quinta-feira, 30 de junho de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a execução do guerrilheiro salvadorenho Victoriano Gomez – última parte – construindo o retrato de um mártir para o imaginário revolucionário latino-americano; silêncio; o fim

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O estádio ficou lotado...
Os curiosos que chegavam sem encontrar lugares nas arquibancadas se acomodaram nas árvores...
Comerciantes aproveitaram o aglomerado para faturar com a venda de sorvetes e refrigerantes.
Todos perceberam que o esperado momento se aproximava quando um caminhão do exército estacionou no campo de jogo... Soldados desceram... Via-se que formavam o pelotão de fuzilamento... Depois foi a vez de Victoriano Gomez sair do veículo... De modo altivo, olhou para a arquibancada e disse o mais alto que pôde que era inocente.
Novo silêncio se apossou dos espectadores... Das posições reservadas às autoridades e “notáveis do lugar” surgiram vaias e apupos.
(...)
Quem não estava presente no estádio ou pendurado nas árvores das proximidades pôde acompanhar tudo através da transmissão televisiva... Todo o país (?) teve acesso ao programa minuciosamente planejado pelo governo.
As câmeras foram acionadas...
Victoriano Gomez havia sido posicionado na pista de atletismo. Mas os operadores de câmeras protestaram e exigiram que o condenado fosse encaminhado para o meio do campo... Certamente ali havia iluminação mais adequada e isso proporcionaria melhor visualização.
O próprio Gomez parecia entender a sua parte no espetáculo e encaminhou-se à área central sem oferecer qualquer resistência. Parou e fez “posição de sentido”. Das arquibancadas podia-se ver apenas uma “pequena silhueta”.
Kapuscinski comenta que isso subtraía um pouco da “crueldade da execução” e contribuía para que a morte fosse vista como “espetáculo”... Os que operavam câmeras fizeram o rosto do jovem se aproximar da tela... Apenas os telespectadores tiveram acesso a esse foco... Os presentes no estádio viam tudo de longe.
(...)

É preciso que se diga que o texto do polonês parece não corresponder ao que efetivamente ocorreu... Os recortes que temos do episódio não revelam o cenário que ele descreve... Não há como negar que a produção de Kapuscinski a respeito da execução do guerrilheiro salvadorenho é “romanceada” e apresenta tom panfletário. O “sacrifício do mártir” tal como é apresentado, sem dúvida, municia os seus críticos.

(...)
Na sequência do relato lemos que uma saraivada de tiros foi disparada pelo pelotão de fuzilamento.
O essencial do “espetáculo” só podia ser breve... Mas é claro que Kapuscinski tornou a expectativa em torno de seu ápice um enredo grandioso.
(...)
O corpo do rapaz foi ao chão, e logo os soldados do pelotão o cercaram... Os tipos contaram os tiros que o derrubaram... Treze...
O comandante aprovou... Depois recolheu a sua arma... Deu ordem para a retirada.
As arquibancadas foram se esvaziando... A transmissão chegou ao fim e os jornalistas teceram suas últimas considerações aos telespectadores (claro que a quantidade de aparelhos de televisão nem devia ser tão significativa no país).
O cadáver foi colocado no caminhão... Os soldados também tomaram seus lugares no veículo para partir.
A mãe de Victoriano permaneceu em silêncio e sem esboçar qualquer movimento.
Alguns mais curiosos a cercaram.
Silêncio.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a execução do guerrilheiro salvadorenho Victoriano Gomez – primeiro parte – um Robin Hood da região de San Miguel; ampla cobertura do episódio para que opositores vissem e refletissem

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/06/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_27.html antes de ler esta postagem:

Essas postagens são as últimas sobre “A Guerra do Futebol”...
Selecionamos a “reportagem” que trata da execução de Victoriano Gomes Urrutia, um guerrilheiro de El Salvador.
Os outros textos do livro também são merecedores de atenção, pois, assim como os postados anteriormente, nos ajudam a compreender um pouco mais da produção textual do autor. E, é claro, são recortes significativos sobre o complexo panorama próprio dos países de terceiro mundo ao tempo da guerra fria.
(...)
Sobre este Victoriano, Kapuscinski explica que ele contava vinte e quatro anos... E que se tratava de uma espécie de Robin Hood, agitador de camponeses na luta por terras.
Foi capturado depois de muito incomodar os “capangas dos ricos latifundiários”, a “Guardia Rural” da região de San Miguel...
(...)
Como sabemos, Kapuscinski evidenciou os problemas políticos e sociais salvadorenhos em sua avaliação sobre a guerra que durou cem dias, a “Guerra do Futebol” na América Central. Esses mesmos problemas explicam a atuação de grupos como o que era liderado por Victoriano Gomez...
Quatorze famílias abastadas dominavam El Salvador... Ao mesmo tempo um milhão de camponeses viviam sem terra e desempregados.
A captura de Gomez se deu quando este estivera na cidade de San Miguel visitando a mãe. Os ricos fazendeiros comemoraram com várias festas o episodio... O chefe de polícia recebeu todos os agradecimentos e homenagens, inclusive do presidente da República, que lhe concedeu promoção.
Gomez foi condenado à morte. Mas os militares que ocupavam o poder “venderam caro” a sua morte. A execução foi transmitida pela televisão... A ideia era a de promover um espetáculo que proporcionasse closes daquele que ousara desafiar o regime e o “estado de coisas” vigente na sociedade. O objetivo era “dar uma lição” a todos os que se opunham ao governo (desde 1967 o presidente do país era o general Fidel Sánchez Hernández; a “guerra do futebol” ocorreu em seu mandato).
(...)
Não eram poucos os descontentes... Camponeses sem terra e estudantes tinham suas demandas... Pretendiam estabelecer uma ordem mais justa, e seu propósito revolucionário atraía significativos contingentes... Evidentemente isso incomodava os poderosos.
Ao proporcionar o “espetáculo da execução”, o governo salvadorenho daria um recado aos opositores... Eles deveriam ver e refletir.
(...)
A execução de Victoriano Gomez ocorreu na tarde de oito de fevereiro de 1971 no pequeno estádio de futebol de San Miguel.
De acordo com a narrativa de Kapuscinski, as acanhadas arquibancadas começaram a ser ocupadas no início daquele dia. Jornalistas de todos os segmentos compareceram... Os operadores de câmeras se organizaram para definir as melhores posições que deviam ocupar... Fotógrafos se instalaram nas proximidades das traves.
Os desavisados poderiam pensar que se preparavam para cobrir um evento esportivo...
Conforme as horas se passaram o público cresceu e o burburinho aumentou... As crianças presentes fizeram a algazarra habitual...
Trouxeram a mãe do condenado e a posicionaram perto do local onde o rapaz seria executado. Nesse instante o silêncio tomou conta do ambiente.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

segunda-feira, 27 de junho de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – palavras de despedida do comandante ao moribundo Marmeto; o fim da guerrilha; últimas considerações

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/06/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_25.html antes de ler esta postagem:

Chato, Marmeto, Davi e Veliz chegaram “ao topo da colina mais alta da região”...
Estavam esgotados.
Viram que no meio da exuberante floresta havia um povoado...
(...)
Era lá onde os quatro gostariam de estar.
Depois de dez semanas em constante movimentação pareciam ter chegado ao final de sua jornada...
Enfim parecia que era isso mesmo... O esforço de subir àquela altitude só podia ser explicado dessa maneira... Aquilo era o fim.
Acomodaram uma mochila embaixo da cabeça de Marmeto, e só assim ele pôde ver o vilarejo... Fogueiras estavam sendo acesas pelos moradores...
(...)
O comandante sabia que Marmeto estava nas últimas.
Também Davi e Guillermo sabiam... Chato resolveu mentir para o companheiro... Disse que no dia seguinte desceriam ao povoado, onde seriam bem recebidos pelos camponeses, que lhes ofereceriam “carne e milho” numa grande mesa repleta de outros alimentos...
Talvez Marmeto quisesse ouvir aquilo...
O comandante emendou que lhe dariam frangos assados, e até cerveja!
“Ganharás uma garota”, disse por fim.
O título escolhido para o capítulo é exatamente este: “Ganharás uma garota”...
(...)
O rosto de Marmeto se transformou...
Pareceu mesmo iluminado com o frágil sorriso que esboçou.
Chato Peredo disse mais... Disse que Marmeto poderia fazer o que bem quisesse, e que tudo daria certo... Afinal era jovem e tinha um futuro que prometia “uma vida fantástica”...
Logo o rapaz faleceu nos braços do comandante.
(...)
Os três sobreviventes sabiam que não podiam descer ao Chima – esse era o nome do povoado – porque era certo que o lugar estava ocupado por militares.
Dois dias se passaram e os jovens foram encontrados por garimpeiros que exploravam ouro no Tipuani - esse é o nome do rio que atravessa o lugar.
Kapuscinski não entra em detalhes para explicar o que se sucedeu aos rapazes...
Na parte final da fita magnética, Veliz explica que a luta de seus companheiros fazia parte do ideário contido no “princípio número um” do programa revolucionário...
Em síntese almejavam “a vitória da revolução, a formação de um governo popular e a nacionalização de todas as riquezas, que deveriam pertencer à nação”.
(...)
Eram setenta e cinco... Oito sobreviveram... Cinquenta e cinco foram fuzilados pelo exército... Doze pereceram na floresta.

(...)

Sobre essa guerrilha na Bolívia foram lançadas várias pesquisas...
Kapuscinski ateve-se a transcrever o que ouviu dos relatos de Guillermo Veliz...
Ao lermos “A Guerra do Futebol” não temos a menor ideia sobre as circunstâncias em que o material foi gravado ou como chegou às mãos do autor.
As explicações a respeito de Chato Peredo são procedentes... De fato, seus irmãos participaram da campanha anterior.
Leituras complementares dão conta de que ele estudou medicina na Universidade Patrice Lumumba, em Moscou, onde recrutou estudantes latino-americanos para a guerrilha.
Havia a expectativa da participação de cubanos que estiveram com o Che ao tempo de sua captura e execução...
Os cubanos (Pombo, Benigno e Urbano) não retornaram à Bolívia.
Mas o Exército de Libertação Nacional foi reorganizado e deu prosseguimento às lutas... Essas mesmas que foram relatadas por Guillermo Veliz.
O brasileiro Luiz Renato Pires Ribeiro era um dos setenta e cinco.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 25 de junho de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – o comandante da guerrilha não tolerou a traição de Perucho e Forte; rito sumário e execução no meio da floresta; quatro remanescentes chegaram ao topo da mais alta colina

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/06/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_85.html antes de ler esta postagem:

Arrasados moral e fisicamente, os jovens foram pegos numa emboscada que vitimou dois companheiros...
Os sobreviventes penetraram na mata mais uma vez...
Durante a noite ocorreu a fuga de Perucho e Forte (Peruchín e Ferte)... Estes tipos não tinham para onde ir e permaneceram perambulando em círculos pela floresta. Dessa forma acabaram reencontrando o grupo... Já não tinham armas e traziam panos brancos à testa...
(...)
Chato decidiu que deviam punir aqueles traidores...
Sem dúvida, uma situação lastimosa.
Os réus eram pouco mais que dois esqueletos trajando trapos imundos... O resto do grupo não passava de uns esfomeados que ardiam em febre.
O comandante era o único que tinha forças para discursar e deixar claro que os traidores haviam abandonado “a causa na hora da maior dificuldade”. Ele deixou claro que ali estava o destacamento do Exército de Libertação Nacional, desonrado pela traição...
Sendo assim, o “Revolucionário Tribunal Militar” condenava-os à morte por fuzilamento.
(...)
Sem dúvida, uma situação lastimosa.
Os cinco fariam o serviço que os “rangers” treinados pela CIA não executaram simplesmente porque aqueles dois trapos não tiveram forças e não conseguiram encontrar o “caminho para o paredão”.
A sentença proferida pelo comandante foi cumprida...
Ele mesmo era o único que tinha alguma força para realizar a execução... Seus quatro comandados não conseguiam descolar seus corpos do chão frio da floresta... E foi nessa posição que ouviram os disparos que arrancaram o resto de vida de Perucho e Forte.
(...)
Algumas horas depois, Cristian também morreu... Ele entrou em colapso e à noite foi atacado por convulsões... Dormiu e não mais despertou.
No dia seguinte, em vez dos dois corpos dos traidores, os que ainda respiravam contemplaram três...
Cristian resistiu até o último momento pelo causa.
Mas não havia diferenças entre eles.
(...)
Os quatro que restaram eram: o comandante Chato Peredo, Marmeto, Davi e o próprio Guillermo Veliz.
Eles voltaram a marchar pela floresta.
Mas dessa vez seguiam com o peso das execuções em suas consciências.
Para complicar ainda mais, não tinham a menor ideia de para onde estavam seguindo... Além disso, tinham de parar diversas vezes porque Marmeto estava esgotado fisicamente.
Ele mesmo pedia para que o deixassem pelo caminho e assim poderia morrer sozinho.
(...)
À noite chegaram “ao topo da colina mais alta da região”...
Avistaram bela paisagem cortada por um rio...
Em meio à exuberante floresta havia um povoado.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sexta-feira, 24 de junho de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – reveses significativos; deserções e fuzilamentos; a sentida morte de Nestor Paz; a guerrilha definha

