Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_24.html antes
de ler esta postagem:
Em
1524, ainda no começo do reinado de D. João III, a partir de uma demanda de
Lisboa, determinou-se “que daí em diante nenhum escravo, nem escrava cativos,
quer sejam brancos que pretos, vivam em casa por si”... Isso quer dizer que, de
modo algum, admitia-se perder o “controle social sobre os africanos
importados”, que deveriam permanecer apenas numa condição de “força de trabalho
e prestadores de serviços”.
O caso é que as relações próprias dos que vivem nas
cidades continuaram a seguir seu percurso natural (humano) e ameaçaram o
referido controle social e a condição de “força ‘material’ de trabalho” da
gente negra. Tanto é que o estabelecido em 1524 por D. João III foi reiterado
por alvará específico de 1º de fevereiro de 1545.
Um trecho deste alvará que
corrobora a questão problematizada anteriormente está destacado no livro:
“E que nenhum
mourisco nem negro, que fosse cativo, assim homem como mulher, agasalhem, nem
recebam nas casas onde viverem, algum escravo ou escrava cativos, nem dinheiro,
nem fato (roupa, vestido), nem coisa alguma, que lhe os cativos derem, ou
tragam às suas casas, nem lhes comprem coisa alguma, nem hajam deles por outro
algum título, sob pena de pagar por cada vez dez cruzados, a metade para as
obras desta cidade, e a outra para quem os acusar, além de mais pena que por
direito e ornações por isso incorrerem”.
(...)
O livro esclarece que os últimos fragmentos (aqui
apresentados) fazem parte de textos maiores que foram compilados por “Duarte
Nunes de Leão por mandado do muito alto e muito poderoso rei D. Sebastião,
nosso Senhor” em livros divididos em partes que especificam “leis extravagantes
de Portugal”.
Na coleção, a Lei de 1521 (mencionada na postagem
anterior) é citada por Nunes de Leão como “Lei IV. Dos escravos que jogam na
Corte ou em Lisboa”; o alvará de fevereiro de 1545 (cujo fragmento está nesta
postagem) é citado como “Lei IX. Que não sirvam por si escravos alguns e que os
forros não recolham cativos”.
(...)
Todo cuidado do Estado português em “neutralizar
internamente a possível contaminação dos seus costumes e valores locais pelos
africanos” começou a se enfraquecer e a perder sentido na medida em que este
mesmo Estado buscou estabelecer na África um simulacro de reino cristão.
Aconteceu, então, que as condições impostas aos negros
na metrópole acabaram por favorecer o surgimento “de um reino africano tão
teatralizado” quanto o que o reino português criara além-mar. Isso é assunto
para postagens mais à frente.
(...)
Do final do século XV ao
começo do XVI cerca de quinze mil africanos foram compulsoriamente transferidos
para Portugal, onde amargaram a exploração escravista. Pelo menos durante este
período os oriundos do Congo eram bem poucos. E isso tem a ver com a
instauração, em 1491, do “reino cristão” do mani Nzinga a Nkuwu que, como
sabemos, foi batizado com o nome cristão de D. João I... Ao menos formalmente o
reino ibérico reconhecia a “reciprocidade de direitos” para com o aliado
africano.
Como
vimos, por um bom tempo Portugal alimentou a esperança de que a aliança com o
reino do Congo se tornasse efetiva em relação ao acerto militar que fizesse
frente aos seus rivais árabes... Contudo, conforme os empreendimentos com
vistas à conquista do mercado das riquezas do Oriente deram bons resultados, a
demanda pela força do trabalho escravo cresceu significativamente, e os
interesses que o tráfico de escravos passou a representar também explicam a
mudança de foco de muitos negociantes portugueses na região.
(...)
Por um bom tempo, a transferência de escravos desde a
África foi negócio exclusivo do governo a partir da feitoria de Arguim, na
Mauritânia. Foi assim que de 1440 a 1450, entre 1500 e 2000 escravos chegaram a
Portugal. Esse número saltou para 38500 (até uns 44000) por ocasião do
arrendamento do negócio a particulares, o que ocorreu até 1505, quando se deu a
retomada do monopólio estatal.
O livro destaca ainda que
durante vinte anos (1450 a 1470), entre 12 e 15 mil escravos teriam saído das
imediações do Senegal.
A partir de 1470, e por cinco anos, Fernão Gomes
estabeleceu contrato com o governo e teve a permissão de retirar entre 10 e 12
mil escravos do continente africano, “elevando, em 73 anos (assim mesmo; como
se encontra no livro), até 1505, o total de escravos para 73 a 76 mil”.
Os dados referentes às transferências de
escravos da África para Lisboa são de Tinhorão em “Os negros em Portugal”, mais
especificamente no capítulo “Os números da escravidão até o início do século
XVI”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/05/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto