quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

“O Caso dos Exploradores de Cavernas” – ainda as considerações do juiz Foster; sobre o direito positivo e o alcance da ordem jurídica a grupo que se posicionaram para além do limite geográfico original de sua jurisdição – “estado sociologista”; companheiros de Whetmore sentiram-se na necessidade de constituir contrato que estabelecesse alguma ordem à realidade que vivenciaram isolados da comunidade; Carta Política elaborada após a “Grande Espiral” como principal fonte norteadora da ordem não haveria de ser a inspiração dos desafortunados da caverna?

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2024/01/o-caso-dos-exploradores-de-cavernas.html antes de ler esta postagem:

Foster prosseguiu sustentando que a proposição que indica que o direito positivo se fundamenta na “possibilidade de coexistência” e que anunciar essa obviedade era como fazer referência à importância do ar que respiramos (até esquecemo-nos de sua existência, mas a sua falta nos leva ao sufoco)... Pois o mesmo ocorre com o direito positivo, que em todos os seus ramos está voltado para “o sentido de facilitar e melhorar a coexistência dos homens e de regular com justiça e equidade as relações resultantes de sua vida em território comum”... A partir do momento em que o grupo de aventureiros vivenciou a condição “em que a conservação da vida só era possível pela privação da vida, as premissas básicas subjacentes a toda nossa ordem jurídica perderam seu significado e coercibilidade”.
Como que a introduzir a segunda premissa, Foster argumentou que se o caso da caverna “tivesse ocorrido a uma milha de distância” dos limites do país ninguém pretenderia aplicar a lei reguladora a ele. E isso porque a jurisdição está delimitada à base territorial em que a sociedade se desenvolve. A premissa é elementar a todos os que refletem acerca do Direito: “só é possível impor-se uma única ordem jurídica a um grupo de homens se eles vivem juntos nos limites de uma porção da superfície terrestre”. As regras jurídicas são elaboradas a partir deste princípio da convivência em uma mesma territorialidade.
Ele sustentou que razões de ordem moral e de “ordem geográfica” podem justificar a não aplicação coercitiva da ordem jurídica, e que os aventureiros, enquanto estiveram na caverna e “tomaram a trágica decisão”, localizavam-se muito distantes da “ordem jurídica como se estivessem a mil milhas, para além dos limites territoriais do país”. E mesmo fisicamente pode se afirmar o mesmo, já que “uma sólida cortina rochosa” os isolara.
Depois dessas palavras, o juiz Foster sentenciou que por ocasião do assassinato de Whetmore seus companheiros não se encontravam “em estado sociologista, mas em estado natural”. Disse isso admitindo que recorrera à “linguagem dos doutrinadores do século XIX”. E se assim era, o colegiado dos juízes não podia condená-los por qualquer crime. Até porque o que eles haviam feito havia sido acertado através do pacto proposto por Whetmore e aceito por todos. É como se tivessem compreendido a necessidade de “elaborarem uma Carta Constitucional que refletisse a nova ordem estatal em que se encontravam”.

(...)

Foster falou a respeito dos esforços dos “antigos pensadores” (entre 1600 e 1900) de definirem as bases dos governos a partir de supostos contratos sociais...
Admitiu que os céticos levantaram críticas à ideia, já que não podiam encontrar evidências científicas de que governos do passado haviam sido estabelecidos a partir de tais convenções... Por outro lado, os moralistas argumentaram que ao que tudo indica o pacto (contrato) parece fornecer a “única justificação ética para os poderes do estado, inclusive aquele de pôr fim à vida”. Daí os poderes do Estado só poderem “ser justificados moralmente”, já que isso levaria os “homens razoáveis a se posicionarem de acordo (com o contrato)” - e aceitar suas prerrogativas na medida em que “vislumbrassem a satisfação da necessidade de construir novamente alguma ordem capaz de tornar possível a vida em sociedade”.
A dúvida levantada pelos céticos não podia ser problema para os contemporâneos do “caso dos exploradores de cavernas”, já que “no ano de 4300” possuíam substanciosas comprovações de que o governo sob o qual se organizavam havia sido “fundado mediante acordo de homens livres” logo após a “Grande Espiral”, que dizimou grande parte da população... Os que sobreviveram se dispuseram a se reunir para redigir uma “Carta Política do Estado” que, embora atacada por certos escritores críticos da obrigação imposta às gerações posteriores de a obedecerem, permanece definindo a organização dos governos que se sucedem.
Portanto, toda ordem que se pode observar tem sua origem e fundamentação no pacto que foi celebrado logo após a “Grande Espiral”. A referida “Carta Política” seria, então, a fonte mais elevada para a ordem jurídica vigente... Não se podia “encontrar fonte mais elevada”. Como esperar que os esfomeados aventureiros de cavernas encontrassem ordenamento superior?
Continua
Leia: O Caso dos Exploradores de CavernasRussell Editores.
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 21 de janeiro de 2024

“O Caso dos Exploradores de Cavernas – após a condenação à morte na forca, petições de prisão por seis meses ao Chefe do Poder Executivo; o voto do juiz Truepenny consonante com a condenação em primeira instância e sua observação acerca de possível movimentação em favor da clemência aos réus; o juiz Foster adverte sobre o tribunal colocar em julgamento a própria legislação do país ao votar pela punição máxima; o “tribunal do senso comum” o condenaria; se a apelação ao Chefe do Executivo podia apaziguar as consciências dos juízes, então a legislação talvez não fosse apropriada à aplicação da Justiça; começo de apresentação de premissas que afastariam os réus da coerção da Lei


A sentença foi a de morte na forca...
A legislação nacional não permitia qualquer “amenização” à punição, mas aconteceu que depois que o júri foi dissolvido seus membros elaboraram nova petição, dessa vez ao Chefe do Poder Executivo, solicitando que a sentença fosse mudada para “prisão de seis meses”. Também o juiz de primeira instância redigiu petição similar e a encaminhou ao mesmo Chefe do Poder Executivo.
O Juiz Truepenny destacou que o Executivo se demorava em relação às petições e que certamente isso era uma indicação de que esperasse pela decisão dos juízes da segunda instância. Manifestando seu voto destacou que em sua opinião, tanto o juiz da primeira instância quanto os jurados, haviam seguido “uma trajetória correta e sábia”, aliás, a “única via que lhes restava aberta em face do texto legal”. Ressaltou que os ditames da legislação do país são claros e conhecidos de todos: “Quem quer que prive intencionalmente a outrem da vida será punido com a morte”. Esclareceu a fonte em que se baseava (“N.C.S.A §12-A”) e emendou que a referida “regra” não permitia qualquer exceção. Porém acrescentou que a “trágica situação” dos condenados atraia a sua consideração e simpatia.
Truepenny lembrou que aquele era o tipo de caso que podia suscitar “a clemência do Poder Executivo”, o que mitigaria “os rigores da legislação”. Propôs aos demais juízes que seguissem “o exemplo do júri e do próprio juiz de primeira instância” e que se solidarizassem com as petições que enviaram ao chefe do Executivo.
Ressaltou que havia razões para crer que os pedidos de clemência seriam deferidos. Principalmente porque haviam sido elaborados por pessoas que puderam estudar o caso e que estavam familiarizadas com as circunstâncias que o envolviam.
Depois de três meses de apurações na primeira instância, seria improvável que o chefe do Executivo denegasse as solicitações. Ademais, repetir a instrução equivaleria a proceder a “novo julgamento” e tal expediente se configura incompatível “com a função do Executivo”.
Por fim, o voto de Truepenny expunha o seu entendimento de que “alguma forma de clemência seria estendida aos acusados” e dessa maneira “a justiça seria realizada sem macular o texto ou o espírito da legislação e sem oferecer incentivo algum à sua transgressão”.

(...)

O segundo a manifestar o voto foi o juiz Foster.
Logo no começo de sua fala, Foster disse que o presidente do Tribunal apresentara a proposta aos pares como forma de “escapar às dificuldades do trágico caso”. Ao mesmo tempo sentenciou que a solução para o mesmo era “sórdida e óbvia”. Para ele, mais do que definir o destino dos “desafortunados exploradores”, tratariam de “julgar a legislação do país”. Em síntese, adiantou seu voto ao manifestar que se declarassem que os exploradores haviam cometido um crime, a própria lei do país seria “condenada no tribunal do senso comum”.
Foster argumentou que se a lei pela qual se orientavam os levasse a uma conclusão que suscitasse o sentimento íntimo de vergonha em cada um deles (e parecia ser o caso que dela só podiam “escapar apelando a uma exceção que se encontra no capricho pessoal do chefe do Executivo”), então teriam de admitir que ela (a lei que faziam observar) não incorporava “os preceitos básicos para a realização da justiça”.
Na sequência, o magistrado emendou que em sua opinião a lei não os forçaria a cravar que os quatro exploradores de cavernas fossem assassinos. Disse que a própria lei os levaria a concluir que eles eram inocentes de qualquer crime e apresentou duas premissas que justificariam a absolvição.
Foster adiantou que se a primeira delas não fosse considerada de modo imparcial despertaria forte “sentimento de oposição”. Disse que o “direito positivo”, o que estava em vigor, e que obviamente incluía “todas as suas disposições legisladas e todos os precedentes jurisprudenciais”, não podia ser aplicado ao caso porque o mesmo se relacionava ao que os antigos teóricos e pensadores da Europa e América denominavam “lei da natureza”. O “direito positivo pressupõe a possibilidade de coexistência dos homens em sociedade”, assim, se por acaso essa coexistência se torna impossível, “todos os precedentes jurisprudenciais e disposições legisladas deixam de existir”. Em outras palavras, o juiz queria fazer crer que o caso da caverna era uma exceção que escapava da coerção da lei, então citou uma máxima em latim (“cessante ratione legis, cessat et ipsa lex”) que significa “cessando a motivação da legislação, cessa a própria norma em questão” e afirmou que ela não era habitualmente aplicada aos ordenamentos jurídicos dos juízes, todavia insistiu que a referida máxima devia ser aplicada ao caso da caverna.
Leia: O Caso dos Exploradores de CavernasRussell Editores.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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