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/06/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_24.html antes de ler esta postagem:

A saída que os jovens guerrilheiros encontraram para escapar da implacável perseguição militar foi se embrenharem ainda mais na mata, onde a exuberante vegetação os esperava com espinhos carregados de veneno.
(...)
Não interrompiam a marcha...
Em pouco tempo seus uniformes se tornaram trapos.
Os moços carregavam vários hematomas e arranhões nos braços e pernas... Alguns deles estavam necessitando de cuidados médicos, pois apresentavam ferimentos que sangravam muito.
Por duas ocasiões foram emboscados e trocaram tiros com o exército... Onze dos jovens morreram nesses embates.
Mas esses foram confrontos isolados... Os militares prosseguiram com sua tática de tomar posições nos vilarejos e nas estradas... Sabiam que os subversivos teriam de sair exaustos da floresta... Ou então pereceriam em seu interior.
A baixa do exército foi de apenas um soldado.
(...)
Depois de duas semanas os jovens já não tinham provisões...
Passaram a se alimentar de bambus e frutos silvestres que eventualmente encontravam... Sequer sabiam quais eram comestíveis!
Não foram poucas as vezes que adoeceram após a ingestão de algo que desconheciam.
Certa vez capturaram um macaco e se refestelaram... Porém essa foi a única vez... Os dias se sucederam e não conseguiram outras caças.
(...)
Mais de três meses se passaram sem que pudessem ingerir proteínas...
Isso transformou completamente os jovens, que se arrastavam pela floresta.
Eles desmaiavam e deliravam...
Um deles, a quem chamavam Quirito, acabou se suicidando com um balaço na têmpora.
Essa tragédia parecia anunciar outros reveses...
No dia seguinte, Nestor Paz, que era o mais querido por todos e escolhido para ser o comissário, morreu de pura exaustão nos braços do comandante Osvaldo (Chato) Peredo... Seu corpo foi levado por cinco dias até ser lançado na correnteza de um rio que atravessaram.
Sebastian desertou... Não suportou a jornada e aproveitou que estavam nas cercanias de Teoponte para escapar... Acabou capturado pelo exército e fuzilado.
Mais alguns dias se passaram e também Freddy e Marcos fugiram... Esses também tiveram o mesmo destino de Sebastian.
(...)
Não podemos deixar de considerar que a redação de Kapuscinski selecionou trechos do depoimento gravado de Guillermo Veliz.
É o próprio guerrilheiro que garante que a situação se repetiu com outros seis companheiros... Ele cita nominalmente Alfons e Juanito... Dessa maneira, o grupo passou a contar quarenta e cinco rebeldes...
As fugas e os fuzilamentos sumários prosseguiram... Carlos, Mongol, Kolla (antes de ser fuzilado, este último passou por sessão de tortura).
Logo somavam apenas vinte...
O subcomandante Alejandro e mais quatro se dispersaram do grupo... Veliz ressalta que estes “não traíram a causa e resistiram até o fim”.
Depois outros seis fugiram para também encontrar a morte disparada pelo fuzil dos militares.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – guerrilheiros inexperientes encaram a difícil sobrevivência na selva; o relato de Veliz destaca que o governo boliviano mantinha campos ilegais para prisioneiros políticos em plena selva

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Os jovens liderados por Chato Peredo saíram da capital com a esperança de que fariam história... Sentiam-se como se estivessem vingando a morte do Che... Acreditavam mesmo que podiam concluir a luta revolucionária que ele semeara na América do Sul.
Mas as condições que passaram a enfrentar, tão logo realizaram a ação contra a South American Placers, indicavam que o exército boliviano não lhes daria nenhuma condição de escapar impunes da selva...
Os militares bolivianos recebiam treinamentos de tropas enviadas pela CIA há algum tempo e esbanjavam confiança nas operações para as quais haviam sido destinados.
As estradas e até os menores povoados estavam ocupados por esses militares.
A luta pela sobrevivência seria das mais dramáticas.
É o relato de Guillermo Veliz que fornece as informações que Kapuscinski transcreveu e que seguem sintetizadas na sequência.
(...)
Os rapazes conheciam as orientações do Che a respeito da luta revolucionária no interior do país... Era fundamental que os guerrilheiros obtivessem o apoio dos camponeses... Mas a região era praticamente despovoada e, além disso, a ocupação militar tornava impraticável qualquer tática.
Não demorou e eles perceberam que havia outras adversidades que não esperavam enfrentar... A selva era ambiente que não conheciam e não tinham a menor ideia de como sobreviver aos “perigos naturais”...
Logo viram que não seria fácil encontrar água... Além disso, reconheceram que as mais singelas resinas que se desprendiam de troncos inofensivos podiam ser mais agressivas que a soda cáustica... Uma simples gota era capaz de “atravessar o crânio e perfurar o cérebro”...
Corria-se o risco de ficar cego por causa de “vespas selvagens” que infestavam o local... E o que dizer das diversas cobras venenosas que podiam surpreendê-los a qualquer instante? A pior de todas era a coralito, e sobre ela dizia-se que sua picada podia transformar em água o sangue da vítima.
(...)
Veliz apresenta um quadro completamente desfavorável a respeito da selva boliviana...
E a caminhada era incessante...
Durante o dia não havia possibilidade de sentarem por causa das formigas... À noite eram atacados por mosquitos... Como se vê, tudo isso contribuía para que o moral dos subversivos diminuísse a cada passo que davam.
A situação de quem queria escapar da perseguição dos militares só podia ser insustentável...
Mas os rapazes entendiam que não podiam medir esforços, já que não planejavam se instalar em nenhuma daquelas paragens inóspitas.

(...)

O próprio governo mantinha campos ilegais de detenção para prisioneiros políticos na área... Esses campos não possuíam cercas ou muros simplesmente porque a fuga era impossível...
Selva fechada e pântanos...
Não havia confrontos entre guardas e presos, até porque todos ali se sentiam detidos... Viviam isolados do mundo, e só mesmo quando o avião militar aterrissava lembravam que pertenciam a um país cujas instituições legitimavam aquela amarga existência.
Os campos secretos podiam enfrentar ainda mais problemas. Sobretudo quando governos caíam (isso era uma constante) e os novos mandatários sequer tinham conhecimento das “instalações ilegais”... Nessas ocasiões acontecia de, tantos os detidos como os responsáveis pelos campos, passarem necessidades e morrerem de fome.
A desgraça os unia... E é por isso que sequestravam o avião para escapar daquele inferno.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

domingo, 19 de junho de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – trágicas mortes dos filhos de Romulo Peredo, dois deles estiveram com o Che; jovens inscritos no “programa de combate ao analfabetismo” eram liderados por Chato; na tarde do dia 18 de julho, o assalto à mina de ouro explorada por norte-americanos; embrenhando-se na selva com o exército no encalço

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/06/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_18.html antes de ler esta postagem:

De fato, a existência de Romulo Peredo foi marcada por polêmicas com autoridades, relacionamentos com muitas mulheres, aventuras, tragédias e desventuras.
Seus seis filhos tiveram as vidas encerradas de modo violento. O mais velho, que também se chamava Romulo, morreu num tiroteio iniciado por uma discussão de bêbados numa bodega de Trinidad. O rapaz tinha trinta e seis anos... Esteban tinha vinte e três anos e trabalhava como vaqueiro quando morreu após discussão com companheiros de ofício... Pedro contava vinte e cinco anos quando perdeu a vida num entrevero com bandidos.
Romulo Peredo teve seus três últimos filhos com sua oitava esposa...
Coco ingressou na guerrilha do Che e morreu com vinte e oito anos... Inti também participou da mesma guerrilha e, após o massacre dos combatentes, ainda sobreviveu por um ano como “guerrilheiro solitário” perambulando pela Bolívia. A “polícia de La Paz o fuzilou enquanto dormia”.
Como vimos, o mais jovem dos filhos de Romulo, Chato Peredo, frequentava o El Canto e liderava uma série de discussões entre os jovens estudantes... Sabe-se que pretendia vingar a morte dos irmãos... Seus companheiros estavam animados pelos ideais revolucionários, pelo exemplo do Che, e queriam derrubar o regime ditador...
Não demorou e se tornaram um grupo de jovens guerrilheiros dispostos a adentrar a floresta.


(...)

Na sequência Kapuscinski transcreveu o que ouviu da fita magnética produzida por Guillermo Veliz, um daqueles revolucionários.
O grupo liderado por Chato contava setenta e cinco jovens estudantes... Eles estavam inscritos num programa governamental de “combate ao analfabetismo”. No dia 18 de julho de 1970 encontraram-se diante do Palácio Presidencial, em La Paz. O ministro da Educação, Mariano Gumucio, fez um discurso oficial destacando a importância de se combater o analfabetismo. A autoridade agradeceu o despojamento dos jovens estudantes...
Foi uma pequena cerimônia de despedida dos rapazes.
Veliz destaca que os dois caminhões que os levariam para o interior estavam repletos de mantimentos e de armas... Mas ninguém desconfiou que eles pudessem estar tramando algo tão radical.
(...)
Na tarde daquele mesmo dia chegaram à mina de ouro South American Placers, que era explorada por uma empresa da Califórnia... Os rapazes a tomaram de assalto e explodiram o elevador... Dois técnicos da RFN foram feitos reféns... Alejandro, que era o subcomandante da guerrilha telefonou para o Palácio Presidencial para apresentar as exigências do grupo sublevado.
Os técnicos norte-americanos seriam libertados assim que o governo soltasse dez companheiros que haviam colaborado com o Che. Eles estavam presos e sofrendo tortura. Os rapazes sabiam que Loyola, a jovem que servira de elo junto a Guevara, era quem mais sofria... Por esses motivos insistiam em sua libertação.
Pelo visto o exército aceitou as exigências e aproveitou para obter trezentos mil dólares da embaixada americana... Os militares disseram que aquilo era uma exigência dos rebeldes... Algo que Veliz garantia ser “uma mentira deslavada”.
(...)
De madrugada o grupo já estava há trezentos quilômetros de La Paz... Haviam chegado a Teoponte, mas evitaram a pequena cidade, pois a mesma encontrava-se ocupada por grande contingente militar.
Os jovens guerrilheiros abandonaram os caminhões na estrada e penetraram a floresta.
Logo perceberam que sua jornada seria das mais arriscadas... Era a primeira vez que a maioria deles deixava a cidade!
Evidentemente as forças de repressão tinham ideia definida sobre sua posição, e é por isso que o exército sempre os acompanhou de bem perto...
(...)
Os dias se passaram... Aviões voavam sobre eles constantemente, de dia e também à noite...
Não tiveram nenhuma trégua...
E para complicar ainda mais, os militares haviam tomado estradas e ocupado até os pequenos povoados.
Não restava alternativa senão a de se esconderem na selva e nas montanhas...
Adotaram a estratégia de mudar de esconderijo várias vezes para não se tornarem alvos fixos dos inimigos.
Então tiveram de manter marcha constante em terreno que desconheciam totalmente.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

sábado, 18 de junho de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – sobre a morte do Che na Bolívia e o engajamento de jovens em novos “focos guerrilheiros”; a bodega “El Canto”, as cantigas tristes do índio Diego Fernandez e os encontros dos jovens agitadores; sobre Romulo, editor de “jornal marrom” e pai de Chato Peredo

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/06/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_7.html antes de ler esta postagem:

Depois do texto sobre a “Guerra do Futebol” Kapuscinski dedicou algumas páginas de seu libro para episódios que ocorriam na Bolívia.
Como se sabe, Che Guevara embrenhara-se nas florestas daquele país com um grupo de guerrilheiros com a finalidade de derrubar o regime ditatorial local... Enquanto viveu não abandonou o seu ideal de contribuir para que a revolução socialista se estendesse a outros países (depois de triunfo em Cuba participou de ações no Congo em 1965).
Mas o Che foi capturado e executado pelo exército boliviano em 9 de outubro de 1967. Sua morte representou grande revés aos revolucionários de todo o continente... Ao mesmo tempo motivou muitos jovens, sobretudo estudantes universitários, ao engajamento nos movimentos anti-imperialistas.
(...)
Kapuscinski transcreve o relato (a partir de fita magnética) de Guillermo Veliz, jovem que fez parte de um desses grupos.
Em meados de 1970 o rapaz seguiu com dezenas de companheiros para o interior das florestas bolivianas... Esperavam vingar o Che... Esperavam concluir sua tarefa revolucionária.
Evidentemente o autor não travou diálogos com os personagens citados... Todavia seus registros nos levam a reflexões a respeito da realidade dos países latino-americanos desde a segunda metade da década de 1960 e sobre o envolvimento dos jovens nas lutas pela superação da condição de subdesenvolvimento.

(...)

O polonês inicia o seu texto tecendo considerações sobrea bodega “El Canto”, localizada num porão de um velho prédio nas proximidades do Plaza Murillo, em La Paz.
O ambiente era dos mais decadentes e o acesso se dava a partir de uma “escada quase em ruína”... Na entrada, o frequentador recebia uma caneca de vinho tinto e depois seguia com dificuldade para um ambiente escuro.
A principal atração do lugar era um índio chamado Diego Fernandez. Ele tocava uma guitarra e cantava canções tristes. Não iniciava sua apresentação sem acender uma vela, o que tornava a atmosfera das mais sombrias.
Kapuscinski destaca o conteúdo de uma das composições apresentadas por Fernandez... A música fala de uma donzela apaixonada por certo Rosendo. Ela implora ao amado para que não morra, pois estão de casamento marcado para o dia seguinte e todas as providências (convites entregues, a única vaca que possuíam fora sacrificada para os festejos, o salão de festas estava limpo e a cerveja estava reservada nos jarros...).
Todas as cantigas eram sobre as durezas da vida e sobre os amores impossíveis de se concretizarem.
(...)
Os frequentadores da bodega eram jovens de “espíritos agitados”... Reuniam-se ruidosamente para trocar ideias a respeito das possibilidades de agitações conspiratórias e golpes... Os revoltados mais exaltados jamais desconsideravam a possibilidade de participar de grupos guerrilheiros.
O mais exaltado era Chato Peredo, de 29 anos.
(...)
Kapuscinski concorda que a história da família desse rapaz podia render um romance. Sobre Romulo Peredo, o pai de Chato, diz-se que era um borracho e que no passado editava um “jornal marrom”, “El Imparcial”, em Cochabamba.
Sobre os textos de Romulo sabe-se que eram escandalosos e que provocavam muita confusão nos meios políticos e entre os tipos mais influentes da sociedade boliviana.
O polonês cita publicação do “Imparcial” a respeito da “violação cometida pelo vigário de Pocon a uma menina de seis anos”... O religioso exigiu reparações, o que foi realizado mediante o pagamento de cem pesos... A retificação foi publicada no dia subsequente, mas no mesmo texto a acusação recaía sobre outro vigário, o de Colon...
Nova confusão estabelecida... Novos protestos e retificações... Era sempre assim...
Mas começou a ocorrer de os injuriados não aceitarem pedidos de desculpas e retificações... Vários foram os que se dirigiram a Cochabamba para surrar o senhor Romulo Peredo. E foi por isso que ele decidiu contratar um lutador de boxe, famoso na Bolívia, Ernesto Alduante, para dirigir o “El Imparcial”. Isso deu resultado, já que aos poucos as ameaças ao jornal e ao editor-chefe diminuíram.
(...)
Na próxima postagem teremos mais algumas informações sobre Romulo e seus filhos... Pelo menos dois deles se envolveram diretamente na guerrilha da qual o Che participou.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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