Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_17.html antes
de ler esta postagem:
Filippo
Sassetti, um “comissário de negócios” de Florença, permaneceu em Portugal de
1578 a 1583... Também ele nos deixou registros sobre a entrada de negros no
país ibérico.
No fragmento que segue, temos informações de Sassetti sobre a procedência
dos negros que chegavam a Portugal e a que se destinavam... O italiano emite
ainda impressões sobre a constituição física (e intelectual) do contingente
escravo:
“Os negros gentílicos são mais escuros do que a tinta de
escrever (non è tanto tinto l’inchiostro), de baixa estatura, fortes, e
próprios para o trabalho bruto (cose de fatica). São trazidos parte da Índia,
parte de Moçambique, e parte de lugares vizinhos da Índia mais para o
Equinócio. De São Tomé vêm grandes levas de negros arrebanhados por toda a
costa da África, de Cabo Verde até aquele paralelo do Equinócio, ao norte do
Equador. Constituem estes também gente mais de trabalho que de inteligência,
sendo os que vêm de Cabo Verde os negros mais afáveis, e que com mais facilidade
aprendem o que têm que fazer, inclusive tocar alaúde”.
Há um trecho destacado pelo autor em que, graças aos
registros de Sassetti, podemos conhecer a precariedade no desembarque dos
negros, que chegavam exaustos a Portugal.
No referido trecho, percebemos que o florentino se espantou com o
tumulto que mais se assemelharia a um “bloco de negros” atropelando-se na
disputa por um lugar onde pudessem saciar a sede. De acordo com suas palavras,
ele viu:
“um enorme
bebedouro de madeira no chão, sobre o qual se debruçavam aqueles pobres
coitados tentando sugar algo lambendo-lhe as bordas, de uma forma que, quer
pela maneira com que o faziam, quer pela impressão causada, em nada se diferençavam
de um bando de porcos lutando por enfiar o focinho na sopa de um cocho”.
(...)
Sem dúvida, o quadro descrito anteriormente é dos mais dramáticos e nos
transmite a impressão de que a chegada, ou passagem dos negros por Lisboa,
antecipava sua infelicidade em Portugal. Todavia, Tinhorão nos traz informações
que se contrapõem às notas de Sassetti.
Há outro relato de um
italiano anônimo e contemporâneo* do “comissário de negócios” florentino que,
além de não descrever infortúnios, dá a entender que os que chegavam para uma
condição de cativos acabavam se integrando “à vida da cidade de maneira muito
menos sofrida”...
*já que sua permanência em
terras lusitanas ocorreu entre 1578 e 1580.
Os
negros do final do século XVI em Portugal são descritos pelo anônimo italiano
como “descontraídos e alegres”, e nisso se constituía a principal diferença
entre eles e os portugueses. De acordo com fragmento do relato:
“ao passo que os
portugueses, por gravidade, andam sempre tristes e melancólicos, os escravos
mostram-se sempre alegres, não fazem senão rir, cantar, dançar e embriagar-se
publicamente em todas as praças”.
O autor de “Rei do Congo”
esclarece que o testemunho do italiano anônimo foi descoberto pelo professor
A.H. de Oliveira Marques. A segunda parte do manuscrito traz o título de “Ritratto
et riverso del Regno di Portogallo” e, de acordo com nota, “servia como
contraponto crítico às informações históricas da primeira parte.
O professor Marques Oliveira fez a tradução e publicou
o documento (com o título “Uma descrição de Portugal em 1578-1580) na revista “Nova
História” de Lisboa, nº 1, de maio de 1984.
(...)
A partir do século XVII, e sobretudo ao tempo da União Ibérica, praticamente
não se verificaram registros estrangeiros acerca da “vida social portuguesa”...
O livro dá destaque a um apontamento de Cosme de
Médici, herdeiro da famosa família que comandava a Toscana e que realizou uma
série de viagens pela Europa. Sobre a procissão de corpus Christi de 1669 que
teve a oportunidade de acompanhar, notou a “representação de diversas nações de
bárbaros sobre o domínio do rei de Portugal”. De acordo com o autor, certamente
as manifestações observadas pelo herdeiro dos Médicis se referem a “negros de
Lisboa”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_7.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto