Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_26.html antes
de ler esta postagem:
Vimos
que as festividades de coroação do rei e da rainha do Congo foram trazidas ao
Brasil, onde as alegres cerimônias transformaram-se “em fenômeno folclórico sob
os nomes de congadas, congos ou congados”.
A esse respeito, vale observar que os primeiros registros sobre a
“coroação de rei do Congo no interior de uma igreja do Rosário” dão conta de
que teria ocorrido no Brasil quinze anos antes das notas sobre evento similar
em Portugal. Estudos de documentação da Prefeitura do Recife realizados por
Luís da Câmara Cascudo para o seu “Made in África” apontaram que:
“Já em 1674 coroavam-se no Recife, na Igreja de Nossa
Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Antonio Carvalho e Angela Ribeira, rei e
rainha do Congo”.
Em “A herança africana em Portugal”, Isabel Castro
Henriques traz informações sobre a primeira festividade de coroação de rei do
Congo em Portugal. A pesquisadora debruçou-se sobre registros do
africanologista Cadorgena que aparecem em “Descrição de sua pátria Vila Viçosa
acabada no ano de 1689”.
De acordo com a historiadora:
Deve-se
provavelmente a Antonio de Oliveira Cadorgena a primeira descriminação de uma
festa religiosa em que participa uma confraria do Rosário na qual é confirmada
a presença de um rei e de uma rainha. A cena passa-se em Vila Viçosa em 1683,
sendo relatado pelo autor as ‘muitas festividades em que entrava a Confraria da
Senhora do Rosário dos pretos (que também tinham o seu dia) havendo rei e
rainha’”.
(...)
Graças aos espaços que conquistaram a partir das atividades da Confraria
de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, devidamente autorizados pelos
religiosos, os congoleses em Lisboa “ampliaram sua área de participação na vida
da cidade”.
A partir do culto a Nossa Senhora do Rosário, e da “coroação pública de
reis do Congo”, eles foram reconhecidos e admitidos em diversos eventos de
cunho religioso, como as procissões, “círios e romarias a locais sagrados (como
a Atalaia, no monte situado a poente da vila de Montijo, na margem esquerda do
rio Tejo)”.
Logo, a presença dos negros
nas procissões de Corpus Christi tornou-se marcante. O mesmo ocorreu em relação
às festas de Nossa Senhora do Cabo, realizada em terreiro “no alto de uma
escarpa da Serra da Arrábida voltada para o Atlântico”.
A respeito das festas em honra
à Nossa Senhora do Cabo, ressalta-se que era antecedida por ensaios exaustivos
a cargo de um “donato”, um leigo a quem a igreja incumbia a “função de juiz da
parte coreográfica da festa”.
(...)
Em
nota, o livro destaca que o Frei Lucas de Santa Catarina, no Tomo III do
periódico “Anatômico Jocoso”, na parte em que trata da “Entrada segunda para as
festas de Nossa Senhora do Cabo”, apresenta certo elogio de um donato/juiz a
determinada coreografia:
“Seu pretinho tem
você
Na
sua dança por certo
Trabalhado
como um moiro
E
servido como um negro;
Suou
bem, nenhum melhor
Dos
que examinado tenho
Com
o suor do seu rosto
O
pão da dança comerão”.
(...)
Em Portugal, diferentemente
do que ocorria no Brasil, os eventos em que os negros se manifestavam
coletivamente em coreografias festivas correspondiam basicamente às datas do
“calendário religioso (dias santos, festa dos oragos, procissões votivas,
comemorações natalinas)” e eram públicos de acordo com o entendimento,
autorização e fiscalização determinados pelas autoridades católicas. Já as
movimentações “lúdico-civis-profanas” aconteciam em ambientes reservados,
“quase domésticos”.
Pelo menos até a primeira metade do século XIX verificaram-se
manifestações públicas e festivas dos negros durante eventos religiosos em
Portugal. O livro cita fragmentos da crônica “rei do Congo”, na qual o presbítero
secular João Pedro Ribeiro dava seu testemunho sobre um “Reinado no Congo” que
existiu na cidade do Porto até 1835, mesmo ano em que tornava pública suas “Reflexões
históricas”.
Ribeiro, que desaprovava as procissões marcadas por “profanidades”, anunciava
que:
“Acabou,
porém já no Porto (em 1835) outra mascarada em que se representava a Corte de
El-Rei do Congo, com seu rei e rainha, com que os pretos se persuadiam render
culto a sua padroeira, a Senhora do Rosário: função muito apreciada dos
rapazes, e que durava três dias de julho”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_28.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto