domingo, 28 de fevereiro de 2021

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – visconde de Bonald contra a Revolução e a Declaração, favorável ao fortalecimento da Igreja Católica e à restauração; atuação contra os direitos e pela censura; sobre as movimentações das tropas napoleônicas e a propagação dos direitos; emancipação dos judeus, avanços e retrocessos ao tempo das guerras napoleônicas; um líder contrário às liberdades na França e aos sediciosos das colônias nas Antilhas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_25.html antes de ler esta postagem:

O Visconde de Bonald se colocou contra a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos... Ainda em sua opinião, a Declaração levava as pessoas a relaxarem em relação aos deveres, pois concentravam seus esforços a exigir direitos e a possibilidade de realizar “desejos individuais”... Como a Declaração não colocou termo às ansiedades individualistas e proporcionou o descaso aos deveres, a França se encaminhou “direto à anarquia, ao terror e à desintegração social”.
Para o filósofo conservador, seria necessário que a Igreja Católica recuperasse a importância que havia perdido. A monarquia “restaurada e legítima” a protegeria e assim os “princípios morais verdadeiros” voltariam a ser inculcados na população.
Bonald tornou-se considerado entre os mais conservadores e, logo que a dinastia dos Bourbon foi reinstalada, tomou a frente do processo de revogação dos direitos, como as leis do divórcio. Ele também encabeçou a defesa da volta da censura aos textos antes de sua publicação.
(...)
As conquistas militares francesas ao tempo da República e de Napoleão foram propícias à
divulgação da Revolução... A mensagem sobre os direitos seguiu em meio ao avanço imperialista e à truculência bélica. Foi assim que os franceses influenciaram a abolição da tortura na Suíça e na Holanda (1798)... O mesmo ocorreu na Espanha em 1808, quando o trono estava ocupado pelo irmão de Napoleão.
Depois da derrota de 1814, e a partir das restaurações, as alterações introduzidas foram revogadas. A tortura foi reintroduzida tanto na Suíça quanto na Holanda... Já o rei da Espanha decidiu restabelecer a Inquisição, que recorria às torturas em seus processos.
A questão judaica também foi abalada por onde as tropas francesas passaram ou se instalaram... Entre os povos que sofriam a invasão havia sempre quem relacionasse a emancipação concedida aos judeus à atuação das tropas imperialistas... Muitos “bandoleiros” engajados no combate aos franceses se articulavam para ataques agressivos contra os judeus.
Os judeus foram emancipados, todavia, após o fim das guerras napoleônicas, os poderes políticos restaurados eliminavam os direitos concedidos à minoria religiosa. Isso ocorreu em estados da Itália e Alemanha, mas nos Países Baixos a emancipação aos judeus foi mantida.
(...)
As iniciativas de Napoleão em relação aos direitos não garantiam o exercício em sua totalidade e eventualmente podiam ser aplicados a uma região e indeferidos a outra. O livro destaca que ”a tolerância religiosa e direitos políticos e civis iguais” foram introduzidos por ele nos diversos locais onde governou, todavia, na França, limitou a liberdade de expressão e foi inflexível em sua perseguição à imprensa.
De acordo com o próprio Napoleão:

                   “os homens não nascem para serem livres. (...) A liberdade é uma necessidade sentida por uma pequena classe de homens a quem a natureza dotou com mentes mais nobres do que a massa dos homens. Consequentemente, ela pode ser reprimida com impunidade. A igualdade, por outro lado, agrada às massas”.

Ainda de acordo com Napoleão, os franceses não aspiravam “a verdadeira liberdade”... Eles pretendiam obter as condições que os levassem “ao topo da sociedade” e desprezariam os direitos políticos se isso assegurasse a “igualdade legal”.
(...)
Em relação à escravidão, Napoleão não titubeou...
Logo que percebeu certa folga nos conflitos na Europa (1802), enviou tropas ao Caribe para combater as sedições de escravos. De início não deixou claro quais eram as suas intenções, pois isso poderia agitar ainda mais os rebelados, mas um dos generais (seu cunhado) levava orientações precisas para “ocupar pontos estratégicos”, controlar a região e “perseguir os rebeldes sem piedade”. Os negros deviam ser desarmados, as lideranças seriam presas e enviadas à França... Dessa forma poderia restaurar a escravidão.
Para Napoleão, espanhóis, ingleses e americanos também não aceitariam o estabelecimento de “uma república negra”. Como sabemos, em Saint Domingue, a repressão napoleônica, apesar da matança de 150 mil negros, foi derrotada e a independência do Haiti foi vitoriosa...
Em outras colônias, as tropas de Napoleão massacraram os insurgentes. Segundo Lynn Hunt, “um décimo da população de Guadalupe foi morta ou deportada”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 27 de fevereiro de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – reis do Congo após a morte de D. Álvaro II até 1641; de violências e breves reinados; fim da União Ibérica, “reinado” de Garcia II, acertos com D. João IV e avanços de Angola; D. Antonio do clã dos Kinlaza, trágica guerra contra portugueses e angolanos; esfacelamento do Congo e do antigo projeto de monarquia cristã aliada no combate ao avanço árabe


Após a morte de Álvaro II ocorreu uma transição...
É que o duque de Bamba assumiu o poder até que Mpangu Nimi Lukeni lua Mbemba, irmão do finado rei, pudesse “ocupar o trono” em 1615 com o nome cristão de D. Bernardo II. Este governou por pouco tempo, já que no mesmo ano foi assassinado por Mvika a Pangu lua Mbemba, seu sobrinho (cujo nome cristão foi D. Álvaro III).
D. Álvaro III permaneceu por sete anos no poder... O livro cita seis outros “reis” do Congo após 1622:

                   * D. Pedro II Afonso – Mbemba a Mvika lua Ntumba a Mbemba, de 1622 a 1624;
                   * D. Garcia I Afonso – Mbemba a Nkanga Ntinu, de 1624 a 1626;
                   * Ambrósio I, de 1626 a 1631;
                   * D. Álvaro IV, que assumiu o trono aos treze anos e permaneceu no poder até 1636;
                   * D. Álvaro V, que governou por apenas seis meses e foi assassinado ainda em 1636;
                    * D. Álvaro VI, de 1636 a 1641.

(...)
Salientamos anteriormente que o período acima foi de condições muito desfavoráveis ao Congo e à sua gente...
Em 1640 ocorreu o fim da União Ibérica e, com D. João IV, Portugal passou pelo processo de Restauração. No território africano, Nkanga a Lukeni, D. Garcia II, foi elevado à condição de chefe de seu povo... Mesmo tendo se colocado à disposição para ajudar os holandeses em suas investidas na região, esse rei conseguiu firmar acordo de paz com D. João IV, o que lhe possibilitou permanecer no poder até 1661...
Contribuiu para isso o entrevero em Luanda (Angola), ocupada pelos holandeses desde 1641... Um dos agravantes era a “propagação do protestantismo” pelos invasores. D. João IV logo considerou a importância dos antigos aliados cristãos do Congo. Após a expulsão dos holandeses, Congo e Angola receberam especial atenção do rei português, que tratou de estabelecer a paz.
Apesar do reconhecimento demonstrado por D. João IV, a ideia de uma “reabilitação da monarquia no Congo” inspirada no antigo projeto e no “modelo europeu” não vingou.
O sucessor de D. Garcia II foi certo D. Antonio, que pertencia ao clã dos Kinlaza (ou ainda Ne Nlaza) e passou para a história como o “rei” que colocou fim à interesseira contribuição portuguesa à política institucional da África”.
Aconteceu que todos entenderam a estratégia de Portugal de, a partir de Angola, avançar para o interior do Congo a fim de explorar minas... Então, a 13 de julho de 1665, o rei D. Antonio convocou guerreiros par o combate aos “pretendidos invasores”. Cerca de cem mil congoleses estavam aptos para lutar.
(...)
O confronto teve início e, de fato, o rei do Congo formou grande exército... A batalha que definiu a guerra ocorreu a 29 de outubro de 1665, a noroeste de Luanda, em Ambuíla, junto ao rio Loje na altura em que ocorre a confluência com o Lifume. Cerca de 400 portugueses de Angola apoiados por seis mil negros impuseram massacrante derrota aos congoleses, pois contavam com poderosas armas de fogo. D. Antonio acabou morto e decapitado junto com um de seus filhos.
De acordo com o livro, este acontecimento pode ser apontado como um marco para o “começo do fim” do projeto português de um reino cristão na África, protetorado e aliado no combate ao avanço árabe pelo continente... O “reino” do Congo sofreu um esfacelamento. A notícia sobre as supostas minas no interior levou os clãs a lutas por áreas diversas... Até mesmo a capital, São Salvador, foi tomada por chefes ávidos de poder e riquezas. Fragmento de “D. Afonso I, rei do Congo”, de Antonio Lourenço Farinha, evidencia o anteriormente exposto:

                   “tempos houve, para maior infortúnio, que não existia chefe a dirigir o desditoso reino, mas nalguns anos governavam dois a três reis simultaneamente, funcionando as capitais neste ou naquele marquesado ou condado, por impossibilidade de fixarem residência, livres e sossegados, em São Salvador, onde todos pretendiam estabelecer a Corte ao mesmo tempo”.

Depois foi a desintegração... O mesmo Lourenço Farinha diz que, em 1694, a desolação chegara a tal estado que “os lobos, onças e leões ali (na capital) podiam passar muito à vontade”...
A partir de D. Antonio, o Congo teve “uma nova linhagem de ‘reis’ locais”. Esses pertenceram à linhagem (dinastia) dos Kinlaza (ou Ne Nlaza) e se sucederam por mais de duzentos anos.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – D. Álvaro I, sucessor de D. Diego; luta contra os jagas e auxílio de D. Sebastião; início da União Ibérica, enfraquecimento de Portugal e implicações para o Congo; de Angola, as pressões do donatário Paulo Dias de Novais; tentativa de aproximação diplomática com a Santa Sé; Mpangu a Nimi, o D. Álvaro II da proposta de tornar o Congo um feudo do papa; agravamento das condições humanas no território africano


Como sabemos, os jagas, que eram um belicoso povo nômade, invadiram a capital do Cango, São Salvador. Houve destruição e o então rei, D. Diogo, tornou-se exilado com outros parentes na ilha dos Cavalos. Entre esses, estava Nimi Lukeni lua Mbemba, que viria a se tornar rei em 1567 e ficou conhecido por seu nome cristão, D. Álvaro I.
Então o início de seu reinado foi marcado pela luta contra os jagas... Apenas em 1570 é que, graças ao auxílio militar enviado pelo monarca português D. Sebastião, D. Álvaro pôde deixar o exílio. Isso resultou em uma obrigação tributária devida pelos congoleses, o “preço da paz”, em pagamento a Portugal...
Tinhorão diz que o rei do Congo se tornou vassalo do monarca português... E como por ironia, D. Sebastião, que morreu em 1578 na batalha de Alcácer Quibir, levaria os portugueses a se tornarem vassalos dos reis espanhóis, a partir da formação da União Ibérica (1580-1640; união de Portugal e Espanha; governada pelos reis Felipes da Espanha).
(...)
Com a União Ibérica, o “reino cristão” do Congo também sofreu conturbações políticas. Primeiro
porque o rei africano foi praticamente ignorado pelo “aliado europeu” que, com o domínio espanhol, havia se enfraquecido. Segundo porque teve início uma forte pressão dos traficantes de escravos em suas exigências por maior liberdade de ação... E mais... Desde Angola, o donatário Paulo Dias de Novais adotava postura agressiva que em pouco tempo fez da colônia mais ao sul uma adversária e significativa concorrente dos congoleses. Novais levou em consideração, e a consequências extremadas, as ações para destruir a importância do Congo.
Esse contexto de revezes levou D. Álvaro I do Congo a buscar apoio diplomático... Ele enviou embaixadores à União Ibérica com a expectativa de receber ajuda de Portugal, que estava, como sabemos, fragilizado e governado pelos espanhóis. Também enviou embaixadores a Roma esperando uma intervenção papal... Tais iniciativas deram em frustradas, já que seus delegados acabaram assaltados e mortos por corsários.
O reinado de D. Álvaro terminou com a sua morte em 1587. Sua sucessão foi marcada pelas tradicionais desavenças familiares. Mpangu a Nimi, filho do rei com uma escrava, tratou de derrotar um “irmão rival” e de combater com rigor a trama urdida por uma de suas irmãs.
(...)
Este Mpangu a Nimi foi reconhecido rei e sucessor de D. Álvaro I, reinou sobre o Congo com o nome cristão de D. Álvaro II e, basicamente, procurou reforçar a “posição interna de independência”. Em relação a essa determinação, sofreu ataques dos comerciantes portugueses e de Angola. No campo externo, D. Álvaro II tomou a iniciativa de buscar um entendimento com Roma e sugeriu “tornar o Congo um feudo” da Santa Sé “com a garantia para ele do título de majestade”.
Sobre a tentativa de estreitamento dos laços do Congo com a Santa Sé, o livro destaca que D. Álvaro II determinou uma “embaixada diplomática ao papa”... Segundo o próprio rei, a missão não podia ser entregue a qualquer cristão, por isso decidiu que o “chefe religioso do Congo, Antonio Manuel ne Vunda” deveria seguir para Roma. Também isso resultou em frustrado...
Aconteceu que a comitiva enviada foi atacada por piratas no Mar Mediterrâneo... Além disso, por motivos não esclarecidos, demorou-se demasiadamente na Península Ibérica... A chegada a Roma deu-se apenas em 1608 e foi marcada pelo falecimento de Antonio Manuel ne Vunda dias depois do desembarque e algumas horas após ter sido recebido pelo papa... Registre-se que, apesar desse infortúnio, a missão apresentou-se ao papa Paulo V e falou-lhe sobre as propostas e pedidos de D. Álvaro II.
A respeito da iniciativa do rei do Congo em sua radical aproximação diplomática com o papa, podemos dizer que ela foi pouco produtiva. De positivo para o Congo, a Santa Sé nomeou “o cardeal de Santa Cecília como protetor” do país africano em 1613... Um ano depois D. Álvaro II morreu.
(...)
O fim do reinado de D. Álvaro II ocorreu numa época em que, como podemos depreender, as iniciativas de tornar o Congo mais autônomo em relação ao aliado europeu e independente dos agentes portugueses envolvidos no comércio e tráfico de escravos fracassaram. Piratas franceses e holandeses atuavam na região e já não havia esperança de que Portugal (submisso à Espanha) pudesse enviar qualquer ofensiva...
Este quadro contribuiu para “a degradação social e violência humana” já marcada pelo comércio de escravos.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – questão da nacionalidade nas discussões dos defensores dos direitos e entre os que valorizavam a sociedade hierárquica tradicional; críticas de Edmund Burke aos avanços dos direitos impulsionados pelos revolucionários e à Declaração francesa; vaticínio sobre uma época de violência; a fase do Terror na França e o crescimento da oposição à revolução e aos direitos; críticas de John Robinson e do Visconde de Bonald

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/02/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_18.html antes de ler esta postagem:

Após a queda de Napoleão, que para muitos marca o “fim da era revolucionária”, a questão do nacionalismo tornou-se fundamental para os debatedores dos direitos. O chamado período revolucionário (1789-1815) conheceu o confronto de duas “autoridades”: os “direitos do homem” e a “sociedade hierárquica tradicional”. Ambas levantavam suas premissas invocando sua legitimidade no contexto de nação e identidade sem relacioná-las a conteúdos de etnicidade.
Os que defendiam os “direitos do homem” não os vinculavam à nacionalidade... Os direitos “não dependiam de nacionalidade”. Assim, falava-se de direitos levando-se em consideração que eles deviam ser aplicados a “todo homem”, ou seja, havia uma conotação mais “universal”...
De modo diferente pensavam os que se alinhavam ao pensamento de Edmund Burke, para quem a nação era resultado da estrutura vigente na “sociedade hierárquica”. Nesse sentido, o direito de liberdade, por exemplo, “só podia ser garantido por um governo arraigado na história de uma nação, com ênfase na história”. De acordo com este pensamento, é na história da nação se conhecem as tradições mais arraigadas, de onde nascem os direitos... E, ainda segundo essa vertente, apenas a partir delas (as tradições e práticas mais antigas) é que os direitos poderiam funcionar.
Para Burke, a declaração aprovada pelos franceses “não tinha força emocional suficiente para impor obediência”... Argumentava-se basicamente que os defensores dos “direitos do homem” desprezaram “a importância da tradição e da história”, já que a defesa que faziam sustentava-se em “abstrações metafísicas”. De modo jocoso, o filósofo provocava ao questionar como podiam comparar os “pedaços miseráveis de papel borrado” (as atas da assembleia e a própria Declaração) ao:

                   “amor a Deus, ao amor reverente aos reis, ao dever com os magistrados, à reverência aos padres e à deferência para com os superiores”.

