Lewis e Anne conversavam com toda sinceridade a respeito de seus sentimentos e analisavam como entendiam a relação... Ele insistia que as vontades dela prevaleciam sobre as dele, e que sua condição era a de quem tinha de se “subordinar” em benefício da convivência... De sua parte, Anne rejeitava aquela interpretação e garantia que nada exigia.
Ela estava conhecendo melhor o amado... Concluiu que uma “vida em comum” era praticamente insuportável para ele... Ao mesmo tempo em que estranhara suas palavras hostis, notava que também ele sofria com algumas incertezas.
(...)
O diálogo no Society
prosseguiu...
Lewis continuou com sua convicção e procurou
exemplificar para mostrar que a sua forma de pensar não era sem fundamento...
Disse que os encontros dependiam sempre da vontade e disponibilidade de Anne...
E acrescentou que quando conseguiam ficar juntos era ele quem tinha de
garantir a “felicidade perfeita”.
(...)
Anne ouviu com atenção... Fez o exercício de reflexão
natural dos psicanalistas...
Ela concluiu que as iniciativas de Lewis (o retorno antecipado a Nova
York – recorrendo à mentira; a estadia na propriedade de Murray na companhia de
seus familiares) funcionavam como “represálias”... Ele estava magoado porque
ela se recusava a “ficar para sempre” com ele (ver http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_6.html).
(...)
Lewis disse que não estava sentido com ela... Não guardava nenhum
rancor... Apenas considerava que “não se deve pedir mais do que se dá”...
Essas palavras indicam que Anne tinha razão... Ela insistiu que ele
estava sentido, e acrescentou que estranhava o fato de ele ter mudado muito
desde que haviam se entendido tão bem em Chichicastenango... Afinal, o que se
passou? Ele havia dito que se a situação de Anne fosse diferente (numa
referência à sua condição de mulher com vida profissional e familiar estabelecida
na França) ele não a amaria tanto... Ora, se era assim que ele pensava, então
podiam ser felizes!
Anne falou-lhe sobre essa sua interpretação... Lewis respondeu que, na
ocasião, dissera o que ela queria que ele dissesse. Explicou que teria dito
muitas outras coisas, mas ela se pôs a chorar...
Não havia como não aceitar
aquelas palavras... Anne se recordava perfeitamente do modo como se atirou ao
ombro do amado... Lembrava-se do fogo na lareira, do seu choro de felicidade e
do ambiente romântico que os envolvia.
Como que a se explicar, ela
disse que havia sido uma situação muito tensa para ela... Contou que chegou a
temer perdê-lo... Lewis disse que tinha concluído isso mesmo e que, até por
isso, não disse mais nada na ocasião... Ele destacou que não se esqueceu de que
ela ficara aliviada... E emendou que a sequência dos acontecimentos foi marcada
pela sua confiança de que poderia “levá-lo para onde bem quisesse”.
(...)
Essas últimas
palavras de Lewis quase levaram Anne a uma nova “sessão de choro”... Ela mordeu
os lábios para evitá-la... Em seus pensamentos reconstituiu toda a cena: Lewis
em seu roupão branco; a lareira; o tapete; a chuva contra a vidraça... E a “convicção”
de que “estavam unidos para sempre”... Agora podia entender o quanto fora
egoísta ao se satisfazer em arrancar-lhe as palavras que só contemplavam as
expectativas dela.
Encheu-se de coragem para perguntar o que ele teria dito se ela não
caísse no choro... Lewis respondeu que diria que não se pode amar uma pessoa
que “não nos pertence inteiramente” do mesmo modo que nos devotamos àquela que “nos
pertence inteiramente”.
Havia uma contradição aí! É
por isso que Anne observou que, na ocasião, ele dissera exatamente o contrário
(não a amaria tanto se sua condição fosse diferente)... Lewis questionou se “os
sentimentos são capazes de se contradizer”.
Anne via dificuldades em pretender um mínimo de lógica
à discussão... De súbito, perguntou se ele não a amava como outrora... Ele
respondeu que já não via tanta importância no amor como antes.
Ela quis saber se, então, a sua presença ali contava algo... Tanto fazia
se permanecesse ou se partisse imediatamente?
Lewis respondeu que, de fato, era mais ou menos
assim que percebia a situação...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/02/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_16.html
Leia: Os Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto