Aos poucos os vaqueiros perceberam que o gado seguia com segurança e que os surtos violentos desapareceram de vez... Os animais passaram a seguir como se fizessem parte de uma centopeia gigantesca. É claro que não podiam descartar as surpresas, mas os homens assumiram um semblante de satisfação.
A procissão seguia em ordem e só eventualmente um dos vaqueiros gritava um aboio... Até mesmo os cavalos passaram a “gingar bovinamente” e o ritmo passou a ditar o balanço uniforme dos cavaleiros. Logo podiam ser vistos misturados ao grande rebanho.
Quem observasse a certa distância poderia dizer que a boiada ia “como um navio”.
(...)
Mas
a monotonia era aparente. Do meio da procissão bovina sempre podia se destacar
um boi mais enfezado.
De fato, um dos
vaqueiros advertiu aos gritos um dos marrueiros (se diz do gado que adota
comportamento selvagem)... Outro quis saber se o bicho havia investido... A
resposta foi negativa. Mas havia sido por pouco, e o peão explicou que o boi
carregava enorme cupim tal como os cobiçados zebus.
Raimundo
observou que se fosse dono daquele não o enviaria para o corte... Concordou que
o animal era mesmo bonito e que o fazia lembrar-se do Calundú, o maior zebu que
já tinha visto.
Um dos homens
perguntou se o Calundú era Guzerá (antiga raça de bois; a primeira espécie zebu
introduzida no Brasil em tempos coloniais)... Raimundo não tinha certeza, mas
respondeu que era bem provável...
Outro quis saber se o
Calundú era baio (de pelagem castanha) como Paulatão (outro conhecido animal do
pessoal da Tampa). Raimundo disse que o famoso zebu tinha uma cor do céu quando
está anunciando chuva... Emendou que seu berro era rouco e que impunha
respeito.
Os que o ouviam
concordaram... Um deles disse que “todo zebu se impõe”. Então Raimundo
salientou que o Calundú era mais que os outros, e exclamou um “que marruaz!” (o
mesmo que marrueiro).
(...)
Os vaqueiros
conduziam a boiada pela estrada. O momento era de calmaria, pois o gado “ia
como navio” e os cavalos acertaram suas passadas com as dos bois.
Os homens interromperam a cantoria e estavam interessados no caso do
Calundú.
Um deles quis saber o que tornava o animal diferenciado dos demais...
Raimundo contou que ele parecia manso e que raras vezes o viam agitado. Mas
aconteceu que certo dia o Calundú travou briga com um reprodutor da fazenda dos
Oliveiras, também zebu “dos pintados”.
A luta foi de gigantes e durou umas duas
horas... No final o Calundú derrubou o adversário no desbarrancado. O pintado saiu
quase morto do combate.
Outro vaqueiro que
ficou impressionado com a história quis saber como lidavam com boi de tamanha
brabeza... Raimundo respondeu que os vaqueiros “de fora” tinham dificuldade. E
tinha mais! Calundú era de natureza diferente. Nunca atacava uma pessoa que
estivesse a pé. Era do tipo que gosta de correr atrás dos que estão em montaria...
E tinha fama de encostar o ouvido no chão para se antecipar aos cavaleiros que
chegavam de longe.
(...)
Neste ponto da narrativa, Sebastião observou que estavam entrando no
cerradão aberto e que precisavam tomar cuidado para que os bois não se
espalhassem.
Juca
Bananeira gritou aos mais afastados para que “abrissem guia e afrouxassem o
coice”. No mesmo instante os que estavam mais atrás se afastam para aboiar: “E-ê-ê-ê-ê,
boi...”...
Os que íam à frente: “Eh,
boi-vaca! Tchou! Tchou! Tchou!... Ei! Ei!...” ...
Logo os animais
obedeceram à formação... O rebanho tornou-se mais estirado e alongado... O
autor compara a fileira que formaram às dos pelotões de disciplinados soldados.
Juca
Bananeira tomou posição para contemplar a movimentação dos animais... Suspirou
e com admiração exclamou: “Mundo velho, ventania!”
(...)
Os bois aceleraram as
passadas...
Um deles perdeu o
ritmo e foi empurrado... O animal saiu da formação todo desajeitado tal qual
boneco mamulengo e, de pernas dobradas foi topar justo no cavalo de Raimundo...
O contador de causos se espantou e gritou ordem para que o baqueado voltasse à
fileira ritmada.
A grande quantidade
de cascos avançando pela estrada fez o chapadão repercutir a troada. Na dianteira
Zé Grande seguia tocando o berrante... Os companheiros voltaram à cantoria triste
que contagiava os bois... Assim o passo se cadenciou novamente.
Um
dos homens observou ao Raimundo que tinham alcançado a chuva... Depois notou
que um garrote preto estava avançando nas cercas da beira de estrada. Será que
o Calundú era dado a essas ousadias?
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_79.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto