domingo, 25 de abril de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – fragmentos do alvará de D. João III de 1º de fevereiro de 1545; buscando formas de manter os cativos sob controle e afastados de qualquer interação social; da compilação de “leis estravagantes de Portugal” por Duarte Nunes Leão; considerações sobre o número de escravos enviados ao país até o início do século XVI; monopólio estatal e concessão de permissões por contrato a agentes particulares; explicando o pequeno número de congoleses entre os cativos; nova sugestão de leitura do autor


Em 1524, ainda no começo do reinado de D. João III, a partir de uma demanda de Lisboa, determinou-se “que daí em diante nenhum escravo, nem escrava cativos, quer sejam brancos que pretos, vivam em casa por si”... Isso quer dizer que, de modo algum, admitia-se perder o “controle social sobre os africanos importados”, que deveriam permanecer apenas numa condição de “força de trabalho e prestadores de serviços”.
O caso é que as relações próprias dos que vivem nas cidades continuaram a seguir seu percurso natural (humano) e ameaçaram o referido controle social e a condição de “força ‘material’ de trabalho” da gente negra. Tanto é que o estabelecido em 1524 por D. João III foi reiterado por alvará específico de 1º de fevereiro de 1545.
Um trecho deste alvará que corrobora a questão problematizada anteriormente está destacado no livro:

                   “E que nenhum mourisco nem negro, que fosse cativo, assim homem como mulher, agasalhem, nem recebam nas casas onde viverem, algum escravo ou escrava cativos, nem dinheiro, nem fato (roupa, vestido), nem coisa alguma, que lhe os cativos derem, ou tragam às suas casas, nem lhes comprem coisa alguma, nem hajam deles por outro algum título, sob pena de pagar por cada vez dez cruzados, a metade para as obras desta cidade, e a outra para quem os acusar, além de mais pena que por direito e ornações por isso incorrerem”.

(...)
O livro esclarece que os últimos fragmentos (aqui apresentados) fazem parte de textos maiores que foram compilados por “Duarte Nunes de Leão por mandado do muito alto e muito poderoso rei D. Sebastião, nosso Senhor” em livros divididos em partes que especificam “leis extravagantes de Portugal”.
Na coleção, a Lei de 1521 (mencionada na postagem anterior) é citada por Nunes de Leão como “Lei IV. Dos escravos que jogam na Corte ou em Lisboa”; o alvará de fevereiro de 1545 (cujo fragmento está nesta postagem) é citado como “Lei IX. Que não sirvam por si escravos alguns e que os forros não recolham cativos”.
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Todo cuidado do Estado português em “neutralizar internamente a possível contaminação dos seus costumes e valores locais pelos africanos” começou a se enfraquecer e a perder sentido na medida em que este mesmo Estado buscou estabelecer na África um simulacro de reino cristão.
Aconteceu, então, que as condições impostas aos negros na metrópole acabaram por favorecer o surgimento “de um reino africano tão teatralizado” quanto o que o reino português criara além-mar. Isso é assunto para postagens mais à frente.

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Retomando algumas informações para destacar “o respeito oficial ao Congo cristão”...
Do final do século XV ao começo do XVI cerca de quinze mil africanos foram compulsoriamente transferidos para Portugal, onde amargaram a exploração escravista. Pelo menos durante este período os oriundos do Congo eram bem poucos. E isso tem a ver com a instauração, em 1491, do “reino cristão” do mani Nzinga a Nkuwu que, como sabemos, foi batizado com o nome cristão de D. João I... Ao menos formalmente o reino ibérico reconhecia a “reciprocidade de direitos” para com o aliado africano.
Como vimos, por um bom tempo Portugal alimentou a esperança de que a aliança com o reino do Congo se tornasse efetiva em relação ao acerto militar que fizesse frente aos seus rivais árabes... Contudo, conforme os empreendimentos com vistas à conquista do mercado das riquezas do Oriente deram bons resultados, a demanda pela força do trabalho escravo cresceu significativamente, e os interesses que o tráfico de escravos passou a representar também explicam a mudança de foco de muitos negociantes portugueses na região.
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Por um bom tempo, a transferência de escravos desde a África foi negócio exclusivo do governo a partir da feitoria de Arguim, na Mauritânia. Foi assim que de 1440 a 1450, entre 1500 e 2000 escravos chegaram a Portugal. Esse número saltou para 38500 (até uns 44000) por ocasião do arrendamento do negócio a particulares, o que ocorreu até 1505, quando se deu a retomada do monopólio estatal.
O livro destaca ainda que durante vinte anos (1450 a 1470), entre 12 e 15 mil escravos teriam saído das imediações do Senegal.
A partir de 1470, e por cinco anos, Fernão Gomes estabeleceu contrato com o governo e teve a permissão de retirar entre 10 e 12 mil escravos do continente africano, “elevando, em 73 anos (assim mesmo; como se encontra no livro), até 1505, o total de escravos para 73 a 76 mil”.
Os dados referentes às transferências de escravos da África para Lisboa são de Tinhorão em “Os negros em Portugal”, mais especificamente no capítulo “Os números da escravidão até o início do século XVI”.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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