sexta-feira, 29 de abril de 2016

Filme – Nise - O Coração da Loucura – Primeira Parte – considerações sobre a doutora; chegada ao Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro; tratamentos de choque e desprezo aos internos

“Nise – O Coração da Loucura” é filme de Roberto Berliner.
Seu enredo revela-nos um pouco sobre o maravilhoso trabalho da doutora Nise da Silveira, médica psiquiátrica que nasceu em Maceió (1905).
A obra não entra em detalhes, mas sabemos que ela estivera encarcerada após denúncia de envolvimento na Revolução de 1935 conduzida pelo pessoal da ANL, que tinha em Luís Carlos Prestes sua principal liderança (a “Intentona Comunista”).
(...)
O filme começa com a chegada de Nise (vivida por Glória Pires) ao Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II em 1944. O local era um verdadeiro depósito de pessoas tidas como “mentalmente alienadas”.
O manicômio localizava-se em Engenho de Dentro, área afastada do centro da capital do país... Talvez para destacar a ideia de isolamento a que os doentes estavam submetidos naquele lugar, o cineasta “enche a tela” com uma grande parede de metal...
Nise chegou e teve de bater com insistência à porta (também revestida de metal) para que pudesse entrar... Ela seguiu imediatamente à sala onde ocorria uma conferência em que médicos faziam depoimentos e apresentavam slides sobre os avanços da medicina no tratamento de pacientes com distúrbios mentais.
Os profissionais eram todos homens... Quando Nise foi apresentada, não demonstraram receptividade. Eles estavam atentos às palavras sobre a importância de submeterem os doentes agressivos à lobotomia...
Na sequência outro médico falou sobre as vantagens da intervenção a partir dos choques elétricos... Fez isso demonstrando a aplicação num paciente que os enfermeiros conduziram até a sala. O interno estava muito agitado também porque o haviam amarrado à maca.
A cena é das mais chocantes... Conforme aumentaram a intensidade dos choques, o doente se agitou tentando se desvencilhar da maca... Aos poucos foi prostrando enquanto espumava pela boca.
Evidentemente Nise não se sentiu bem ao ver aquilo... E apesar de ter notado sua frágil condição num ambiente repleto de doutores machistas, não escondeu sua indignação... Quis saber sobre até que ponto os médicos conheciam aquele procedimento e sobre a intensidade de energia que devia ser aplicada... A resposta que ouviu deixou-a convencida de que o tratamento não passava de tortura física. 
(...)
Depois desse primeiro contato, Nise não teve dúvida ao admitir à chefia imediata que não teria condições de submeter pacientes àqueles procedimentos... Simplesmente não concordava com eles e recusava-se a aplicá-los. Como alternativa propôs trabalhar no setor de terapia ocupacional, onde a verba destinada era bem pequena. Nenhum médico dava importância a essa parte do hospital.
(...)
Nise não podia saber onde estava se “intrometendo”...
As cenas realizadas para exibir a conversa com o marido a respeito da sua iniciativa nos mostram o “modo de ser” de Nise... Muita simplicidade... Muito amor aos animais, notadamente aos gatos... Muita dedicação aos estudos.
Naquela mesma noite, funcionários do hospital se divertiam com os pacientes de modo repulsivo... Era comum juntarem vários deles num salão onde eram colocados para lutar... Apostas eram feitas...
Lúcio (interpretado por Roney Villela), um dos doentes de comportamento mais agressivo, era molestado com provocações que o levavam ao estado de extrema irritação... Faziam isso para vê-lo trocar socos, pontapés, mordidas e outras violências com outro doente qualquer.
O resultado era sempre o mesmo... O que mais apanhava ficava desfigurado e ensanguentado... No dia seguinte arranjavam uma desculpa qualquer para explicar os hematomas e inchaços espalhados por todo corpo... Ninguém questionava porque os doentes não podiam se explicar e, além do mais, todos sabiam que eram dados a todo tipo de extravagância.
Lúcio era trancafiado... Passava os dias como uma perigosa fera que podia avançar sobre inocentes.
Indicação (12 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 22 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a feira indígena de Quetzaltepec; o amigo Luis Soares e suas previsões certeiras sobre eventos políticos da América Latina dos anos 1960

