sábado, 10 de abril de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – novos relatos de estrangeiros sobre a presença dos negros na Lisboa de fins do século XVIII; Duc du Châtelet e suas impressões sobre a animação das ruas por ocasião das festas de coroação de D. Maria I; a “fofa”, uma animada dança, sugestões do autor para maiores informações; o aristocrata William Beckford, cartas desde a corte de D. Maria I e suas impressões acerca da presença de crianças negras para a companhia de mulheres da nobreza; sobre a Negra Rosa, mulher de prestígio na corte; “webgrafia” para acesso a “A corte da rainha D. Maria I: correspondência de W. Beckford”


“Rei do Congo” destaca ainda três registros de estrangeiros que de algum modo se admiraram com a presença de negros e suas atividades na Lisboa de fins do século XVIII.
(...)
Duc du Châtelet (provavelmente um pseudônimo) chegou à cidade em 1777, à véspera da coroação de D. Maria I... De acordo com seus relatos, os dias eram festivos e o que mais chamava a atenção do estrangeiro eram as manifestações populares.
Em suas anotações, o francês cravou que “a cidade vivia uma agitação que nem consigo descrever”. Certamente a “fofa”, uma dança popular da qual o contingente negro participava calorosamente, despertou sua curiosidade.
A respeito da “fofa”, Tinhorão sugere, de sua autoria, a leitura de “Os sons dos negros no Brasil – Cantos, danças, folguedos: origens”, de 2012, e mais precisamente o capítulo intitulado “A razão das umbigadas: o lundu, a fofa e o fado”.
Duc du Châtelet escreveu sobre o que via pelas ruas, notadamente grupos de negros em animadas cantigas. Interessava-se sobretudo por achá-las “très licencieuses” (livres de convenções) e, acompanhadas por violas, “sempre vivas e alegres:

                   “Os negros, que são numerosos em Portugal, carregam relíquias ou pequenas imagens do Menino Jesus” (...)
                   “fazem-se acompanhar normalmente de tambores, violas e cornetas” (...)
                   “às vezes, voltando para casa pela meia-noite, encontrava grupos de homens e mulheres passando a noite nessa dança (a “fofa”).
(...)
Já a respeito do aristocrata inglês, William Beckford, o livro destaca sua experiência como aluno de Mozart e seu gosto pela produção literária, dado que chegou a adquirir na Suíça a biblioteca do também britânico, historiador, Edward Gibbon.
Os registros de Beckford datam de 1787... Por tratar-se de um milionário, os ambientes por ele descritos destoam dos destacados por Duc du Châtelet... Enquanto o francês focalizava os eventos das ruas da capital de Portugal, o inglês frequentava locais refinados, como ricos salões de nobres aburguesados e teatros...
Aliás, foi nos camarotes do “teatro popularesco do Salitre” que Beckford presenciou situações que julgou surpreendentes. Uma delas foi a presença “de uma negra protegida da rainha” e de algumas crianças negras irrequietas que faziam roda à “imponente senhora de Pombeiro, dama de honor de D. Maria I:

                   “No camarote do proscênio vi a afetada condessa de Pombeiro, que com os seus cheios louros e a alvura da sua cútis fazia um primoroso contraste com a cor de ébano de suas criadinhas pretas, que a ladeavam. O grande tom agora na corte, é andar rodeado de favoritos africanos, tanto mais estimados quanto mais feios, e enfeitá-los o mais ricamente possível” (...)
                   “Foi a rainha que deu o exemplo, e na Família Real andam à competência em presentear e festejar D. Rosa, a negra beiçuda e de nariz achatado válida de Sua Majestade”. (...)
                   “(...) aqueles alegres e fuscos inocentes estiveram sempre a falar na sua algaravia, apontando para o homem do compasso preto com um modo tão completamente africano, que para mim as suas contorções foram a melhor parte do divertimento”.

Conforme nota que consta em “Rei do Congo”:
* Os dois primeiros fragmentos são da “Carta XXVI” (3 de novembro de 1787) que consta em “A corte da rainha D. Maria I: correspondência de W. Beckford”, Ed. Tavares Cardoso & Irmãos, 1901. Nota do livro esclarece que “A negra Rosa, preferida da rainha de Portugal, seria citada ainda três anos depois em Sintra, em 1790, pelo arquiteto inglês James Murphy, sentada ao lado da rainha, com que por vezes fala e pousa a mão sobre o seu colo”;
* O terceiro fragmento é da “Carta XXV” (9 de novembro de 1787).

Em https://archive.org/details/crtedarainhadmar00beck/page/n3/mode/2up temos acesso ao arquivo citado. Disponível para a leitura, permite conferir as informações e eventuais equívocos citados no livro.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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