terça-feira, 20 de abril de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – mais alguns esclarecimentos sobre o inglês A.P.D.G e suas considerações sobre aspectos culturais da vida dos portugueses; atuação de negros nos intervalos das touradas em Lisboa; o trágico episódio de 1792; sugestões de leituras; Friedrich Link, seu “Voyage en Portugal, fait depuis 1797 jusqu’en 1799”, anotações preconceituosas e precipitadas; retificação em “Voyage en Portugal, par M. le Comte de Hoffmansegg”; uma introdução para o estudo da parte sobre a cristianização dos “mouros negros” com breve apresentação dos vários povos contatados pelos portugueses na África durante os séculos XV e XVI


Em nota, Tinhorão destaca que A.P.D.G. “esteve duas vezes em Portugal: a primeira entre 1793 e 1804, e a segunda em 1809 (parece que após visita ao Brasil)”, tendo permanecido “até cerca de 1825”. Seus registros estão compilados em “Sketches of Portuguese life: manners, costume and character”, organizados por Geo. B. Whittaker (1826).
O inglês observou diversos aspectos das manifestações culturais portuguesas, como podemos verificar no fragmento que segue:

                   “a música dos portugueses tocada em violas de cordas de arame (wire string guitar), consiste principalmente em valsas, lundus (landus) e no acompanhamento de suas modinhas”.

Há ainda o registro sobre a atuação de um negro durante o intervalo de tourada... Tal episódio deu-se em trágico, pois o homem provocou o touro com “negaças de corpo” praticamente sem ter como se defender, já que portava apenas um punhal e acabou levando uma chifrada no peito “enquanto o público o aplaudia atirando-lhe moedas”.
(...)
A respeito da atuação de negros nos intervalos de touradas em Lisboa, Tinhorão sugere a leitura de “O negro nas touradas”, que faz parte de “Os negros em Portugal”, de sua autoria.
Especificamente o episódio citado por A.P.D.G., o autor esclarece que teria ocorrido “em 1792, durante a festa de Nossa Senhora do Barreiro, na margem esquerda do reio Tejo, fronteira a Lisboa”.
(...)
Heinrich Friedrich Link, botânico alemão que dedicou parte de seus estudos à flora portuguesa, deixou-nos relatos sobre sua viagem pelo país ibérico, onde permaneceu por dois anos.
Friedrich Link publicou “Voyage en Portugal, fait depuis 1797 jusqu’en 1799”. Em 1802 os portugueses tomaram conhecimento de sua versão francesa, e nela encontraram certas opiniões precipitadas e preconceituosas sobre a presença de negros em Lisboa. O alemão afirmava, por exemplo, que na capital portuguesa “a maior parte dos ladrões são negros”.
É certo que três anos depois, Link redimiu-se ao inserir em “Voyage en Portugal, par M. le Comte de Hoffmansegg”, de autoria de seu parceiro pesquisador, o conde de Hoffmansegg:

                   “O que eu disse no tomo I, p. 264 (de seu livro ‘Voyage en Portugal, fait depuis 1797...’) sobre os negros de Lisboa não foi comprovado. Um bom conhecedor do país negou que grande parte dos negros fossem malfeitores”.

Apesar da retificação no livro do conde de Hoffmansegg, Link não deixou de notar o aumento do número de mendigos e de tipos que viviam de pequenos delitos e confusões (“courtier de débauche”, na “expressão coloquial francesa”) nas praças, os chamados rufiões.
Essas considerações do alemão a respeito dos negros que viviam à margem da sociedade lisboeta continuaram a influenciar opiniões preconceituosas.

(...)

Há uma parte do livro que trata da cristianização dos “mouros negros” pelos portugueses e para melhor esclarecimento, o autor retoma acontecimentos mais antigos. Segue breve introdução...
Na segunda metade do século XV, os portugueses estabeleceram feitorias na África (1482, no Castelo da Mina; 1489, na ilha de Arguim). Isso ocorreu logo que os exploradores chegaram com seus navios à foz do Zaire... Já fazia mais de cinco séculos que os nativos locais eram islamizados.
Os portugueses chamavam genericamente aos africanos islamizados de “mouros negros”, sem levar em consideração que eles pertenciam a diferentes grupos que ocupavam áreas “desde o rio Gâmbia, ao sul da Mauritânia, até o fundo do golfo da Guiné, na altura do Equador”. Eram eles:

                   “jalofos, da Gâmbia ao Senegal; fulas, saracolés, balantas e manjacas espalhados pela costa da Guiné até o início de seu golfo; a partir dessa posição podiam ser encontrados mandingas na altura da Serra leoa e hauçás, da costa da Nigéria até a bacia de benin, próximo à foz do rio que lhe dá o nome”.

Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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