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_20.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski ainda descreveu suas impressões sobre a feira indígena de Quetzaltepec, norte de Oaxaca (México)...
As famílias da tribo mixe habitam as áreas montanhosas da vizinhança... Logo de manhã chegam com suas mercadorias em cestos e em fardos. Tudo é acomodado no chão de terra, junto às acácias onde a atmosfera é mais fresca.
Os negociantes se posicionam silenciosamente e assim permanecem até o final do “expediente”... O autor expõe uma espécie de “tabela de preços” praticada por eles...
Pelo menos na segunda metade da década de 1960, cem laranjas eram negociadas a 2 pesos; o quilo do milho era vendido a 1,25; o de feijão custava 1,75; cem abacates custavam 3 pesos...
Despertava a curiosidade o fato de os vendedores não demonstrarem muito empenho para conseguir vender suas mercadorias... Também os frequentadores da feira pareciam não insistir em comprar ou pechinchar...
Conforme o dia avança e chega à metade o calor se torna insuportável... A feira termina... Os indígenas feirantes se encaminham para os “puestos de mezcal”, bares instalados ao redor da praça, para ingerir o destilado a partir do agave (bebida tão forte que a larva de borboleta colocada nas garrafas não se desmancha).
A garrafa de um litro era negociada a 4 pesos.
Homens, mulheres e crianças entregavam-se à celebração... A bebedeira se tornava geral... Ao final, maltrapilhos e cambaleantes, retornavam para as suas vilas sem qualquer féria nos bolsos.
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De certa forma os fragmentos que Kapuscinski redigiu desde a sua chegada ao Chile dão a entender que ele conseguiu uma “síntese” a respeito da condição das “gentes latino-americanas”.
De certa forma, ao ter detectado “dramas e derrotas, humores, honra, traição e solidão do povo”, obteve sustentação às suas reportagens de análise sobre a política do continente no âmbito da Guerra Fria.
Instalado no México, conviveu com Luis Suarez, jornalista especialista em América Latina. Este lhe deu aulas sobre a realidade do continente, sobre o que era e como devia ser entendido...
(...)
Na sequência, o autor dedicou-se a descrever a “Guerra do Futebol”, reportagem que dá título à coletânea.
Ele mesmo destaca a intenção de (além disso) evidenciar “o destino do destacamento Chato Peredo” e “a morte de Victoriano Gomez”.
As últimas postagens a respeito deste livro de Kapuscinski estão bem próximas...

(...)

Sobre Luis Suarez, Kapuscinski diz que o jornalista havia acertado várias previsões políticas... Ele previra a queda de Goulart (Brasil), de Bosch (República Dominicana) e de Jimenez (Venezuela)...
Acertou! E acertou também quando disse que Perón ainda retornaria à presidência na Argentina, ou a respeito da morte de François Duvalier (Haiti).
O que despertou o interesse de Kapuscinski sobre Honduras e El Salvador foi a previsão do amigo a respeito de uma iminente guerra entre os dois países...
(...)
Corria o ano de 1969...
Por mais incrível que possa parecer, Suarez chegou àquela conclusão após ler uma reportagem sobre os confrontos realizados entre as seleções dos dois países (primeira quinzena de março) pelas eliminatórias da Copa de Futebol que ocorreria no México no ano seguinte.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quinta-feira, 21 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – Kapuscinski sai a campo; o velho e solitário índio no deserto mexicano; sobre Mario Terán, militar boliviano que executou o Che; a história de Pedro Morote, de guerrilheiro e ativista pela Reforma Agrária a rico proprietário de luxuoso restaurante em Lima

