segunda-feira, 17 de maio de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – vinhos cigarros e revelações de Sintès sobre suas iniciativas de vingança contra a amante; amigos “de meio duvidoso” sugeriram-lhe “marcá-la”; a ideia da carta e o pedido para que o vizinho a redigisse; por camaradagem, Meursault escreveu a carta conforme a expectativa do Raimundo Sintès; agora, tarde da noite, já eram amigos e esvaziaram a garrafa

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/o-estrangeiro-de-albert-camus-raimundo.html antes de ler esta postagem:

Raimundo Sintès, o vizinho malvisto pelos moradores do bairro e dado a golpes de pugilista, falou ao Meursault a respeito do entrevero que tivera com o irmão de sua amante e contou-lhe detalhes a respeito da suspeita sobre a mulher que, em sua opinião, o enganava desperdiçando seu dinheiro com futilidades, além de o trair com aproveitadores.
Como sabemos, o tipo surrou-a... Por considerar que Meursault “conhece a vida”, entendia que ele podia ajudá-lo com conselhos. Em retribuição, oferecia-lhe sua amizade.
(...)
Sintès ajustou o candeeiro... Meursault continuou a ouvi-lo enquanto tomava do vinho. O rapaz sentia que já havia bebido muito e que as fontes lhe queimavam. Estava sem cigarros e fumava os que o anfitrião oferecia. A noite já ia avançada e os últimos bondes passavam ruidosamente pela rua principal e se afastavam para as áreas mais distantes do bairro.
Raimundo Sintès explicou que, apesar da briga com a mulher e de querer castigá-la mais ainda sentia “necessidade física dela”. Disse que havia pensado em algumas providências, como a de “levá-la a um hotel e chamar a polícia de costumes para provocar um escândalo e ser-lhe passada uma carta de profissional”. Deu a entender que esse “recurso oficial” não cabia porque afinal de contas seu relacionamento com a mulher “não era oficial”.
Angustiado, e querendo resolver o caso, buscou ajuda com “amigos que pertenciam a um meio duvidoso”. Aconteceu que os tipos não tinham ideia de como ajudá-lo ou orientá-lo de alguma maneira. Ao se referir a eles, Sintès exclamou sua contrariedade em relação... Pertenciam ao “meio duvidoso”, mas sequer tinham ideias!
Confessou que dissera isso mesmo aos amigos, que se dispuseram a “marcá-la”. Sintès não explicou o que queriam dizer com “marcá-la”, mas certamente se tratava de algum castigo. Depois perguntou ao Meursault o que ele estava pensando da história que lhe contava... Este respondeu que “não pensava nada”, embora a achasse “muito interessante”.
O vizinho quis saber se ele achava também que a amante o havia enganado. Meursault respondeu que parecia que sim... E ao ser perguntado se estava certo ao querer castigá-la, e o que faria em seu lugar, respondeu que “nunca se podia saber” e que “compreendia que ele a quisesse castigar”.
(...)
Meursault tomou um pouco mais do vinho... Sintès passou a contar-lhe “a ideia que tinha em mente”.
Disse que pretendia escrever uma carta à amante... Basicamente registraria frases “uma no cravo e outra na ferradura”, dando a entender que escreveria sobre situações positivas e outras negativas da relação. Sintès imaginava que a mulher voltaria e então “teria relações com ela”. No fim daria cusparadas em sua cara e a expulsaria. O que Meursault pensava?
O rapaz respondeu que seria “um bom castigo”... Foi então que Sintès disse que não se sentia capaz de escrever a carta e que estava pensando que o vizinho pudesse redigi-la em seu lugar. Meursalt nada disse, então o outro foi perguntando se ele não podia fazer ali mesmo enquanto conversavam.
Meursault não colocou qualquer senão e imediatamente Sintès tomou um copo de vinho, afastou pratos e limpou a toalha da mesa. Na sequência providenciou “uma folha de papel quadriculado, uma pequena caneta vermelha e um tinteiro quadrado de tinta roxa”.
O tipo foi falando o nome da mulher e o escrevente logo percebeu que devia tratar-se de uma moura. A redação fluiu “ao acaso” e Meursault aplicou-se para atender a necessidade do vizinho, “pois não tinha razão nenhuma para não o contentar”... Por fim leu a carta a ele.
(...)
Sintès ouviu a leitura enquanto fumava... Demonstrando que aprovava, balançou a cabeça diversas vezes. Pediu nova leitura para enfim sentenciar que estava certo ao calcular que o rapaz conhecia “bem a vida”. Depois, em tom mais familiar, disse que a partir de então o escrevente se tornava seu amigo... Repetiu a afirmação e Meursault respondeu apenas que “está bem”.
Meursault era indiferente a respeito de ser ou deixar de ser amigo do outro... Respondeu o “está bem” apenas porque o tipo parecia fazer questão. A carta foi dobrada e os dois esvaziaram a garrafa de vinho... Fumaram mais alguns cigarros sem trocar palavras.
A certa altura ouviram o ronco de um automóvel... Meursault disse que já era bem tarde... Sintès concordou e emendou que o tempo havia passado depressa.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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