Já que os revolucionários defensores dos “direitos do homem” desdenharam de toda tradição, teriam de lançar mão da violência para garantir o poder... Burke fazia essas observações ainda em 1790, no calor mesmo da empolgação dos franceses com o princípio da revolução... Passaram-se três anos, o Terror foi instalado e o rei terminou degolado... As palavras de Burke pareciam antever o arquivamento da Declaração e o derramamento de sangue dos que foram enquadrados como inimigos.
(...)
Como vimos em postagens anteriores, os acontecimentos de 1789 na França, e notadamente a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, foram enaltecidos pelos defensores dos direitos em toda Europa e nos Estados Unidos. Mas, de fato, os acontecimentos de 1793-1794 provocaram uma divisão na opinião pública. Como não podia deixar de ser, as monarquias se posicionaram contra a execução do rei francês e a instauração da República...
O livro destaca que Thomas Paine foi julgado por um tribunal que o considerou “culpado de sedição por atacar a monarquia hereditária na segunda parte de ‘Os direitos do homem’”... Não lhe restou alternativa a não ser fugir da Inglaterra e instalar-se na França. Aliás, o governo inglês iniciou forte campanha de oposição e perseguição a todos os que defendiam os ideais revolucionários franceses.
(...)
Também nos Estados Unidos houve pressão sobre a ideia de defesa plena dos direitos. Em 1798 o Congresso “aprovou a Lei dos Estrangeiros e da Sedição para limitar as críticas ao governo americano”. A instabilidade social e política que envolveu a atmosfera francesa outrora carregada de esperanças num modelo em que se valorizava as liberdades individuais e os direitos, provocou desconfianças e críticas abertas às mudanças mais drásticas.
O livro cita John Robinson, professor de filosofia natural em Edimburgo, e seus comentários de 1797 que, em síntese, atacavam...

                   “essa máxima maldita, que agora ocupa toda mente, de pensar continuamente em nossos direitos e exigi-los ansiosamente de toda parte”.

Para Robinson, as sedições políticas na Escócia e a instabilidade resultante da guerra entre a França e seus vizinhos na Europa podiam ser entendidas a partir da “obsessão dos direitos” que se verificava por toda parte e ameaçava seriamente o velho mundo.
Havia críticos dos direitos ainda mais radicais do que o citado Robinson... Os monarquistas contrarrevolucionários obviamente eram os mais exaltados. Um deles, Louis de Bonald, filósofo declaradamente contrário ao Iluminismo, dizia que:

                   “a revolução começou com os direitos do homem e só terminará quando os direitos de Deus forem declarados”.

Para o Visconde de Bonald a declaração dos direitos só podia ter sido resultado da “má influência” do movimento iluminista e carregava em seu bojo outras perversidades como “o ateísmo, o protestantismo e a maçonaria”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Ópera de Três Vinténs” – peça de Bertold Brecht musicada por Kurt Weill – retomando o filme; Peachum se enfurece ao saber que Polly se casou com Mac Navalha; é preciso evitar que os negócios sejam ameaçados pelo “bandido comum”; a Senhora Peachum sabe onde procurar o Navalha e sugere denunciá-lo à polícia; Tiger Brown se percebe em delicada situação e reconhece que a ameaça da marcha de mendigos é uma possibilidade real e pode representar sua demissão


Peachum se enfureceu depois de ouvir as novidades que Polly contou... Andava de um lado para o outro no pequeno quarto enquanto a moça pedia ajuda à mãe para tirar o vestido do casamento. De repente ele disparou que ela devia se divorciar imediatamente.
Ela não se abalou com a fúria de seu pai... De pé e de costas para a mãe que a auxiliava no desabotoar do vestido, respondeu que não podia se divorciar porque amava ao Mac Navalha. Peachum reagiu dizendo que “esquentaria o traseiro” da filha, que disse que isso não adiantaria porque “o amor é maior do que um traseiro esquentado”. No mesmo instante a Senhora Peachum deu-lhe um leve tapa na boca.
(...)
Pai e mãe se retiraram do quarto... Peachum desceu a escada amargurando o fato de a terem mimado com roupas e tudo o mais que a agradava. A principal questão que o atormentava era a aproximação de Mac Navalha, um bandido comum, do seu “negócio honesto”. A única saída que vislumbrou foi a de enforcá-lo. A Senhora Peachum o corrigiu dizendo que o melhor seria entregá-lo à polícia.
Mas como faria isso se não sabia onde o bandido se escondia? A mulher respondeu que podia ajudar... Sabia que ele não saia do convívio junto às “vadias em Turnbridge Alley”.
Ela se retirou... Ele permaneceu pensativo na escada.
(...)
Neste ponto podemos destacar algumas observações...
O filme não dá qualquer ênfase a visitas anteriores do Navalha à casa de Peachum. Como vimos, no texto da peça, Dona Célia (a Senhora Peachum) revela ao marido que o pretendente de Polly era um cavalheiro dos mais simpáticos e até as convidara para um jantar elegante.
O velho Peachum mantem o seu “negócio” à margem da lei, no entanto se coloca como “cidadão de bem” ameaçado por um bandido... Se num primeiro momento dá a entender que resolverá a pendenga pelos próprios meios, passa a levar em consideração a possibilidade de recorrer à Justiça. E é isso o que fará com o incentivo e ajuda da esposa.
(...)
Na cena seguinte vemos Jackie Tiger Brown em seu escritório... Ele parece atormentado, fuma agitadamente e percorre o ambiente de modo agitado. Sabemos que ele tem motivos oficiais e “ocultos” para se preocupar.
É que diante dele estava o casal Peachum, que acabava de apresentar sua reivindicação em relação ao Navalha... O chefe de polícia disse que a polícia nada podia fazer. O pai de Polly disparou que se era assim, o tira podia esperar consequências que resultariam em “terrível injustiça” para ele. Em outras palavras, o “rei dos mendigos” fez uma ameaça direta ao Tiger Brown.
O homem ainda mais se agitou e quis saber o que exatamente poderia acontecer com ele... Por umas três vezes perguntou ao velho, “como assim, uma terrível injustiça?”  Peachum foi direto ao ponto e disse que, se o chefe de polícia não prendesse e enforcasse Mac Navalha, haveria um escândalo durante as festividades de coroação da rainha, e isso certamente lhe custaria o emprego.
Na sequência, o “rei dos mendigos” adiantou que faria um “exército de mendigos marchar em homenagem à rainha”. Eles se juntariam aos milhares na igreja, e isso não seria uma visão nada agradável ou festiva, pois uma aglomeração de mendigos não é atraente...
Tiger Brown ouviu com atenção e temor... Não escondeu o seu embaraço e improvisou uma reação dizendo que, se a ameaça se concretizasse, teria de escorraçar os miseráveis. Peachum esbravejou que o espancamento de dois mil miseráveis durante a coroação não seria nada bom.
O tira tremeu da cabeça aos pés... Sentou-se sem acreditar no que acabara de ouvir. Sim, a visão era revoltante e o velho estava no comando da situação. Ele se levantou e perguntou se estava sendo ameaçado. Uma chantagem! Procurou atabalhoadamente o sino com o qual chamaria os homens para retirar o casal da sala, e como não encontrou pegou o telefone para solicitar ajuda... Mas desistiu dando a entender que não gostaria mais de ouvir impertinências...
Peachum disse que não era criminoso e que se tratava apenas de um pobre homem. Neste ponto, Brown se aproximou argumentando que também ele e seus subordinados eram pobres. Pegou a mão do velho e disse que tinha certeza de que ele sabia que o homem só poderia ser enforcado se fosse capturado. A Senhora Peachum adiantou-se para declarar que sabia onde podia encontrá-lo, pois “uma sogra tem o dever de saber onde seu genro pode ser preso”.
O chefe de polícia mostrou-se novamente embaraçado enquanto a mulher completava que Mac só podia estar “com as mulheres em Turnbridge Alley”. Brown perguntou, “o quê?”
Por essa ele não esperava. A tela escurece...
Leia: “A ópera de três vinténs”. Editora Paz e Terra.
Indicação do filme (14 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto

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