quarta-feira, 26 de maio de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – ações da confraria dos Homens Pretos na assistência e compra de alforrias; extrapolações, punições e concessões autorizadas pela Coroa; trechos de “Legitimações de D. João III” e de “Confraria para pretos em Lisboa”, do Padre Antonio Brásio; encenações da coroação de rei e rainha do Congo no interior da igreja e coreografias africanas no exterior; a festividade chegou ao Brasil


Conforme salientamos ao final da última postagem, os negros cristianizados do Congo levados para Portugal somaram grande contingente.
Informações coletadas por Antônio Luís Ferronha em “As cartas do ‘rei’ do Congo D. Afonso”, a partir de carta “do corregedor português no Congo, Manuel Pacheco, ao rei D. João III datada de 26 de março de 1536”, dão conta de que o número de africanos capturados do reino cristão permaneceu entre 4 e 5 mil ao ano (de 1530 a março de 1536).
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Uma vez que obtiveram a permissão da Coroa para participar de “atividades pastorais” através da Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, colocaram “a instituição da igreja a seu serviço”.
Os congoleses criaram uma “caixa de socorro” para o recolhimento de fundos destinados à “ajuda aos irmãos desamparados” e para comprar alforrias daqueles que consideravam merecedores.
De tal modo os membros da confraria se empenharam em seus objetivos que extrapolaram alguns limites... O livro cita trecho de documento (do livro IX de “Legitimações de D. João III”, selecionados por Pedro de Azevedo em “Os escravos”; “Arquivo Histórico Português, volume I, nº 9) a respeito da prisão, em 1533, de um “mordomo da confraria” por encaminhar-se a cavalo “a serviço de Nossa Senhora para forrar um escravo dez léguas fora da cidade”...
Apesar das advertências e reprimendas do começo, a partir de 1540 a Confraria dos Homens Pretos foi agraciada com uma série de autorizações da Coroa, principalmente as que diziam respeito à coleta de “esmolas aos domingos pelas ruas” com o objetivo de “celebrar os cultos divinos”.
O livro destaca que a alegação descrita no parágrafo anterior foi invocada em fevereiro de 1688 “pela Confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Salvador, de Lisboa, (...) na forma dos alvarás que para esse efeito lhes foram concedidos”.
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Muitas outras concessões reais à Confraria dos Homens Pretos foram firmadas... Em 1550, por exemplo, D. João III a dispensou “da obrigação de prestação de contas ao Hospital Real de Lisboa das esmolas arrecadadas”. Essa dispensa foi reafirmada por D. Sebastião em 1574.
O padre Antonio Brásio teceu considerações a respeito em “Confraria para pretos em Lisboa” no seu ”Os pretos em Portugal” e destacou que, quatro anos mais tarde, o mesmo D. Sebastião deu permissão à Confraria “para recrutar por toda Lisboa negros forros vadios e sem ofícios, e obrigá-los à prestação de serviços à Associação em troca de assistência social”.
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Os congoleses cristianizados reafirmaram sua identidade religiosa e cultural conforme se organizaram em torno da Confraria de Nossa senhora do Rosário dos Homens Pretos na Igreja de São Domingos e de outras consagradas à mesma devoção.
Tinhorão informa que nos anos 1600 os congoleses deram início à “festiva teatralidade destinada à recuperação simbólica de sua grandeza perdida: a criação de um Reinado do Congo”.
Desse modo, os negros devotos de Nossa Senhora do Rosário organizaram encenações que remetiam ao remoto reino africano do Congo, à coroação do rei e da rainha, além da nomeação de nobres...
Referências evidentes de sua memória desde as “instruções de 1512” enviadas por D. Manuel ao “mani Mbemba a Nzinga, D. Afonso I” através de seu representante Simão da Silveira, a tais encenações eram incorporadas uma série de coreografias que lembravam “embaixadas e exercícios guerreiros africanos”.
A festividade tinha o momento específico da coroação dos reis, que se dava no interior da igreja... A “coroa real de cartão dourado” imitava as coroas das realezas europeias, bem diferentes do “impu”, barrete que, no Congo, representava o “poder temporal e espiritual” do mani.
A parte festiva e marcada por desfiles, simulações de batalhas e danças ficava para o exterior da igreja.
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A festividade da coroação do rei e da rainha que ocorria em Portugal foi trazida ao Brasil pelos escravizados utilizados pela metrópole no processo de colonização... Por aqui, as alegres cerimônias transformaram-se “em fenômeno folclórico sob os nomes de congadas, congos ou congados”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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