Sete-de-Ouros se afastou dos cavalos... Eles eram grandes e afeitos a confusões. Não podia esperar que o fortão da cor escura da amora se virasse e lhe desferisse o coice duplo... Do outro lado, o pampeiro pronto para morder já arreganhava os beiços.
Sem pestanejar, o burrico passou pelos dois e tomou o rumo do pátio. Passou pelos bois que eram utilizados para puxar carroça... Mesmo livres da canga, os enormes animais de argolas nos chifres permaneciam lado a lado.
Mais afrente estavam as vacas leiteiras... O grupo estava pacato, pois todas já haviam sido ordenhadas e tinham a companhia de seus bezerros. Sete-de-Ouros passou por elas tranquilamente sem se esquecer de afastar-se da Açucena, vaca enorme que dera à luz ao seu bezerrinho há apenas dois dias.
A verdade é que o Major Saulo ou outro vaqueiro teriam feito o mesmo... A Açucena seria bem capaz de perseguir qualquer um que se aproximasse de sua cria... Sua chifrada podia ser fatal. Todos sabiam dessa possibilidade, temiam os violentos ferimentos nas costelas e na altura do umbigo... E ainda o serem lançados a cerca de seis metros com as tripas de fora!
(...)
Sete-de-Ouros
encostou-se nos pilares que sustentavam a varanda do casarão.
Lambeu
o peito e levou o beiço ao chão tal como uma tromba a soprar a poeira. Talvez
estivesse se acomodando para umas boas horas de sossego longe dos currais, dos
cavalos impertinentes e dos perigos proporcionados pela Açucena.
Todavia, sem o saber,
ele se aproximara do Major Saulo, que estava mesmo a fazer os últimos acertos
para a expedição do dia... E, como veremos mais adiante, o Sete-de-Ouros não
seria dispensado.
O burrinho teria se
equivocado ao se instalar no pé da varanda? O autor crava uma interessante
frase: “O equívoco que decide do destino e ajeita caminho à grandeza dos homens
e dos burros”... Como sabemos, o dia estava apenas começando... Podemos prever
que seria um dia de trabalho e de muita ação para o Sete-de-Ouros...
(...)
Francolim, que era uma espécie de “imediato” do Major Saulo havia
chegado com a notícia de que vários cavalos tinham escapado por um rombo na
cerca que dava para o pasto-do-açude... Não teriam como recolhê-los, pois
certamente já desciam a serra e talvez estivessem no Brejal, onde viviam os
bichos do mato e a terra era “sempre úmida”.
Obviamente essa notícia irritara o patrão... Mas era do
seu gênio sorrir nas mais diversas circunstâncias... Seus olhos esverdeados
estavam cheios de raiva e outras partes de seu corpo denunciavam o riso
nervoso.
A cadelinha que todos chamavam de Sua-Cara se
aproximou do grande homem... Ele brincou com ela e pôs-se a falar num misto de
riso e seriedade brava que tinha vaqueiros que eram “bons violeiros”... E como
se não bastasse, seus cavalos eram espertos o suficiente para “furarem
tapumes”.
Sem abandonar o riso
nervoso, e sem perder a calma (essa combinação em sua postura era a que mais
temiam), o patrão sentenciou que pagava o que devia por compromisso, e que
todos em suas terras valiam o feijão que comiam...
O homem estava enfurecido, mas não se esquecia do trabalho que tinham a
realizar... Protestou contra o tempo que não estava dos melhores e também do
avançado da hora.
Por
fim dispensou a cachorrinha Sua-Cara e, voltando-se diretamente para o mulato Francolim,
quis saber quantos cavalos haviam ficado. O rapaz respondeu que o cavalo cardão
(cor que puxa para o azulado) do próprio patrão não havia escapado. Completou
dizendo que os peões Silvino, Benevides, Zé Grande, ele mesmo e o Leofredo
mantinham seus animais. Lembrou-se que havia também o alazão e mais o
Rio-Grande...
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/04/o-burrinho-pedres-conto-de-sagarana-de_2.html
Leia: O
Burrinho Pedrês – conto de Sagarana. Editora José Olympio.
Um abraço,
Prof.Gilberto