Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_10.html antes
de ler esta postagem:
Outro
importante registro de Willian Beckford, também encontrado em “A Corte da
rainha D. Maria I: correspondência de W. Beckford”, com data já de fins de 1787
nos dá conta de um evento bem barulhento e agitado que ocorreu na rica casa
onde estava instalado.
O evento foi a visitação de “um grupo de foliões devotos da Irmandade do
Sacramento”... A casa onde o inglês havia se instalado pertencia a “um visconde
camerista da casa Real”, no bairro de Cova da Moura (onde também se localizava
o Palácio das Necessidades, próximo da residência do “príncipe de Sussex, filho
do rei Jorge III da Inglaterra”).
Os foliões, que arrecadavam
donativos para a festa da Coroação de Jesus, chegaram no momento mesmo em que
Beckford e a gente do visconde português tomavam o tradicional chá da tarde. A
respeito da visita dos foliões, algo inesperado pelo inglês, há o relato:
“(...)
fomos interrompidos por uma grande algazarra na rua, e correndo à varanda demos
com um grosseiro magote de velhas bruxas, rapazes e mendigos andrajosos,
trazendo à sua frente meia dúzia de tambores e outros tantos pretos de véstias
encarnadas, tocando trombetas com uma veemência insólita, voltadas diretamente
para a minha casa.”
“(...) eu recuava um
pouco para evitar ser queimado por um foguete, que zuniu a uma polegada do meu
nariz, quando um dos meus criados entrou com um crucifixo de prata e uma
amabilíssima mensagem das freiras do Convento do Sacramento, que enviavam os
seus músicos com tambores e foguetes, a convidar-nos para uma grande festa no
seu convento, em honra do Coração de Jesus”.
(...)
Outro estrangeiro em Lisboa, um francês anônimo,
J.-B.-F. Carrère, provavelmente fugitivo das agitações revolucionárias na
França do final do século XVIII, também nos deixou relatos a respeito “dos usos
e costumes da Lisboa dos setecentos”:
“Uma portuguesa que
sai à rua a pé jamais vai só: faz-se acompanhar de criadas cobertas por largos
mantos de baeta, que caminham atrás delas como lacaios; as que não tem criadas
contratam-nas quando querem sair, principalmente nos dias santos, para irem à
missa; são geralmente negras e mulatas as que se prestam a esse serviço; o
preço normal é de meio tostão ou seis ‘sous’ três ‘deniers’ por saída”.
O referido francês, possivelmente Joseph-Barthélemy-François Carrère,
chegou a Portugal em 1796... Suas cartas foram compiladas em “Tableau de
Lisbonne em 1796, suivi de letres écrites de Portugal sur l’etat ancien et
actuel de ce royaume”.
A encadernação esclarece
que Carrère considerou o carnaval de Lisboa (entrudo) bem desanimado... Por
outro lado, cravou que os portugueses se empolgavam muito mais com as
procissões religiosas e, especificamente em relação a uma “do Senhor dos
Passos” durante a Quaresma, afiançou que:
“Tomam parte nela cerca de 4 ou 5 mil pessoas, a maior
parte negros e mulatos, negras e mulatas. É crença geral que acompanhar esta
procissão sete anos seguidos absolve o participante do pecado mortal”.
A
respeito da romaria em honra à Nossa Senhora da Atalaia, “na outra margem do
Tejo”, uma das mais populares entre os lisboetas e que ocorre desde o começo do
século XVI, o francês destacou que:
“Esta (a procissão
de romaria a Atalaia) é interessante por apresentar o espetáculo singular de
incluir grupos de negros, negras, mulatos e mulatas, que fantasiados das formas
mais extravagantes precedem a procissão cantando e dançando”.
(...)
Também do final do século
XVIII são os registros de um viajante inglês que, para manter-se no anonimato,
assinava apenas A.P.D.G. Suas anotações a respeito da mesma procissão/romaria
em honra à Nossa Senhora da Atalaia foram ilustradas por desenho que continha explicações:
“O desenho que se vê
ao lado mostra um grupo de componentes da irmandade de N.S. da Atalaia no ato
de tirar esmolas para a festa da santa. Um deles leva a imagem do Menino Jesus
sentado numa cadeira, adornado com lantejoulas e fitas. Estas são apresentadas
aos passantes que as beijam, sempre tirando o chapéu e deixando cair uma moeda
na sacola”.
“O
leitor deve observar que o Menino Jesus é da mesma cor que o que o leva para a
festa da Virgem, o que se explica. Assim como os europeus atribuem
superioridade aos de sua cor, assim fazem também os negros em relação à sua; e,
por isso, não apenas acham que a divindade pode assumir a forma humana, mas inclusive
que o diabo é da nossa cor (o branco do europeu), e assim o representam”.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/rei-do-congo-mentira-que-virou-folclore_20.html
Leia: Rei
do Congo. Editora 34.
Um
abraço,
Prof.Gilberto