do conteúdo, e avaliou que os livros que achamos mais interessantes são os que anunciam o que já sabemos.
Abriu novamente o primeiro capítulo, mas antes que voltasse a ler ouviu os passos de Júlia ao subir a escada. Não haviam se encontrado durante a Semana de Ódio e certamente estavam com saudades um do outro...
Assim que entrou, a moça atirou sua bolsa de ferramentas no chão e envolveu-se nos braços do namorado. Ele foi dizendo que havia recebido o prometido livro... Ela respondeu sem demonstrar muito interesse e se ajeitou para preparar um café.
(...)
O casal se acomodou na cama... Júlia trazia o cansaço do trabalho e necessitava de uma boa soneca. O entardecer era propício, já que a atmosfera era das mais agradáveis. O frescor do fim do dia levou-os a puxar a colcha.
Winston notou que a vizinha acabava de começar a tarefa de pendurar panos no varal e cantar animadamente... Com tal frequência a mulher trabalhava naquele tanque que parecia ser parte natural do pátio. O rapaz pensou sobre isso ao mesmo tempo em que retomava o livro com a intenção de estudá-lo com Júlia... Disse-lhe que também ela precisava ler como todos os que faziam parte da “Fraternidade”. A moça estava com os olhos cerrados e disse sonolenta que gostaria de ouvi-lo em sua leitura, pois podia aproveitar e explicar os trechos.
(...)
Eram seis da tarde quando Winston abriu a página do Capítulo I: “Ignorância é Força”.
Releu a parte inicial que fazia citações a respeito das três classes sociais que habitam o mundo desde o início de sua história, “alta, média e baixa”, sobre o modo como os estudiosos costumam subdividi-las. Na sequência, perguntou à Júlia se permanecia acordada e atenta à leitura... Ela confirmou, disse que estava ouvindo e pediu que continuasse, pois estava achando “maravilhoso”.
Winston continuou na parte a respeito da permanência das três classes apesar das muitas agitações históricas. Cada uma segue com objetivos próprios e irreconciliáveis em relação às outras. Basicamente a “classe alta” pretende manter-se no topo, a “média” ambiciona tomar a posição da alta, enquanto a “baixa” (que raramente se articula em torno de um objetivo, pois passa a vida “esmagada pela monotonia do trabalho cotidiano” e apenas eventualmente toma consciência sobre a realidade externa à própria existência) pretende acabar com as distinções e estabelecer uma sociedade igualitária.
(...)
O “livro proibido” ensinava que a História está marcada pelos conflitos que se repetem e são cíclicos... Por tempos de longa duração a “classe alta” se mantém hegemônica e estável no poder, mas sempre chega o momento em que os mandatários sofrem abalos que muitas vezes se relacionam à falta de confiança ou porque já não se veem capazes de se manter no comando... Eventualmente as duas coisas ocorrem simultaneamente e então a “classe média” toma o poder. Nesses momentos, os principais agentes da mudança conseguem convencer a “classe baixa” de que também lutam por liberdade e justiça... Logo que atinge seus objetivos, a “classe média” torna-se “alta” e devolve a “classe baixa” à sua miserável condição.
Por algum tempo vive-se a estabilidade, mas as desavenças recomeçam... O caso é que das três, a “classe baixa” é a única que jamais obtém qualquer êxito, ainda que temporário, em seus objetivos.
(...)
Na sequência, o capítulo primeiro esclarecia que apesar da permanente luta de classes, a História não deixa de apontar os progressos de ordem material e até podia se constatar que as condições físicas dos seres humanos haviam melhorado muito com o passar dos séculos... Isso à parte, não se constatou que crescimento da riqueza, mudanças de comportamento, reformas ou revoluções tivessem favorecido a igualdade humana. Assim, para a “classe baixa”, as transformações só resultaram na alteração dos que ditam as ordens.
Em fins do século XIX, teóricos dos movimentos sociais apontaram o caráter cíclico do desenvolvimento da História e definiram a desigualdade como “lei inalterável da vida humana”. Isso não quer dizer que traziam uma novidade para os estudiosos, até porque muitos já pensavam dessa maneira, todavia o modo como expuseram a tese representava “uma transformação significativa”.
Desde os tempos mais antigos a “classe alta” já defendia a necessidade de se garantir a organização social a partir da hierarquia... Reis, nobres, membros do clero, magistrados e aristocratas que, de acordo com o texto, eram os verdadeiros “parasitas sociais”. A “classe baixa”, além de submetida a uma labuta constante, jamais dera conta de que passava por processos de aliciamento com “promessas de recompensa num imaginário além-túmulo”.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

“1984”, de George Orwell - limites da realidade vivenciada pelos povos dos três impérios; tipos completamente alienados como “criaturas interestrelares” e acomodadas perante a estrutura de poder absolutista; minimamente armados e estruturados para a “falsa guerra”; os sentidos da “guerra irreal” e o combate aos súditos; entendendo o lema “Guerra é Paz”; Winston interrompe a leitura, reconsidera a confortável condição no quarto sobre a loja de antiguidades e avalia o conteúdo do “livro proibido”

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Para o autor do “livro proibido”, que Winston acreditava ser Emmanuel Goldstein, os que viviam dominados pelos três grandes impérios experimentavam da realidade apenas as pressões da vida cotidiana, como a necessidade de se alimentar, ter onde morar e o que vestir, cuidar para não ingerir produtos nocivos à vida ou sofrer algum acidente mais grave... Sabiam diferenciar as situações que se relacionavam à vida ou à morte e ainda o que podia proporcionar dor ou prazer. Mas era apenas isso.
Essa limitação podia ser explicada pelo fato de as pessoas não terem qualquer contato com a realidade do mundo exterior, o modo de viver nos demais impérios, ou com o passado... Podemos dizer que um tipo que vivesse na Oceania (isso valia também para os da Lestásia e Eurásia) era como uma criatura do “espaço interestelar”, que nada sabe a respeito das direções “para baixo ou para cima”. Essa condição ainda mais se reforçava na medida em que o país possuía governo absolutista de concentração de poder muito maior do que os do antigo Egito ou os dos césares da Roma imperial.
Os potentados dos três impérios não se importavam demasiadamente com as condições dos habitantes, mas buscavam colocar em ação certas medidas para evitar a mortandade excessiva... Basicamente limitavam-se a este esforço ao mesmo tempo que cuidavam para que o aparato e técnicas militares permanecessem no mesmo nível dos oponentes. Tratava-se de um nivelamento “por baixo”, caracterizado pelo “mínimo necessário”.
Uma vez atingida a estabilidade em relação aos rivais, internamente, as lideranças políticas podiam atuar na distorção da realidade, moldando-a como bem entendessem.
(...)
A “guerra permanente” mantida pelos três impérios podia ser considerada uma farsa, uma “impostura” mantida como “assunto puramente interno”. O livro a comparava aos embates de certos animais dotados de chifres que, por mais que se debatam, jamais chegam a se ferir dramaticamente.
Apesar de “irreal”, a “guerra moderna” não era completamente “sem sentido”, e isso porque ela promovia a destruição do excedente dos bens de consumo, além de manter sempre presente a ideia de que a hierarquia social é extremamente necessária.
A respeito das guerras que ocorreram até o final da década de 1940, o livro deixava claro que as lideranças das nações beligerantes podiam chegar ao ponto de reconhecer interesses comuns e, a partir deles, definir limites à destruição. Mas era certo que se empenhavam nos combates, que os vitoriosos impunham condições aos vencidos, e estes sabiam que suas terras seriam saqueadas.
Para o “livro proibido”, as guerras que se seguiram não mais foram de embates de “uns aos outros”, já que os grupos dominantes de cada império passaram a se dedicar a combater aos “próprios súditos”. Assim, já não se almejavam territórios de adversários ou se pretendiam evitar invasões, mas “manter intacta a estrutura da própria sociedade”.
Essa “nova situação” nos levaria a considerar que talvez a palavra “guerra” sequer fosse apropriada para caracterizar os eventos belicosos, pois, tendo se tornado “contínua”, a guerra “deixou de existir” e de pressionar os seres humanos como ocorreu desde os primórdios até a primeira metade do século XX. Por mais paradoxo que possa parecer, se os três grandes impérios deixassem de “guerrear” e acertassem uma “paz perpétua” - em que cada um tivesse suas fronteiras reconhecidas e respeitadas pelos demais - daria no mesmo. O fato é que continuariam como “universos em si mesmos” e livres das ameaças externas.
Do anteriormente exposto, concluía-se que “guerra permanente” e “paz permanente” resultariam na mesma conjuntura... Então podia-se compreender de modo mais claro o “o significado profundo do lema do Partido: ‘Guerra é Paz’”.

(...)

Uma bomba-foguete estourou em alguma área da região habitada pelos proles... Winston interrompeu a leitura e voltou a pensar a respeito da satisfação que podia sentir por poder ler sossegadamente no quarto localizado acima da loja de antiguidades de Charrington, onde não existia teletela e tanto o silêncio quanto a mobília simples lhe proporcionavam aconchego.
Respirou fundo e considerou a solidão do momento, a segurança e o próprio cansaço dos muitos dias de trabalho durante a Semana de Ódio... Pensou em sua condição privilegiada por poder se acomodar na cadeira macia e sentir a brisa que soprava desde a janela.
Pensou sobre o que havia lido até então e avaliou que o conteúdo era dos mais interessantes, pois chamava a atenção e transmitia-lhe certa tranquilidade... Principalmente porque não lera nada sobre o qual já não conhecesse ou tivesse ideia. Isso o atraía porque sentia que poderia formular as mesmas considerações... Apenas teria de imprimir certa ordem às próprias reflexões de pouco embasamento.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“1984”, de George Orwell - filosofias que legitimavam a ideologia vigente em cada um dos três impérios; semelhanças e equilíbrio de forças, impossibilidade de desfecho numa guerra sem fim; a negação da realidade e o bom-proveito extraído dessa impossibilidade para os impasses com os inimigos; as guerras antigas e o foco na “realidade física” e busca da excelência bélica; guerra contínua e sem vitoriosos, decadência do espírito inventivo; eficácia dos aparelhos de repressão do indivíduo e controle da “verdade oficial”

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/10/1984-de-george-orwell-respeito-da.html antes de ler esta postagem:

Cada império possuía uma filosofia que justificava a ideologia e o poder vigente, além de definir a ética que cabia aos cidadãos... IngSoc era a filosofia da Oceania; na Eurásia era o Neobolchevismo; na Lestásia, o povo era fiel a uma doutrina que tinha denominação chinesa e que podia ser traduzida por “Adoração da Morte” ou, de acordo com o “livro proibido”, “Obliteração do Ego”.
As populações eram impedidas pelos dirigentes de conhecer os fundamentos das filosofias dos impérios rivais, além de receber formação avessa a elas. Desse modo aprendiam a considerá-las inferiores, bárbaras e inadequadas à moralidade.
(...)
O “livro proibido” dava conta de que não havia diferenças entre as três filosofias e tampouco se notavam diferenciações nas estruturas sociais dos impérios. Em cada um deles havia um chefe supremo, cultuado como se divino fosse... Também a Economia voltada para a manutenção da “guerra permanente” era comum às três potências.
Inferia-se desse “estado de coisas” que nenhuma delas podia se sair vencedora do conflito internacional... Aliás, não havia qualquer vantagem nisso, pois a tensão continuada impossibilitava qualquer trama contrária ao sistema. Desse modo, o texto do “livro proibido” podia garantir que, enquanto continuavam em conflito, (os três impérios) “amparavam-se uns aos outros, como três fuzis num sarilho”.
As lideranças de cada uma das potências tinham plena consciência do que os adversários planejavam e faziam, mas ao mesmo tempo davam a entender que ignoravam suas ações... Assim podiam dar prosseguimento aos seus projetos de conquista do mundo sem deixar de fomentar o estado de “guerra sem fim e sem vitória”.
Uma das principais características do IngSco e das filosofias dos impérios rivais era a “negação da realidade”. Não há dúvida de que o estado de pânico que se criara em torno de uma conquista inimiga, que não tinha qualquer possibilidade de ocorrer, contribuía para esse tipo de “anulação/negação da realidade”.
(...)
O texto retomava a ideia de que o “estado de guerra contínua” havia alterado o caráter das guerras como as que se haviam conhecido até o final da década de 1940. Como já se salientou anteriormente, todos esperavam que mais cedo ou mais tarde os conflitos bélicos se encerrassem com a vitória de uma das partes.
Diferentemente do que vinha ocorrendo, as guerras anteriores proporcionavam certo contato das sociedades “com a realidade física”. Os líderes políticos até trabalhavam de forma a iludir seu povo em relação a um “falso panorama de estabilidade externa”, mas jamais permitiam que essa tarefa comprometesse os programas voltados para a “eficiência militar”. Tais esforços se justificavam na medida em que todos sabiam que a eventual derrota no campo militar contribuiria para o domínio externo e a perda da autonomia.
Por esses motivos a “luta contra a derrota” era uma das principais marcas das guerras do passado. Isso exigia uma constante avaliação dos “fatos físicos” e, como o “livro proibido” sugeria, não se tratava das interpretações filosóficas, religiosas, da ética ou da política, nas quais “dois e dois podem ser cinco”. Na realidade física, aquela da guerra que terminava com o êxito de uns e a derrota de outros, os planos de construção de equipamentos de destruição pertenciam à lógica do “dois e dois somam quatro”. Concluía-se facilmente que os países que vacilassem em relação à eficiência bélica baseada na “realidade física” seriam derrotados... Assim sentenciava-se que “a luta pela eficiência era inimiga das ilusões”.
Um dos requisitos para a referida eficiência era o conhecimento sobre o passado... Era preciso saber o que os tempos idos tinham a informar. Evidentemente os objetos de pesquisa eram jornais e livros, e esses certamente continham pontos de vista parciais, todavia não havia os mecanismos de falsificação que se verificaram posteriormente, como os praticados no Ministério da Verdade.
(...)
No passado, a possibilidade de guerra tornava as classes dirigentes mais atentas... Todos sabiam que os que estavam no topo da sociedade seriam responsabilizados ou enaltecidos de acordo com a derrota ou sucesso ao final dos conflitos. Portanto, o exercício de tomadas de decisão a respeito das guerras consistia em si mesmo uma “salvaguarda da saúde mental” das classes dominantes.
Mas a guerra havia se tornado “contínua” e com isso “deixou de ser perigosa”. Se tornou “indefinida” e a necessidade de se estabelecer táticas desapareceu, contribuindo para o desaceleração do progresso técnico... Em consequência da nova mentalidade dirigente, até os “fatos mais palpáveis” puderam ser “negados ou desprezados”.
Ainda em relação a afirmações anteriores, dessa vez a respeito do conhecimento científico, o “livro proibido” retomava a ideia de que o investimento nos projetos voltados às invenções e construção de equipamentos bélicos tiveram continuidade, porém sem grandes expectativas a respeito da concretização ou eficácia final.
Aliás, o texto insistia que na Oceania nada era eficiente, a não ser a Polícia do Pensamento, sempre muito adequado a praticas as perversões mentais contra os cidadãos. E isso não era um “privilégio” da Oceania, pois cada um dos grandes impérios podia ser considerado um “universo à parte” no contexto de “guerra permanente” em que eram invencíveis.
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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