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_21.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski conta que precisou labutar “até chegar ao Homem” latino-americano... Diz que abriu caminho entre matagais e exuberâncias, entre “simulacros e reproduções”... Driblou demagogias...
Garante que conseguiu detectar dramas e derrotas, humores, honra, traição e solidão da gente latino-americana...
(...)
Um tanto poético...
Um tanto dramático...
O autor registra algumas passagens que vivenciou (ou coletou) enquanto percorreu países não menos misteriosos ou abalados politicamente do que os que havia conhecido na África.
No deserto mexicano, por exemplo, certa vez encontrou um velho índio com enorme chapéu à cabeça e sentado num buraco que fizera para se proteger da ventania... Curioso, o polonês parou o carro para observar melhor... Viu que o velho tinha um gramofone bem antigo, que girava um disco já muito gasto. A cantiga rouca e apagada que saía do aparelho dizia algo como “Rio Manzanares, dejeme passar”...
Kapuscinski cumprimentou e permaneceu por algum tempo diante do homem... Mas este sequer parecia notá-lo. Então o gringo disse que não havia rio por ali... O velho índio fez ainda algum silêncio até que respondeu que ele mesmo era o rio e que não podia atravessar a si mesmo.
O índio voltou a girar a manivela do aparelho e retornou ao seu silêncio.
(...)
Che Guevara foi executado em outubro de 1967 em terras bolivianas, onde estava engajado numa guerrilha.
Kapuscinski faz pequena narrativa sobre o sargento Mario Terana (Terán), que foi quem matou o Che.
Ele explica que, após o feito, o militar boliviano sofreu profunda crise e não conseguia responder perguntas ou obedecer às ordens que recebia... Tornou-se depressivo e sentia-se perseguido... Diz-se que foi dispensado do exército e tratou de andar disfarçado para não ser reconhecido por aqueles que pretendiam vingar a morte do líder revolucionário.
Não havia ambiente onde pudesse permanecer por muito tempo... Não se sentia seguro nem mesmo em sua própria casa, onde viveu trancado por algum tempo... Paranoico, começou a imaginar que também sua residência podia ser uma armadilha tramada por guerrilheiros...
O final do relato do polonês garante que Terana parou de beber porque tinha certeza de que podiam envenená-lo... Decidiu perambular pela estrada... No segundo dia de caminhada suicidou-se nas proximidades de uma pobre povoação chamada Madre de Dios.
(...)
Todavia sabe-se que Mario Terana foi protegido e adotou nova identidade...
Por ironia do destino, em 2006 passou por uma cirurgia oftalmológica conduzida por médicos cubanos na Venezuela.
(...)
Na sequência, Kapuscinski apresenta considerações sobre o que aconteceu a um seu amigo peruano, Pedro Morote...
O rapaz ingressou num grupo guerrilheiro com a intenção de lutar contra a aristocracia... Era ainda adolescente quando conheceu Javier Heraud, o poeta líder da guerrilha.
Corria o ano de 1963 quando os revolucionários caíram numa emboscada em Puerto Maldonado... Na ocasião Heraud, que contava 21 anos, morreu enquanto tentava escapar da perseguição implacável de militares por um rio.
Morote conseguiu escapar ileso... Permaneceu escondido por algum tempo e voltou à ativa na luta por reforma agrária quando os militares assumiram o poder (provavelmente uma referência ao golpe impetrado pelo comandante geral do exército Juan Velasco Alvarado em 1968).
O polonês teve oportunidade de viajar com Pedro Morote (embora isso não esteja claro no livro, é bem provável que ele tenha se tornado funcionário do novo governo) por distantes localidades, onde o rapaz tinha a responsabilidade de distribuir “terras entre os camponeses pobres e humildes”.
Curioso foi o fato de Morote receber considerável herança deixada por antigo amigo que viera a falecer... Os tempos de guerrilha e de ativismo pela reforma agrária ficaram para trás...
Kapuscinski conta que Morote decidiu abrir um luxuoso restaurante em Lima, o La Palisada... O estabelecimento tornou-se frequentado apenas pelos mais ricos da sociedade.
O negócio resultou em bem sucedido... Morote engordou e passou a percorrer animadamente o salão, e a cantarolar versos da autoria do antigo comandante, Javier Heraud...
Mas os clientes não precisavam saber disso.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – sobre o “barroquismo” latino-americano; de exageros e ecletismo; campo fértil às ideologias e movimentos políticos; Brasil e a permanência de (pre)conceitos no debate político atual

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_15.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski relaciona a deprimente acumulação de quinquilharias pelas senhoras chilenas ao “onipresente barroquismo” na América Latina, marcado pelo excesso e ecletismo... Ele buscou justificativa ao seu juízo na própria configuração geográfica (física e humana)...
O autor admirava-se com as paisagens de “proporções exageradas” típicas do continente... Sua floresta só podia ser imensa (Amazônia); o mesmo ocorre com as montanhas de maior destaque (as elevadíssimas altitudes dos Andes) ou com as “planícies que parecem não ter fim” (Pampas); o maior rio do mundo (Amazonas)...
A convivência de “homens de todas as raças possíveis e de todas as cores de pele (brancos, amarelos, pretos, vermelhos, mestiços mulatos – índios, anglo-saxões, espanhóis, lusitanos, franceses, hindus, italianos, africanos)” no cotidiano das grandes cidades do continente sempre deixou o polonês intrigado.
Sua opinião era a de que ideologias e partidos políticos das mais diversas tendências sempre encontrariam ambientes propícios à propagação e conflitos por essas terras...
Terra de contrastes... Marcada por muita riqueza e extrema miséria.
A grande quantidade de adjetivos utilizados pelos latino-americanos e sua “língua florida” deixaram Kapuscinski atordoado... Ele mesmo concluiu que as produções artísticas locais só podiam reproduzir o excessivo colorido das “flores, frutos, legumes, roupas, utensílios e ferramentas encontrados nas feiras livres”.
Tudo isso podia mesmo provocar certa confusão ao estrangeiro, mas ele faz questão de sentenciar que era impossível tornar-se indiferente aos afrescos de Diego Rivera (pintor mexicano) ou aos textos de Lezama Lima (escritor cubano).
(...)
Estamos neste ponto em que Kapuscinski havia se transferido para a América Latina no segundo semestre de 1967.
Todos por aqui sabem que o jornalista polonês, além de não esconder sua afinidade com o Socialismo, esforçava-se para marcar presença nos países onde ocorriam processos revolucionários, e onde governos que se pautavam por programas de desenvolvimento social sofriam golpes.
Não foi por acaso que fez questão de percorrer as jovens nações africanas... Acompanhamos a sua trajetória, os riscos que correu e sua angústia ao buscar respostas para as dificuldades de cada uma delas. E conhecemos também a sua doença e recuperação, o retorno à sede da PAP e a sua inquietude em relação ao “burocratismo”.
(...)
Também a América Latina estava agitada por movimentos sociais e golpes militares...
Talvez a expectativa do polonês fosse a de realizar cobertura jornalística que repercutisse os avanços e recuos do Socialismo por essas terras... Como se sabe, fazia oito anos que a Revolução Cubana havia triunfado e por toda parte pipocavam movimentos que ameaçavam a hegemonia norte-americana...
Aqui cabem algumas considerações de caráter especulativo... Se Kapuscinski retornasse a essas paragens neste tempo mesmo em que vivemos (ele morreu em 2007), teria a impressão de que por aqui não houve avanços significativos em direção à Democracia. Ele entenderia que, em vez disso, teria ocorrido um retrocesso, já que o debate político corrente em muito se assemelha àqueles dos anos 1960...
Entre as pérolas que lemos e ouvimos estão essas que marcam o momento atual da política no Brasil: “este governo tem de ser impedido a todo custo porque sua plataforma é comunista”; “o partido X está a serviço do imperialismo”; “a entrada de imigrantes é facilitada para que guerrilheiros treinados em outras nações atuem em nosso meio”; “só mesmo a intervenção militar pode expurgar o país de maus políticos”...
(...)
Kapuscinki conheceu a transição que marcou a derrocada dos países comunistas e a passagem das ditaduras militares de muitos países latino-americanos para estados democráticos.
Certamente ficaria chocado com a corrupção praticada por indivíduos que exercem importantes funções públicas, e também com o modo como parlamentares sobre os quais pesam várias acusações conduzem os debates políticos para a resolução (?) de crises pontuais.
Não devemos estranhar... Ele provavelmente classificaria o Brasil como um “País do Golpe”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 15 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – de escrivaninhas e burocratas; mudança para a América Latina; impressões sobre Santiago do Chile e a respeito do estranho hábito chileno de acumular quinquilharias

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_13.html antes de ler esta postagem:

Ainda sobre escrivaninhas...
Kapuscinski era um crítico dos ambientes sobrecarregados de móveis... Deixou claro em seus escritos que preferia os cômodos japoneses, conhecidos como bem arejados principalmente por não serem abarrotados de móveis desnecessários.
Observando mais calmamente a escrivaninha colocada à sua disposição, garantiu que o funcionário devia se posicionar sempre com muito cuidado para evitar que ela despencasse.
No entanto ele era exceção... Muitos tinham adoração pela “biurko” (escrivaninha em polonês; “biurokracia” é o nome para burocracia) e se tornavam seus escravos... Não a largavam por nada... Ao contrário, pretendiam conquistar o direito de ocupar escrivaninhas maiores e mais imponentes.
A partir desse ponto de vista, passar de uma escrivaninha acanhada para outra maior significava “subir na vida”.
Muitos dos que começavam a trabalhar atrás de uma escrivaninha mudavam completamente... Seu linguajar, e até mesmo a sua maneira de pensar, sofriam alterações... Antigos camaradas deixavam de se falar simplesmente porque um deles tornara-se senhor de uma escrivaninha. Kapuscinski confessa que perdera muitos amigos por causa do “móvel da discórdia”.
Havia os que dividiam a humanidade em duas categorias: os que ocupam e os que não ocupam escrivaninhas... Tipos como esses ficavam inconformados ao saberem que podiam perder as suas... Kapuscinski garante que grande quantidade de suicídios era cometida pelos funcionários mais desesperados... E colocavam termo à vida junto ao estimado móvel!
O inconformado autor finaliza essas considerações garantindo que, ainda que a escrivaninha destinada a ele fosse da melhor madeira “encrustada de madrepérolas”, teria dado um jeito de voltar a trabalhar longe da sede da PAP.
Definitivamente, e isso era a conclusão a que ele havia chegado, havia coisas mais importantes do que escrever.
(...)
É por isso que, atrás daquele móvel, o melhor que podia fazer era “se esconder” e pensar sobre as coisas importantes nas quais devia se envolver...


(...)

No segundo semestre de 1967, Kapuscinski foi transferido para a América Latina.
O projeto consistia em recolher (por cinco anos) reportagens sobre os países do continente agitados politicamente por inúmeros Golpes de Estado e pelo estabelecimento de ditaduras subservientes aos Estados Unidos no combate às lideranças socialistas e movimentos populares tidos como subversivos.
(...)
Chegou a Santiago do Chile...
Escreveu sobre suas impressões que destacavam características arquitetônicas do lugar, marcado por prédios que lembram o legado espanhol... Fez referências a Los Leones, Apoquindo e Vitacura, bairros luxuosos... Mas não se esqueceu dos pobres casebres de madeira localizados na periferia, o ambiente do proletariado e de muitos desocupados.
A grande quantidade de “salões de beleza para o público masculino” chamou a atenção do polonês... Para ele, os tipos que os frequentavam tinham ares afeminados... Mas tempos depois, por ocasião do golpe contra Salvador Allende (1973), os chilenos mostraram gana no combate aos inimigos da democracia.
(...)
Kapuscinski realizou busca por apartamento onde pudesse se alojar enquanto permanecesse na capital chilena.
Novamente notamos apreciações críticas para “fenômenos sociológicos” em vários parágrafos de seu “A Guerra do Futebol”...  Dessa vez elas fazem referências ao tipo mais comum de apartamento disponibilizado em Santiago do Chile durante a década de 1960...
Vários proprietários eram senhoras de certa idade... Ao longo de sua vida, elas acumularam uma série de quinquilharias que acomodavam nos cômodos do imóvel para a locação.
O candidato a inquilino visitava o imóvel e, no caso de assinar o contrato, recebia uma lista enorme com os dados sobre todos aqueles objetos... Evidentemente ele se tornava responsável pela integridade daquilo.
Havia de tudo o que se pode considerar “inútil”: “gatinhos, estatuetas, descansos, alcatifas, quadrinhos, molduras, passarinhos de vidro, de pelúcia, de bronze”...
Bugigangas... Ninharias... Mas, para aquelas senhoras, se tratavam de objetos pelos quais nutriam sentimento sacralizado... Kapuscinski notou que o cotidiano dos chilenos da cidade era marcado por visitas a parentes e amigos, e que a cada ocasião presenteava-se com algum “objeto inútil”...
Sendo assim, era lógico que com o passar dos anos juntavam quantidade colossal de “coisas totalmente desnecessárias”... Era certo que pelo menos metade das lojas sobrevivia desse tipo de venda.
(...)
Por anos Kapuscinski vivera em meio a africanos que tudo o que possuíam se resumia basicamente a uma enxada de madeira.
Devemos compreender suas angústias e seu estado de choque ao se deparar com aquele acúmulo de supérfluos...
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 13 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – no hospital da Rua Plocka; de volta à redação; estranhamento, monotonia e desinteresse pelo cotidiano de trabalho dos companheiros; uma sala para Kapuscinski

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_8.html antes de ler esta postagem:

É claro que não foi por acaso que Kapuscinski “incrustou” em seu “A Guerra do Futebol” o trecho de “Tristes trópicos” (1955)... Sem dúvida, muito significativo.
Evidentemente o polonês estava se sentindo como o etnólogo franco-belga... Adoentado, e essa condição dá uma “pausa” ao seu agitado modo de ser e permite a introspecção, perguntava a si mesmo se tudo o que vivenciara na África teria valido a pena...
(...)
Kapuscinski foi transferido para a Polônia, onde prosseguiu o tratamento em hospital localizado à Rua Plocka, em Varsóvia...
Ele apresenta breve relato sobre o abarrotado ambiente em que foi instalado: dois dos internados que, estavam acomodados em camas próximas à sua, faleceram; os demais se encontravam em lastimáveis condições e, quando não emitiam grunhidos e gemidos dolorosos, conversavam sobre os tempos de guerra ou dormiam embalados por roncos estrondosos.
Pela janela, os que conseguiam se aproximar, podiam ver “um pátio sem vida, o necrotério, um céu sempre cinzento e desprovido de sol e uma arvorezinha desnuda”.
(...)
No início de 1967, Kapuscinski voltou ao trabalho...
Sentiu-se completamente desambientado no prédio da redação... Os demais funcionários não se interessavam por ele... Ele também não via motivos para conversar sobre sua experiência como correspondente na África.
A esse respeito, entendia que sua estada nas longínquas terras continente abaixo do Mediterrâneo o libertara daquela “estrutura mecanizada” que era a agência para a qual havia retornado... Seu regresso ao escritório rendeu-lhe apenas mal estar.
Os assuntos que o pessoal discutia nas rodas de conversa não lhe diziam respeito. Ele não tinha palavras que pudesse trocar sobre os programas de televisão ou a respeito das curiosidades da vida dos artistas mais famosos sobre os quais comentavam...
(...)
Não havia como a situação se reverter...
Quanto mais ouvia diálogos pontuados por futilidades, mais Kapuscinski se sentia angustiado... Os companheiros de escritório passavam preciosos momentos discutindo sobre as viagens à Bulgária, as melhores férias e até sobre as oportunidades de faturar dinheiro nessas ocasiões...Não foram poucas as vezes em que, visto perambulando pelas calçadas da cidade, perguntaram-lhe a respeito do que ele andava fazendo no país, sobre quando partiria novamente e para onde seria enviado... Nessas situações, sentia-se como estrangeiro na própria pátria.
Não era incomum um correspondente da PAP permanecer inativo por algum tempo após retornar de uma missão em outro continente... Eventualmente escalavam-no em substituição a algum repórter impossibilitado de trabalhar ou para “aliviar” outro que estivesse atarefado demais. Mas não atribuíam nenhuma tarefa a Kapuscinski.
Foi o chefe Hofman que resolveu engajá-lo num cotidiano “diferente”, que não fosse o da “monotonia da redação”... Estava claro que ele não pretendia envolvê-lo em novas missões arriscadas, e por isso resolveu colocá-lo atrás de uma escrivaninha numa sala onde seria auxiliado por uma secretária datilógrafa.
O efeito que a sala provocou no ânimo de Kapuscinski não foi o que Hofman esperava. O autor de “A Guerra do Futebol” tinha horror às escrivaninhas, e a sala colocada à sua disposição despertou em seu interior toda a aversão que sentia pelo “burocratismo”.
(...)
O polonês dispensou alguns parágrafos para tecer considerações sobre o móvel que considerava símbolo de decadência... Não se conformava com os tipos que ambicionavam a condição de “funcionários de escrivaninhas”.
De certo modo, criticava o governo que abarrotava departamentos públicos de “escrivaninhas ratoeiras”, como aquela que o seu chefe lhe entregara. Diferentemente dos demais, ele não considerava que um móvel pudesse tornar a pessoa mais digna... Em sua opinião, os tipos que se sujeitavam a permanecer por longas horas numa escrivaninha assumiam feições típicas dos “inválidos”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 8 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – mais sobre a indisciplina de Kapuscinski; leitura de “Tristes Trópicos” durante a convalescença em Lagos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_6.html antes de ler esta postagem:

Sim... Kapuscinski era disciplinado... Mas sua disciplina era canalizada para as tarefas jornalísticas que ele mesmo definia como prioritárias, ou seja, as situações de “calor da hora” das quais julgava que não podia deixar de participar.
Em relação aos superiores, podemos dizer que sua postura era “irresponsável”... Ao ponto de se embrenhar por remotas paragens africanas sem dar a mínima satisfação à sede em Varsóvia, que ficava sem a menor noção do que ele podia estar fazendo... Simplesmente não deixava rastros, e isso impossibilitava saber se ao menos estava a salvo.
Navegou pelo Níger e viajou com “nômades pelo Saara” sem que sua agência soubesse...
As embaixadas da Polônia recebiam inúmeros telegramas em busca de seu paradeiro... É como ocorreu na ocasião em que chegou a Bamako (capital do Mali) e os funcionários da embaixada informaram-lhe que o procuravam desesperadamente... Entregaram-lhe um telegrama que dizia “se, por acaso, aparecer na vossa região o redator Kapuscinski, pedimos avisar a PAP, através do Ministério de Relações Exteriores”.
(...)
Enquanto permaneceu em Lagos para cuidar da saúde, Kapuscinski leu “Tristes trópicos”, de Claude Lévi-Strauss...
Não foi por acaso que o polonês selecionou considerável trecho do livro em seu “A Guerra do Futebol”.
Em síntese, notamos que ele se sentia como o etnólogo franco-belga, e entendia que a sua experiência como repórter correspondente na África tinha muito em comum com as “pesquisas etnográficas” que Lévi-Strauss realizava em meio à “selva brasileira” junto a tribos indígenas.
O trecho selecionado (que não trata das pesquisas entre os Nambikwara, Bororo ou qualquer outra nação) revela que em determinado momento Lévi-Strauss esteve um tanto “decepcionado e exaurido” devido às inúmeras dificuldades e à “resistência dos índios”... Ele externou sua angústia marcada, sobretudo, pelas dúvidas a respeito do significado de sua expedição. Em seus questionamentos buscava resposta sobre a real necessidade de realizar a “pesquisa etnográfica” nas remotas terras brasileiras (transferiu-se para o Brasil para exercer cargo de professor universitário)...
Cinco anos haviam se passado desde que Lévi-Strauss deixara o seu país... Nesse intervalo, seus mais “ajuizados” seguidores e pupilos decidiram dar prosseguimento às carreiras para as quais dedicaram sua vida acadêmica e conseguiram cargos políticos (alguns se tornaram deputados e continuavam a projetar postos mais elevados)...
Por seu turno, o pesquisador das gentes das florestas, insistiu em perseguir os “detritos da humanidade”, conforme ele mesmo sentencia...
Pelo visto sua condição por ocasião da redação daquelas linhas era de desgaste... As dificuldades que encontrara no trabalho de campo pareciam sacramentar a crise existencial... As perguntas que o atormentavam não eram poucas... Seu tremendo esforço seria recompensado? O grupo social do qual fazia parte o reconheceria? Seria relegado?
Sentia que as expectativas que alimentara antes de partir para a investigação no Brasil não se confirmavam...
Abandonara pessoas e cenários que faziam parte de sua história, de sua identidade... O contato com os indígenas que viviam no estado de Mato Grosso também o fazia refletir a respeito do próprio passado marcado por situações e elementos que desprezara com sinceridade...
No entanto, nos momentos de solidão e de contemplação da deslumbrante paisagem, vinha-lhe à lembrança o estudo Op 10 Nº 3.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

