Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html antes
de ler esta postagem:
Em sua carta, D. João III também respondeu à
indignação de D. Afonso do Congo em relação à captura de parentes, fidalgos e a
gente de seu reino por mercadores inescrupulosos que atuavam graças ao
favorecimento de feitores e de “oficiais” que deviam fazer cumprir os acordos
entre Portugal e o Congo.
Como se pode
observar, o rei português apresentou uma “solução” para as “infrações” que
tanto afligiam o aliado africano:
“E quanto aos
que se vendem em essa cidade (a capital do Congo), para se saber se são
naturais ou de fora, para isto deve haver na feira um lugar deputado
(determinado) onde se vendessem, em o qual lugar estariam dois homens vossos
criados que conhecessem os ditos escravos e assim se vendessem pelas casas, que
se não comprassem sem os ditos dois homens serem presentes”.
Também o fragmento
acima foi recolhido pelo autor desde “As cartas do ‘rei do Congo’ D. Afonso”,
cujos documentos foram compilados, conforme evidenciado em postagens
anteriores, por Antonio Luís Ferronha.
(...)
Fica
claro que desde o começo do século XVI, entre os escravos oriundos da África
que eram enviados a Portugal havia congoleses cristianizados.
Entre os portugueses,
e mesmo entre os estrangeiros de passagem pelo país, pouca atenção se dava às
diferenças entre a massa escravizada, que era vista genericamente como “negros da
África”... O livro destaca que entre os trazidos do Congo começou a se formar
uma consciência que os diferenciava em relação aos demais africanos,
sabidamente “islamizados ou pagãos”.
O caso é que, de certa forma, passaram a se sentir “superiores em
relação aos outros escravos” por se reconhecerem cristãos oriundos do “Congo
cristão”, um “reino irmão” de Portugal.
Durante a segunda metade do século, os escravos congoleses mostraram-se
mais altivos em relação à sua identidade, e os portugueses reconheceram cada
vez mais sua “condição original africana de cristãos livres” e sua devoção à
Nossa Senhora do Rosário, a “santa de Lisboa”. Assim, aceitaram com certa naturalidade
o título de “Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos” conferido a Ela pelos congoleses
e seus descendentes.
(...)
Especificamente a respeito da devoção à Nossa
Senhora do Rosário, o livro destaca que ela começou na Alemanha durante o
século XIII por iniciativa de São Domingos. A tradição foi “relançada em
Portugal” no ano de 1484 e logo tornou-se popular com as manifestações
religiosas e preces dirigidas à Virgem por ocasião de um “flagelo de peste”.
(...)
No começo, os padres
que estiveram em missão no Congo insistiam em converter os africanos através de
ensinamentos complexos e relacionados aos simbolismos e sacramentos católicos,
catequese e celebrações de missas sempre de difícil entendimento para eles...
Também por isso os nativos resistiam a abandonar “os elementos básicos de sua
cultura original”.
Em Portugal, quando os negros do Congo começaram a chegar a partir dos
anos 1520, já havia grande contingente de africanos adeptos do islamismo
escravizados. O livro dá conta de que, “apenas os da cota da Coroa”, somavam
cerca de 4500...
Como
vimos anteriormente, “os do Congo” tornaram-se conhecidos por sua devoção ao
Rosário tão logo sentiram-se atraídos por “imagens coincidentes com suas
crenças reveladas a seus olhos no interior da Igreja de São Domingos de
Lisboa”. E isso ocorreu conforme se defrontaram “com a imagem de Nossa Senhora
do Rosário a exibir seu rosário de contas” na Igreja de São Domingos. Para o
autor, eles compararam o rosário da santa:
“ao de seu oracular Ifá: o
porta-voz dos mistérios, consultado através de um código de leitura de como
caíam as nozes da árvore sagrada ‘okpê’, quando atiradas ao acaso num golpe de
mão por um sacerdote africano”.
Outra
imagem que certamente chamou a atenção dos congoleses cristianizados transferidos
para Portugal foi a de São Jorge, o santo cavaleiro que, paramentado com “sua
armadura de metal”, e que golpeia mortalmente o “dragão do mal (já malferido
por sua lança)”, foi associado por eles à “figura de Ogum, divindade africana
que ensinou os homens a forjar o ferro”.
(...)
Como podemos notar, esses
símbolos em muito aproximaram os congoleses cristianizados da religiosidade
vivenciada pelos lusitanos... O livro cita ainda outra significativa identificação.
Também
na Igreja de São Domingos, eles conheceram o “retábulo da Capela dos Reis Magos,
mandado pintar pelo rei D. Dinis na virada do século XIII para o XIV”. Na
pintura que apresentava o “nascimento de Cristo” e a contemplação dos reis
magos, encantaram-se com “a figura do rei negro Baltazar” a contemplar “o
Menino Deus deitado nas palhas”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_22.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto