sábado, 14 de fevereiro de 2015

“Os Mandarins”, de Simone de Beauvoir – conversa franca no Café Society; teriam chegado ao limite da “convivência possível”? afinal, a condição de Anne e seus vínculos em Paris contavam mais (ou menos) na devoção de Lewis?

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir-ao.html antes de ler esta postagem:

Lewis e Anne conversavam com toda sinceridade a respeito de seus sentimentos e analisavam como entendiam a relação... Ele insistia que as vontades dela prevaleciam sobre as dele, e que sua condição era a de quem tinha de se “subordinar” em benefício da convivência... De sua parte, Anne rejeitava aquela interpretação e garantia que nada exigia.
Ela estava conhecendo melhor o amado... Concluiu que uma “vida em comum” era praticamente insuportável para ele... Ao mesmo tempo em que estranhara suas palavras hostis, notava que também ele sofria com algumas incertezas.
(...)
O diálogo no Society prosseguiu...
Lewis continuou com sua convicção e procurou exemplificar para mostrar que a sua forma de pensar não era sem fundamento... Disse que os encontros dependiam sempre da vontade e disponibilidade de Anne...
E acrescentou que quando conseguiam ficar juntos era ele quem tinha de garantir a “felicidade perfeita”.
(...)
Anne ouviu com atenção... Fez o exercício de reflexão natural dos psicanalistas...
Ela concluiu que as iniciativas de Lewis (o retorno antecipado a Nova York – recorrendo à mentira; a estadia na propriedade de Murray na companhia de seus familiares) funcionavam como “represálias”... Ele estava magoado porque ela se recusava a “ficar para sempre” com ele (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_6.html).
(...)
Lewis disse que não estava sentido com ela... Não guardava nenhum rancor... Apenas considerava que “não se deve pedir mais do que se dá”...
Essas palavras indicam que Anne tinha razão... Ela insistiu que ele estava sentido, e acrescentou que estranhava o fato de ele ter mudado muito desde que haviam se entendido tão bem em Chichicastenango... Afinal, o que se passou? Ele havia dito que se a situação de Anne fosse diferente (numa referência à sua condição de mulher com vida profissional e familiar estabelecida na França) ele não a amaria tanto... Ora, se era assim que ele pensava, então podiam ser felizes!
Anne falou-lhe sobre essa sua interpretação... Lewis respondeu que, na ocasião, dissera o que ela queria que ele dissesse. Explicou que teria dito muitas outras coisas, mas ela se pôs a chorar...
Não havia como não aceitar aquelas palavras... Anne se recordava perfeitamente do modo como se atirou ao ombro do amado... Lembrava-se do fogo na lareira, do seu choro de felicidade e do ambiente romântico que os envolvia.
Como que a se explicar, ela disse que havia sido uma situação muito tensa para ela... Contou que chegou a temer perdê-lo... Lewis disse que tinha concluído isso mesmo e que, até por isso, não disse mais nada na ocasião... Ele destacou que não se esqueceu de que ela ficara aliviada... E emendou que a sequência dos acontecimentos foi marcada pela sua confiança de que poderia “levá-lo para onde bem quisesse”.
(...)
Essas últimas palavras de Lewis quase levaram Anne a uma nova “sessão de choro”... Ela mordeu os lábios para evitá-la... Em seus pensamentos reconstituiu toda a cena: Lewis em seu roupão branco; a lareira; o tapete; a chuva contra a vidraça... E a “convicção” de que “estavam unidos para sempre”... Agora podia entender o quanto fora egoísta ao se satisfazer em arrancar-lhe as palavras que só contemplavam as expectativas dela.
Encheu-se de coragem para perguntar o que ele teria dito se ela não caísse no choro... Lewis respondeu que diria que não se pode amar uma pessoa que “não nos pertence inteiramente” do mesmo modo que nos devotamos àquela que “nos pertence inteiramente”.
Havia uma contradição aí! É por isso que Anne observou que, na ocasião, ele dissera exatamente o contrário (não a amaria tanto se sua condição fosse diferente)... Lewis questionou se “os sentimentos são capazes de se contradizer”.
Anne via dificuldades em pretender um mínimo de lógica à discussão... De súbito, perguntou se ele não a amava como outrora... Ele respondeu que já não via tanta importância no amor como antes.
Ela quis saber se, então, a sua presença ali contava algo... Tanto fazia se permanecesse ou se partisse imediatamente?
Lewis respondeu que, de fato, era mais ou menos assim que percebia a situação...
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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