segunda-feira, 5 de abril de 2021

“Deus lhe pague”, peça de Joracy Camargo – considerações sobre os supersticiosos, sua ingenuidade na busca de “soluções fáceis” e a infelicidade que os domina; Barata quer confrontar a condição do companheiro com a dos que ele julga infelizes; uma estranha concepção em torno da realização dos casais a partir da sugestão e convencimento que o homem impõe à mulher em torno de limitações às expectativas diante da realidade; retomando a história de Péricles; o moço retornou à mansão na noite seguinte com o dinheiro; radiante, Nancy insistiu em despedir-se do velho antes da fuga

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/a-opera-de-tres-vintens-peca-de-bertold.html antes de ler esta postagem:

O velho quis mostrar que as pessoas correm atrás de “soluções fáceis” e de lideranças que garantem manter contato direto com o Ser Supremo... Falou de Maomé garantindo que ele havia sido analfabeto e que ainda assim “embrulhou os mais letrados de seu tempo”. Disse que no tempo presente também podem ser notadas excentricidades parecidas, e falou de “pretos velhos, ignorantes” que ganharam fama como macumbeiros e exercem influência sobre a “vida dos homens mais ilustres”. Luxuosos automóveis podem ser vistos à porta de broncas cartomantes!
Por que essas coisas acontecem? Sua resposta foi direta: “a infelicidade anula tudo”... Os infelizes recorrem muitas vezes à superstição... O supersticioso até poderia ser um sábio, mas a prática faz dele um dos maiores ignorantes. Assim, temos uma realidade das mais incoerentes vivenciadas pelos infelizes: esses “não creem em nada do que já sabem, para crer em tudo o que os outros dizem saber”.
(...)
Barato ouviu as palavras do companheiro a respeito da infelicidade alheia e observou que ele também era um “grande infeliz”, já que vivia com uma mulher que manifestava insatisfações apesar de ter tudo o que uma vida abastada pode oferecer. O velho disse que o amigo estava enganado já que, para ele, naquela história, sua mulher era a infeliz.
Mas então ela não havia encontrado a felicidade na companhia do rapaz? Barata estava mesmo curioso e queria logo conhecer o desfecho da narrativa anterior... O velho respondeu que a mulher só podia encontrar a felicidade com ele mesmo... Vivendo com ele, ela se convencia de que só o dinheiro podia proporcionar-lhe felicidade. Emendou que tudo o que Nancy desejava, ele concretizava, pois era um tipo endinheirado... Disse isso e quis mostrar que a máxima valia para outros homens em condições opostas à dele. Exemplificou com o caso do “poeta miserável e faminto” que experimenta uma vida feliz com sua esposa convencida por ele de que “a suprema felicidade está na miséria”.
Enfim, tudo o que a mulher deseja é o que o seu companheiro lhe sugere... Para Barata importava saber se o colega havia chegado a bons resultados com aquele princípio... O velho entendeu que o amigo esperava que ele voltasse a falar da história do jovem Péricles em sua trama para fugir com Nancy.
(...)
Neste ponto, o texto da peça esclarece que novamente o cenário da igreja deve se escurecer ao mesmo tempo que o cenário da sala da mansão volta a se iluminar...
Ali, Péricles entra empolgado e começa a chamar Nancy.
(...)
Ela veio ao seu encontro querendo saber das horas... Sete e meia da noite. Muito cedo... Sendo assim, o velho ainda não tinha retornado à casa. Péricles mostrou-se satisfeito e disse que era momento propício para fugirem.
Nancy não concordou, pois não queria fugir sem se despedir. O rapaz observou que “quem foge não se despede”. Ela garantiu que precisava ouvi-lo uma vez mais, assim levaria consigo “mais alguns ensinamentos”.
Péricles mostrou-se ansioso... Será que ela não percebia que o velho era perigoso? Ele podia sugestioná-la! Nancy respondeu que podia ficar tranquilo, pois a mocidade é bem mais “sugestionadora”. No momento importava saber se ele trouxera o dinheiro.
Sim! O dinheiro estava com ele. “Cem contos para comprar a felicidade do mundo!” Nancy se alegrou e o abraçou... Poderiam viajar, conhecer novos lugares, novas vidas... Que vontade tremenda de experimentar uma nova vida! Onde está o dinheiro?
O rapaz retirou os pacotes dos bolsos do sobretudo e pediu-lhe que guardasse consigo. Ela pegou o dinheiro e, exultante, exclamou que se tratava de verdadeira fortuna; “cem contos, amor e mocidade”. Tudo dela! Faltava apenas fugir na companhia de quem a faria remoçar.
Novamente Péricles insistiu que deviam partir imediatamente... Novamente ela discordou e explicou que precisava mostrar-se independente ao velho. Queria dizer-lhe umas frases cheias de sentido assim como aquelas que ele vivia a pronunciar. Era muito bom o sentimento de posse (de dinheiro) e de autonomia.
O moço impacientou-se e implorou para partirem o quanto antes. Nancy negou mais uma vez e sugeriu que ele retornasse mais tarde, quando a encontraria pronta para partir rumo à felicidade. Enfim ele aceitou e garantiu que logo estaria de volta...
Assim que Péricles saiu, Nancy colocou os volumosos pacotes de dinheiro num grande jarro. Ela estava definitivamente satisfeita.
(...)
No momento em que se encaminhava para o quarto, o velho chegou.
Leia: “Deus lhe pague”. Ediouro.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas