quarta-feira, 2 de junho de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – mais sobre o curto “reinado de Dona Jacinta; informações do marquês do Revivento a respeito da duvidosa condição de “rainha do Congo” ostentada por D. Joana Inácia da Conceição; declínio das festividades “do Congo” em Portugal; fragmentos de Pedro de Azevedo a respeito das manifestações de irmandade de negros na Lisboa de fins do século XIX; a respeito de coroações de reis africanos no Brasil, variações e “reis angolas” no Recife; fragmentos de “Os sons dos negros no Brasil”, de Tinhorão


Como vimos na última postagem, a rainha do Congo D. Jacinta I mereceu destaque por conceder títulos nobiliárquicos, inclusive a Camilo Castelo Branco, e por promover eventos sociais anunciados com pompa...
O “Jornal do Comércio de 11 de outubro de 1867”, por exemplo, anunciou a convocação da rainha para a missa da Igreja de Santa Joana que ocorreria no dia de Nossa Senhora do Rosário (17 de outubro), além dos três bailes que a antecederiam (dos dias 12, 13 e 14 de outubro) na rua de São Marçal.
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Depois dessa festividade, D. Jacinta não teve muito mais tempo como rainha... O texto destaca que em fins da década de 1860, o marquês de Revivento, da Confraria do Rosário do Convento de Santa Joana, declarou ao jornalista Ribeiro Guimarães, na condição de procurador geral do Reinado, que a rainha do “Império do Congo” (já) era Dona Joana Inácia da Conceição, “que dividia a coroa com um príncipe regente Antonio Joaquim”.
Aliás, para o referido marquês, no caso de Dona Joana Inácia da Conceição, a condição de rainha não estava sendo plenamente aceita. É que, com base nos “papéis constitutivos do reinado do Congo, havia uma “condição essencialíssima”, que se exigia para que rei e rainha cingissem “a coroa do império”: “ser natural de uma das nações daquele reino africano”. E, de acordo com o procurador do reinado, não parecia ser o caso de D. Joana.
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Polêmicas à parte, o fato é que houve um declínio das manifestações relacionadas a “reinados do Congo” em Portugal. Apesar disso, em Lisboa elas não desapareceram completamente.
O texto destaca um fragmento de “Superstições portuguesas no século XVI”, de Pedro de Resende, que saiu na edição de 1899 da “Revista Lusitana”. O pesquisador esclarece que, apesar dos reveses sofridos, as associações dos negros reacendiam conforme novos eventos eram organizados.
De acordo com o autor:

                   “dissolvidos por vezes, ainda os pretos conseguiram renovar debaixo do tipo de irmandades, ou confrarias”... E mais:
                   “Há poucos anos, numa procissão que se verificou em Lisboa, ia uma irmandade composta de negros, com os seus santos e oragos de cor, e existe ainda na mesma cidade (Lisboa) uma rainha do Congo com a sua corte”.

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O último capítulo do livro começa esclarecendo que “em pelo menos 36 igrejas e 27 cidades” portuguesas formaram-se confrarias de Nossa senhora do Rosário dos Homens Pretos.
Em nota, o autor cita templos e localidades, além de destacar que, no país ibérico, as confrarias foram associações determinantes para a atuação dos negros nos eventos planejados para a “coroação dos reis do Congo”. Já para os atos públicos e bailes, elas recorriam a “clubes cívicos-recreativos”.
No Brasil, “a memória africana em Reinados do Congo” passou por transformações desde o final do século XVII e foi marcada por danças e cantigas. O livro esclarece que as festividades relacionadas à coroação dos “reis negros” lembravam as que ocorriam em Portugal.
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Desde 1654, ano que coincide com a expulsão dos holandeses do Nordeste, havia uma irmandade dos homens pretos no Recife.
Entre 1662 e 1667, a associação dedicou-se à construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Recife, onde realizaram-se cerimônias e festividades de coroação... Pelo menos entre 1674 e 1708 ocorreram coroações de “reis de Angola” e vez de “do Congo.
A este respeito, o autor destaca fragmentos de “Os sons dos negros no Brasil”, de sua autoria:

                   “O fato de os documentos de 1674 da Irmandade do Rosário referirem-se a reis dos Angolas e não a reis do Congo tem uma explicação: durante a ocupação holandesa na África, o reino do Congo afastou-se dos portugueses, chegando a declarar-lhes guerra duas vezes: a primeira em 1656, quando o rei D. Antonio Manimuzula foi derrotado por Diogo Gomes de Morales; a segunda em 1665, quando o mesmo rei do Congo, além de ser derrotado pela superioridade das armas dos portugueses, em Ambuíla, foi capturado e degolado*. Após essa vitória, os portugueses passaram a englobar sob o nome de Angola o antigo reino do Congo, o que era uma forma de apagar a importância do manicongo. Assim, é claro que, no Brasil, os negros não pudessem mais, ao menos durante algum tempo, sagrar orgulhosamente reis do Congo, e sim, como exceção forçada, apenas reis de Angola”.

Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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