quarta-feira, 28 de abril de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – mais algumas considerações sobre o texto e as postagens; viagem e chegada a Marengo; um primeiro contato com o porteiro; palavras do diretor do asilo sobre as informações referentes à interna falecida; notas sobre a condição financeira do único filho; a instituição entende a dificuldade do jovem manter a velha mãe em sua companhia; o hábito da velha de cair em prantos a cada mudança; um espaço reservado para o velório

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/o-estrangeiro-de-albert-camus.html antes de ler esta postagem:

No livro, a narração se dá em primeira pessoa. A ideia aqui é a de nos afastarmos de Meursault, assim acompanhamos sua trajetória, a problematizamos e refletimos sobre ela e sobre a que nós mesmos trilhamos. Isso é inevitável.
(...)
Vimos como se inicia “O Estrangeiro”... O rapaz recebeu a mensagem sobre a morte da mãe, tratou de conseguir uma licença do trabalho para se dirigir a Marengo. Almoçou no restaurante do Celeste e visitou o Manuel, que lhe emprestou a gravata preta e forneceu um pouco de fumo também.
Não podemos dizer que a notícia da morte o tivesse abalado emocionalmente. Mais que isso, Meursault pareceu sentir o incômodo que esse tipo de ocorrência provoca na rotina. Além das providências a serem tomadas, teve de lidar com aqueles que o cercam. Teria de dar-lhes alguma satisfação?
Com o chefe, por exemplo, experimentou certo mal-estar ao solicitar o afastamento do serviço e, como que a se justificar, disse-lhe que não tinha culpa pela morte da mãe. Os tipos que frequentam o restaurante expressaram “à distância” o seu pesar...
Já as palavras do Celeste, “mãe, só há uma”, ao mesmo tempo que transmitiram o seu pesar, lembraram ao rapaz que o ocorrido é “único” em nossas vidas e, por tudo o que a mãe representa, merece o nosso recato e dedicação no cumprimento dos rituais de um sepultamento digno.
(...)
Meursault teve de se apressar para chegar ao ônibus. As tensões do dia e a tarde de calor o esgotaram. Depois de embarcado não demorou a adormecer...
Ao despertar, notou que poltrona ao lado da sua estava ocupada por um soldado. Este quis mostrar-se simpático, sorriu e perguntou-lhe se vinha de longe. A resposta foi monossílaba, “sim”, e isso bastou. A viagem prosseguiu até o fim sem que tivesse de voltar a falar.
(...)
Os passageiros desembarcaram na aldeia. Meursault sabia que o asilo se localizava dois quilômetros mais adiante e decidiu fazer o trajeto caminhando.
Logo que chegou à portaria quis dirigir-se ao local onde a mãe estava sendo velada... O funcionário o alertou que, antes disso, deveria conversar com o diretor. O caso é que o homem estava tratando de assuntos com outros e por isso teria de esperar.
Enquanto aguardava a sua vez de falar com o diretor, Meursault permaneceu junto ao porteiro, que se mostrava eloquente. Algum tempo se passou até que fosse autorizado a entrar no gabinete da chefia. O diretor era um tipo envelhecido e de olhos claros.
Meursault notou que o homem era laureado com a “Legião de honra” e que, pelo modo como apertou sua mão, devia ter a mania dos cumprimentos mais efusivos. Depois de verificar uns papéis, o diretor falou que a falecida havia chegado ao asilo há três anos e que o rapaz era “seu único amparo”...
Essas palavras incomodaram Meursault, que principiou a explicar-se. O diretor o interrompeu dizendo que não havia motivo para se justificar e emendou que ao ler a papelada a respeito de sua mãe ficara sabendo que ele não podia bancar despesas com ela. A mãe “precisava de uma enfermeira” que a acompanhasse o tempo todo...
O homem parecia consolar Meursault ao dizer-lhe que sabia que seu salário era modesto. Por fim cravou que a falecida tinha sido feliz na instituição, onde conviveu com pessoas da mesma idade e tornou-se amiga de algumas delas... Que ficasse tranquilo, pois entendia que ele era ainda jovem e certamente a mãe aborrecia-se junto à sua companhia.
(...)
Meursault ouviu o diretor e pensou que ele tinha razão. Lembrou-se de quando a mãe vivia com ele e permanecia muito tempo em silêncio e a segui-lo com os olhos. É verdade que depois que passou a viver no asilo teve certa dificuldade para se acostumar e “chorava muitas vezes”... Mas o que podia fazer se esse era o seu hábito? Provavelmente choraria se ficasse sabendo que teria de deixar o lugar.
Esse hábito de manifestar-se a respeito das coisas sempre aos prantos fez com que Meursault deixasse de visitá-la com frequência... Além disso, a viagem até Marengo tomava-lhe todo o domingo. Eram duas horas de viagem mais o tempo destinado à aquisição de passagens e deslocamentos.
Pensou sobre essas coisas sem dar ouvidos às demais frases do diretor... Por fim percebeu que o homem o chamava para ver a mãe. Meursault levantou-se em silêncio e o acompanhou até a porta. Ao chegarem à escada, o tipo explicou-lhe que tinha resolvido levar a defunta “para a nossa morgue particular. Para não impressionar os outros. Cada vez que algum morre, os outros ficam nervosos durante dois ou três dias, o que torna o serviço difícil”.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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