sexta-feira, 28 de maio de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – sobre a queda do prestígio do Congo para os interesses portugueses na África; mudanças nas festividades de coroação de rei do Congo; criação de reis africanos angolanos simbólicos em Portugal; fragmentos de “A herança africana em Portugal” a respeito de grande baile com a participação da “rainha do Império do Congo”, a “Mãe Joana”; dos títulos nobiliárquicos concedidos por Dona Jacinta, inclusive a Camilo Castelo Branco, e de eventos sociais promovidos por ela


Ainda na primeira metade do século XIX, as festas públicas de coroação de rei e rainha do Congo, bem como as danças, desfiles e encenações que lembravam as origens africanas, tornaram-se mais escassas em Portugal. Em vez dos ambientes abertos, as cerimônias de coroação passaram a ocorrer em locais fechados, “num ambiente quase de clube social recreativo”.
Isso coincidiu com o declínio da importância do Congo para Portugal em suas investidas na África... As novas oportunidades de exploração em Angola levaram os portugueses a se dedicarem a traçar planos “políticos, econômicos e missionários” para a localidade.
O livro destaca fragmento satírico do “Folheto de Ambas Lisboa”, nº 7, do mês de setembro de 1730, no qual, em “linguagem africana, um rei Angola convida um ‘rei Mina’” para uma festividade que ocorreria no “adro da Igreja do Salvador”, na Alfama:

                   “Seoro compadra Re Mina Zambiampum taté: sabe vozo, que nossos fessa sà Domingo, e que vozo bade vir fazer os forgamenta”.

Sugere-se aí que também os angolanos levados para Lisboa se organizaram em comunidades e criaram “seus reis simbólicos particulares”.
(...)
O surgimento de “novos reinados de reis africanos” em Portugal não ofuscou totalmente a tradição dos cristãos congoleses da Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos...
Em “A herança africana em Portugal”, Isabel Castro Henriques descreve um “Baile do Congo” que ocorreu “na rua da Barroca, Lisboa” no ano de 1857. Sem citar fonte específica, a professora destaca que a “rainha do Império do Congo”, conhecida como “Mãe Joana” chegou ao evento acompanhada de suas damas numa formosa caleche. Então:

                   “ao entrar na sala cumprimentou os convidados, e dirigiu-se depois a um altar, convenientemente preparado onde fez oração, e em seguida tomou assento no trono e aí deu beija-mão aos seus fiéis súditos”.

Ainda segundo Isabel Castro Henriques:

                   “o baile esteve animadíssimo, segundo conta um curioso desses divertimentos, havia pretinhas vestidas com muita elegância, e algumas gentis e engraçadas; polcou-se e valsou-se e tudo acabou com um ‘cotillon batuque’”.

(...)
Em 1862, outra “rainha do Congo” em Portugal, “a preta Jacinta”, destacou-se por conceder títulos nobiliárquicos a “vários súditos” e tornou-se conhecida por atribuir o de “marquês” a Camilo Castelo Branco.
O próprio romancista registrou o fato em “Excelentíssimos senhores”, crônica de 1874 que consta do “volume IV da série ‘Noites de insônia’”. Sua redação ironizava as considerações “de um especialista em formas de tratamento a detentores de títulos nobiliárquicos”. Para este, a condes e viscondes “bastava ‘senhoria’”, apesar de entender que, particularmente, até esse tratamento já se configurava em exagerado.
O livro apresenta fragmento da referida crônica de Camilo Castelo Branco:

                   “Mas ele não sabia que eu, desde 1862, sou marquês, agraciado por sua majestade negra D. Jacinta, rainha do Congo, muito minha senhora e ama. Que Deus conserve”.

(...)
Também sobre a movimentação social promovida por D. Jacinta, a professora Isabel Castro Henriques destacou matéria do “Jornal do Comércio, de Lisboa, de 11 de outubro de 1867”, a respeito da convocação para a “missa na Igreja de Santa Joana” do dia 17 do mesmo mês (dia de Nossa Senhora do Rosário), seguida por (a convocação):

                   “três bailes do estilo, que hão de ser dados na casa sita na rua de São Marçal nº 78 nos dias 12, 13 e 14 do corrente mês – Paço na rua de Pedro Dias nº 17, em 11 de outubro de 1867 – Rainha D. Jacinta I”.

Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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