quarta-feira, 26 de maio de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – Câmara Cascudo sobre coroação de rei e rainha do Congo no Recife em 1674, bem antes do evento de 1683 em Vila Viçosa; participação dos devotos de Nossa Senhora do Rosário em procissões e outros rituais religiosos em Portugal; o donato, “função de juiz da parte coreográfica” das festas dos negros; fragmentos do tomo III do periódico “Anatômico Jocoso” do Frei Lucas de Santa Catarina sobre o elogio de um donato a certo “passista”; fragmentos de João Pedro Ribeiro sobre as festividades de rei do Congo na cidade do Porto


Vimos que as festividades de coroação do rei e da rainha do Congo foram trazidas ao Brasil, onde as alegres cerimônias transformaram-se “em fenômeno folclórico sob os nomes de congadas, congos ou congados”.
A esse respeito, vale observar que os primeiros registros sobre a “coroação de rei do Congo no interior de uma igreja do Rosário” dão conta de que teria ocorrido no Brasil quinze anos antes das notas sobre evento similar em Portugal. Estudos de documentação da Prefeitura do Recife realizados por Luís da Câmara Cascudo para o seu “Made in África” apontaram que:

                   “Já em 1674 coroavam-se no Recife, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Antonio Carvalho e Angela Ribeira, rei e rainha do Congo”.

Em “A herança africana em Portugal”, Isabel Castro Henriques traz informações sobre a primeira festividade de coroação de rei do Congo em Portugal. A pesquisadora debruçou-se sobre registros do africanologista Cadorgena que aparecem em “Descrição de sua pátria Vila Viçosa acabada no ano de 1689”.
De acordo com a historiadora:

                   Deve-se provavelmente a Antonio de Oliveira Cadorgena a primeira descriminação de uma festa religiosa em que participa uma confraria do Rosário na qual é confirmada a presença de um rei e de uma rainha. A cena passa-se em Vila Viçosa em 1683, sendo relatado pelo autor as ‘muitas festividades em que entrava a Confraria da Senhora do Rosário dos pretos (que também tinham o seu dia) havendo rei e rainha’”.

(...)

Graças aos espaços que conquistaram a partir das atividades da Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, devidamente autorizados pelos religiosos, os congoleses em Lisboa “ampliaram sua área de participação na vida da cidade”.
A partir do culto a Nossa Senhora do Rosário, e da “coroação pública de reis do Congo”, eles foram reconhecidos e admitidos em diversos eventos de cunho religioso, como as procissões, “círios e romarias a locais sagrados (como a Atalaia, no monte situado a poente da vila de Montijo, na margem esquerda do rio Tejo)”.
Logo, a presença dos negros nas procissões de Corpus Christi tornou-se marcante. O mesmo ocorreu em relação às festas de Nossa Senhora do Cabo, realizada em terreiro “no alto de uma escarpa da Serra da Arrábida voltada para o Atlântico”.
A respeito das festas em honra à Nossa Senhora do Cabo, ressalta-se que era antecedida por ensaios exaustivos a cargo de um “donato”, um leigo a quem a igreja incumbia a “função de juiz da parte coreográfica da festa”.
(...)
Em nota, o livro destaca que o Frei Lucas de Santa Catarina, no Tomo III do periódico “Anatômico Jocoso”, na parte em que trata da “Entrada segunda para as festas de Nossa Senhora do Cabo”, apresenta certo elogio de um donato/juiz a determinada coreografia:

                                      “Seu pretinho tem você
                                      Na sua dança por certo
                                      Trabalhado como um moiro
                                      E servido como um negro;
                                      Suou bem, nenhum melhor
                                      Dos que examinado tenho
                                      Com o suor do seu rosto
                                      O pão da dança comerão”.

(...)
Em Portugal, diferentemente do que ocorria no Brasil, os eventos em que os negros se manifestavam coletivamente em coreografias festivas correspondiam basicamente às datas do “calendário religioso (dias santos, festa dos oragos, procissões votivas, comemorações natalinas)” e eram públicos de acordo com o entendimento, autorização e fiscalização determinados pelas autoridades católicas. Já as movimentações “lúdico-civis-profanas” aconteciam em ambientes reservados, “quase domésticos”.
Pelo menos até a primeira metade do século XIX verificaram-se manifestações públicas e festivas dos negros durante eventos religiosos em Portugal. O livro cita fragmentos da crônica “rei do Congo”, na qual o presbítero secular João Pedro Ribeiro dava seu testemunho sobre um “Reinado no Congo” que existiu na cidade do Porto até 1835, mesmo ano em que tornava pública suas “Reflexões históricas”.
Ribeiro, que desaprovava as procissões marcadas por “profanidades”, anunciava que:

                   “Acabou, porém já no Porto (em 1835) outra mascarada em que se representava a Corte de El-Rei do Congo, com seu rei e rainha, com que os pretos se persuadiam render culto a sua padroeira, a Senhora do Rosário: função muito apreciada dos rapazes, e que durava três dias de julho”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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