Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo-o.html antes
de ler esta postagem:
A
conversa atingiu este ponto em que, para Nancy, não dava para ter certeza se
ele, de fato, não sabia do que se tinha passado entre ela e o Péricles...
De repente, passou a perguntar ao velho sobre quem ele era de fato e de
onde vinha... As respostas surgiram entre lacunas, já que afirmou que “ele era
ele mesmo, igual aos outros e diferente de todos”; alguém que vinha “de onde os
outros vieram”.
A mulher o provocou... Como ele podia ter certeza do que dizia? Em resposta,
o outro disse que jamais tivera a curiosidade semelhante à de Nero. Sendo
assim, aceitava com naturalidade o que se dizia acerca de suas origens e, dessa
forma, conseguia tempo para pensar sobre os dias que viriam. Esses certamente
só dependeriam dele mesmo...
Nancy insistiu que tinha de
saber quem ele era de fato... Considerava legítima a sua veemência, já que
havia decidido viver com ele. O velho respondeu que ele era o que ela podia ver
ali na sua frente, na rica casa. Completou afirmando que “aquele que está lá
fora é outro”. Com isso insinuava que levava uma existência diferente fora de casa,
mas é claro que a afirmação teve efeito de gerar ainda mais dúvidas.
Evidentemente ela quis entender o que ele queria dizer
com “aquele que está lá fora”. Então o velho confirmou que ele, que estava diante
dela, tinha “outra vida” lá fora. Mas quem ele era exatamente “quando estava lá
fora”? Foi a pergunta de Nancy...
Ele respondeu que “lá fora” era simplesmente um “elemento da multidão” e
isso pouco importava a ela. Nancy quis saber onde e em quê ele trabalhava... “Na
rua”, foi essa a resposta... Mas “o que fazia na rua”? Caridade... Acaso vivia
a dar esmolas?
Neste ponto, o velho parecia começar a revelar seu
segredo, mas suas respostas continuaram enigmáticas e Nancy as entendia como
piadas ou escárnio. Ele sugeriu que talvez as recebesse (esmolas), e mais uma
vez ela observou que não o entendia.
Novamente ele falou como quem não estava preocupado em dirimir dúvidas:
“Eu sou uma espécie
de pia de água benta, onde toda gente vai benzer-se para se livrar dos males.
Junto de cada pia de água benta, há uma caixinha onde se deposita o preço das
graças divinas”...
Nancy ouviu com atenção, mas, ainda sem entender, manifestou que
começava a ter medo do que ouvia. Explicou que gostaria que ele fosse como os
demais, que “falam sem mistérios”.
A respeito da “sugestão”
que acabava de ouvir, o velho respondeu que, se assim fizesse, “seria um banal”
e dessa forma nem ele se interessaria pela própria pessoa... De qualquer modo,
conservaria a felicidade enquanto continuasse a gostar dela... Ora, se lhe perguntasse
sobre o seu sentimento em relação a ele, certamente ela não responderia...
Ele prosseguiu arriscando o
que ela poderia responder... Amor? Medo? Não era nada disso... Talvez ela
nutrisse por ele uma “curiosidade inexplicável” que, para muitos, seria algo
como “sugestão”... Ignorantes diriam que se trata de “força magnética”... Uma
estalajadeira talvez dissesse que ele “tem parte com o diabo”.
Nancy
pensou sobre o que acabara de ouvir. Disse que não sabia exatamente o que a
mantinha presa a ele... Eventualmente pensava que nutria “uma grande amizade”...
O velho discordou dizendo que “a amizade é inimiga dos instintos” e que ela não
estava “presa” a ele. O que a prendia eram a incerteza e a dúvida. Na sequência
disse que a dúvida era ele mesmo e que, se se revelasse, provocaria nela uma
grande raiva... Então seria o caso de perguntar se isso interessava realmente,
pois a convivência com ele proporcionava-lhe uma boa condição.
Ela se levantou reclamando que “não há nada pior do que a dúvida” e se
retirou.
Ele sorriu demonstrando
satisfação.
(...)
Péricles entrou sussurrando o nome de Nancy, mas
deparou-se com seu desafeto e exclamou um espanto. O outro o cumprimentou e o
rapaz ficou confuso, então improvisou que viera à casa para agradecer-lhe pelo
favor da noite anterior.
O velho assentiu, mas destacou que se zangara porque ficara sabendo que
lhe devolvera o dinheiro. Como pudera fazer isso se lhe dissera que não tinha necessidade?
Péricles ainda mais se apavorou ao notar os dois pacotes sobre o divã enquanto
ouvia o dono da mansão dizer-lhe que “o dinheiro é seu” e, assim sendo, devia levá-lo
ao Banco para que se reabilitasse de vez. Emendou que estava tudo certo, pois
Nancy já “sabia de tudo”.
O velho despediu-se com um “até amanhã” e o
deixou só na grande sala.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo_8.html
Leia: “Deus
lhe pague”. Ediouro.
Um
abraço,
Prof.Gilberto