quarta-feira, 6 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – disciplina no trabalho investigativo; indisciplina como ferramenta para estar no local certo no momento ideal; o ofício tal como Kapuscinski o concebia não é para qualquer um

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_4.html antes de ler esta postagem:

O “desabafo” de Kapuscinski revela-nos um pouco das dificuldades do ofício do correspondente europeu nas terras africanas durante os anos 1960...
O padrão de trabalho por ele estabelecido era de muita ação: “cobrir todos os acontecimentos importantes numa área de trinta milhões de quilômetros quadrados”...
Para Kapuscinski, não bastava o jornalista realizar reportagens que revelassem a “situação de momento” dos países politicamente agitados... Mais que isso, era necessário levantar dados a respeito do passado de cada um dos “50 países”, “conhecer pelo menos metade das duas mil tribos” do continente e ter domínio sobre detalhes importantes a respeito dos modos mais seguros e eficientes de se locomover de uma parte a outra, quer por terra, em meio à floresta, ou pelos rios caudalosos.
(...)
Há cinquenta anos, o telex e o telegrama eram os meios mais rápidos de se encaminhar as produções textuais para as agências de notícias... Dessa maneira, além de produzir muito material, o bom repórter não podia medir esforços para acompanhar de perto os acontecimentos, mesmo nas situações de maior perigo, e, depois de redigir seu texto, dirigir-se aos postos de correios ou prédios governamentais para encaminhar o seu conteúdo...
A rigorosa disciplina (em outro sentido ele também era indisciplinado) a que Kapuscinski se submetia exigia que ele se instalasse nos países em momentos precisos... De que adiantaria chegar ao local depois que o “Golpe de Estado acabara de terminar?”... Em vez de viajar “de um hospital para outro”, o bom jornalista escolhia seguir “de um front para outro”.
Para ele, não havia nenhum problema em cumprir a profissão de modo perigos e em alto risco... Em sua opinião, para realizar o trabalho, o jornalista não podia sentir medo de “moscas tsé-tsé, cobras negras, elefantes e canibais”.
O bom profissional não se importava de beber água de rios e riachos, ou se alimentar de pratos a base de formigas assadas... As possibilidades de danos eram muitas e, no exercício do jornalismo “à moda Kapuscinski”, jamais se podiam descartar infecções por bactérias, doenças venéreas...
Ainda de acordo com o autor polonês, os jornalistas que estivessem mais interessados em acumular dinheiro para adquirir propriedades em seu país de origem, que não se adaptassem às precárias instalações nas pobres choupanas, ou ainda os que alimentassem desprezo pelos africanos e o destino de suas pobres sociedades, não teriam condições de trabalhar como correspondentes na África.
(...)
Há que se considerar que um dos critérios usados na avaliação dos repórteres era o volume de material que eles produziam... Quanto mais as pastas nas agências estivessem repletas de produções textuais, melhor era o conceito que se fazia do profissional.
Kapuscinski escreveu muito a respeito da África e sobre os movimentos políticos que agitavam as nações que haviam se tornado independentes depois de longos anos de dominação europeia...
Ele mesmo admite que, muitas vezes, “escreveu sem pensar”... E que grande parte do que escreveu acabou se perdendo.
Embora tivesse um superior, redator-chefe na PAP (Agência Polonesa de Notícias), notamos que ele trabalhava com “excessiva autonomia” e seu compromisso era apenas com sua autonomia... Por conta própria, Kapuscinski “marcava presença nos cenários mais complexos”.
Sua independência era tolerada... Mas quando ela tomava ares de indisciplina causava muita dor de cabeça ao pessoal da PAP.
(...)
Para termos uma ideia, a série de textos sobre os confrontos na Nigéria recebeu o título de “Barreiras em chamas”... Depois de recebê-la em Varsóvia, o redator-chefe Michal Hofman não pôde conter sua irritação e telegrafou imediatamente para Kapuscinski... Chamou-lhe a atenção para que não se evolvesse mais (de uma vez por todas) em “empreitadas” que pudessem terminar em tragédia.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 4 de abril de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – Kapuscinski adoeceu várias vezes em território africano; a “chandra”, depressão típica a que os brancos estavam sujeitos em terras tropicais; transpiração, angústia e “explosão chandriana

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/04/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_2.html antes de ler esta postagem:

Na sequência de “A Guerra do Futebol” vemos Kapuscinski lamentar a condição de sua fragilizada saúde em terras tropicais...
Por dois meses ele padeceu acamado, sofrendo de moléstia típica das terras africanas.
Podemos imaginar o europeu apavorado e sem entender o que se passava com o seu organismo... O que podia fazer se seu sangue estivesse envenenado? E se alguma toxina (sabe-se lá de onde) o tivesse contaminado?
Sua única certeza era a de que tinha o corpo “inchado e cheio de furúnculos, pústulas e carbúnculos” e, portanto, impossibilitado para o trabalho.
(...)
É lógico que sua passagem pelos diversos países africanos não era a passeio... Evidentemente o autor não havia se instalado no continente para curtir hotéis e bairros frequentados por brancos...
Em suas andanças pela África, o jornalista adoecera diversas vezes... Percorreu lugares de muita umidade, e podia apostar que vários trechos de florestas pelos quais passou eram ainda intocados... Por tudo o que já havia enfrentado, sentenciou que até ali a sua saúde resistira muito bem.
(...)
Sabemos que o estilo de Kapuscinski era radical... Não foi por acaso que vivenciou diversos dramas políticos locais e “experimentou na própria pele” as ameaças a que as pessoas dos lugares estavam submetidas.
Às febres aterradoras e infecções diversas somava-se a depressão do sujeito solitário, que arriscava a vida no exercício da profissão. Essa solidão “massacra a existência”.
A esse quadro depressivo o autor dá o nome polonês de “chandra”.
A “chandra” torna o indivíduo enfraquecido, depois de “dias vazios” e “noites insones”... O tédio domina o ser daquele que sequer suporta ver-se no espelho...
Os dias e as noites quentes provocam incontrolável transpiração... O autor reclama que, nos trópicos, tem-se a sensação de que ela não para nunca. Talvez isso possa explicar um pouco dos temperamentos inconstantes dos europeus que se instalavam em terras africanas...
Os branquelos “peixes fora d’água” revelavam bruscas mudanças de posturas... Figuras que na Europa eram “murchas” e apáticas, de repente, se tornavam explosivas e agressivas no habitat para o qual haviam se transferido.
Não eram poucas as vezes que a irritação de um tipo europeu resultava em postura carregada da arrogância dos que se consideram superiores aos demais...
(...)
E quem eram os brancos com os quais Kapuscinski lidava em terras africanas?
Em sua maioria eram correspondentes como ele... Tipos que enxergavam “meros concorrentes” nos colegas repórteres...
O polonês explica que até gostaria de chamar-lhes a atenção para a condição ridícula que adotavam ao “fazerem espetáculo de si mesmos”, mas eles sempre ficavam muito ofendidos.
Todas essas situações (“fraqueza, agressões e manias”) completavam o quadro da “chandra”, a “depressão tropical”...
De acordo com as reflexões de Kapuscinski, uma crise aguda (muitas vezes acompanhada de “amortecimento da ponta dos dedos, perda da sensibilidade cromática e o geral obscurecimento da visão, perda temporária da audição...”) requer extravasamento... Uma das reações mais comuns é a da “explosão chandriana” em que o afetado descarrega, inclusive partindo para agressões físicas, sua ira sobre algum companheiro de estadia.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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