Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/08/1984-de-george-orwell-tendo-trabalhado.html antes
de ler esta postagem:
Logo no início da conversa a respeito de
Katherine, Winston admirou-se com a rapidez de Júlia ao tirar conclusões
certeiras... Como a jovem podia saber até mesmo aquele detalhe a respeito da
“relação enquanto dever para com o Partido”?
Ela foi explicando que
“também estivera na escola” e que as “maiores de dezesseis” tinham “aulas de
sexo uma vez por mês”, além disso, o Movimento Juvenil tratava de completar a
doutrinação sexual das garotas durante longos anos. A maioria delas seguia as
orientações à risca, e esse certamente era o caso de Katherine, mas Júlia podia
dizer que sempre há as que apenas disfarçam.
Ela falou a respeito, pois tinha experiência e opinião, já que “tudo
girava em torno da própria sexualidade”. Winston reconheceu que, melhor do que
ele, Júlia havia percebido “o sentido íntimo do puritanismo sexual do Partido”.
O Partido simplesmente não podia controlar as muitas intencionalidades que
derivavam do instinto sexual e por isso trabalhava para destruí-lo, além de
impor a privação “que provocava a histeria” canalizada para “a febre guerreira
e adoração dos chefes”.
Ainda de acordo com Júlia,
as relações baseadas no amor consomem energia, mas levam a uma satisfação
desprendida de qualquer preocupação... Naturalmente o Partido não admitia que
as pessoas se sentissem assim, já que pretendia que todos estivessem a ponto de
“estourar de energia”, e a todo momento... De fato, os intermináveis desfiles,
a adoração ao Grande Irmão, “os Planos Trienais e os Dois Minutos de Ódio” se
encaixavam nessa observação e eram tão mais exagerados quanto mais as pessoas
fossem sexualmente reprimidas.
E ela disse mais...
Argumentou que quando o sujeito está satisfeito e feliz consigo mesmo não vê
motivos para se envolver com toda aquela “maldita burrice”.
(...)
Winston acabou concordando
que “havia uma ligação direta e íntima entre a castidade e a ortodoxia
política”. Pensou que, em outras palavras, o Partido eliminava o instinto
sexual e desse modo incutia “medo, ódio e credulidade lunática” nos seus
membros.
Também o instinto da
paternidade foi manipulado pelo Partido... Por motivos óbvios, a família não
era abolida, e os pais eram levados a uma dedicação amorosa aos seus filhos.
Por sua vez, estes recebiam a doutrinação partidária para espionar os pais e
denunciar seus crimes.
Podemos dizer que cada
família acabava se tornando, na figura das crianças doutrinadas, “uma extensão
da Polícia do Pensamento”. Onde podiam encontrar delatores mais eficientes do
que entre as crianças?
Este raciocínio, e ainda o calor que estava fazendo, levaram-no a pensar
novamente em Katherine. Para ele, era certo que o denunciaria, e só não o fez
porque sua limitação intelectual não lhe permitira reconhecer “a heresia dos
pensamentos”.
(...)
Ele decidiu contar à Júlia a respeito de uma ocasião em que estivera com
Katherine num passeio comunal em Kent, quando fazia uns três ou quatro meses
que estavam casados... A tarde era de muito calor e acabaram se perdendo do
grupo.
Ao tomarem caminho diverso, acabaram chegando
num precipício à beira de uma mina de calcário antiga. O local era perigoso e
qualquer deslize podia resultar em queda de uns dez ou vinte metros sobre
rochas imensas... E o caso é que o local estava deserto, assim não havia a quem
pudessem consultar para reencontrar o pessoal.
Tudo indicava que tinham se
perdido, então Katherine ficou nervosa também porque julgou que haviam feito
mal ao se separarem do grupo apenas porque o mesmo era muito ruidoso. Ela
sugeriu retornarem às carreiras por determinada trilha, mas no mesmo momento
ele havia notado umas flores que despontavam numas fendas do rochedo. As flores
deviam ser bem raras, já que da mesma raiz surgiam duas belas colorações
(“maravilha e tijolo”). Sua reação foi chamar a esposa para que também pudesse
contemplá-las.
Sua curiosidade a fez voltar da trilha que estava disposta a seguir, e
até a se inclinar perigosamente sobre a grande rocha para observar melhor.
Winston contou que sua primeira reação foi a de segurá-la pela cintura para que
não se acidentasse... Mas depois considerou que estavam sós no ambiente e que
dificilmente haveria ali um microfone dos aparelhos de repressão; e mesmo se
houvesse capturaria apenas sons.
O calor era insuportável e
chegava a provocar sonolência. Ele explicou que sua testa “estava banhada em
suor” assim como no momento mesmo em que conversavam na torre da igreja, e que
lhe passou pela cabeça uma ideia... Antes que terminasse a frase, a garota
perguntou-lhe por que não empurrara Katherine para o precipício. E emendou que
em seu lugar teria feito isso mesmo.
Winston respondeu que tinha
certeza de que ela o faria... Explicou que também ele, se fosse naquela ocasião
“a pessoa que havia se tornado tempos depois”... Mas podia ser que não tivesse
a coragem.
Júlia
quis saber se ele lamentava por não a ter empurrado numa oportunidade tão
propícia. Sim, ele afirmou que “de certo modo, foi uma pena”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/09/1984-de-george-orwell-ao-mesmo-tempo.html
Leia: “1984”. Companhia Editora Nacional.
Um
abraço,
Prof.Gilberto