sexta-feira, 23 de abril de 2021

“Rei do Congo – A mentira que virou folclore”, de José Ramos Tinhorão – da difícil integração dos africanos em Portugal e o “limbo social-religioso”; alcoolismo e delinquências; leis para regular a “boa ordem e bons costumes”; fragmentos do “Livro das posturas antigas”


De início, os africanos capturados e levados para Portugal eram imediatamente colocados nos serviços mais pesados e degradantes de cidades como Lisboa... Era dessa forma, e chamando a atenção por sua cor de pele, que eram “incorporados ao meio social”.
Quando praticantes do Islamismo, logo eram considerados “infiéis pelos cristãos... Assim, “não tinham como se integrar espiritual e culturalmente à vida comum”. Ocorria ainda de serem associados ao paganismo por trazerem da África suas crenças tribais.
O anteriormente exposto fez com que por mais de meio século a gente transferida compulsoriamente da África vivesse “numa espécie de limbo social-religioso”, pois além de serem impedidos de praticar os rituais de “suas crenças originais”, sofriam a rejeição dos meios religiosos cristãos.
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Uma vez que os cativos africanos eram introduzidos “no mercado de trabalho urbano” para prestar árduos serviços sem qualquer garantia de sua integridade, não sentiam qualquer motivação para se aproximarem da Igreja.
Como se viam impedidos de realizar seus rituais religiosos originais “preferiam entregar-se a todas as oportunidades de gozo da vida comum oferecida a seu limitado alcance”.
Amargurados, os negros superavam essa e outras frustrações em bebedeiras e delinquências diversas. O livro esclarece que na metade do século XV a Câmara de Vereação de Lisboa aprovou leis para regular a “boa ordem e bons costumes”... A legislação pode ser entendida como uma reação às reclamações dos “procuradores dos mésteres” a respeito de:

                   “muitos furtos que fazem os negros da qual coisa (causa) a principal é beberem tanto vinho pelas tavernas que é ocasião de furtarem seus senhores do que ganham como de outras quaisquer coisas que podem haver”.

Em nota, o livro esclarece que o fragmento acima, “Postura pela qual se proíbe a venda de vinhos a negros e servos brancos” (que data de 27 de novembro de 1469), aparece como “documento nº 215 no índice de documentos do ‘Livro das posturas antigas’, Lisboa, Câmara Municipal, 1974”.
Como se vê, muitos negros acabavam se afastando dos princípios que manteriam se se continuassem praticantes da fé religiosa que traziam da África. Para conter a degeneração cada vez mais intensa, os mesteirais procuraram pressionar os que faturavam com o fornecimento da bebida alcoólica aos que acabavam praticando delitos e arruaças. A mesma “Postura de 27/11/1469” determinava que:

                   “Daqui em diante não seja pessoa alguma tão ousada de qualquer condição que seja que venda nem vinho a negro ou negra nem a branco ou branca que sejam servos”.

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A medida legislativa não surtiu o efeito desejado, já que vários comerciantes portugueses se mantiveram firmes no propósito da “liberdade comercial” e não deixaram de vender as bebidas proibidas aos negros... Além disso, os “dependentes químicos” citados na “Postura” continuaram a se apropriar “de tudo o que lhes caísse nas mãos para comprar aos brancos o vinho com que se regalar”.
Também do citado “Livro das posturas antigas” há o fragmento do “Acordo da Relação sobre os furtos que os escravos fazem” que destaca:

                   “É Acordo da Relação por que foi geralmente defeso (proibido) que nenhuma pessoa não compre coisa alguma a escravo sob pena de pagar quarenta coroas pelos muitos furtos que continuadamente eles fazem (...). Mandam (os do ‘desembargo del-rei’) que qualquer que algumas coisas comprar de escravos, se for pessoa de tal condição que possa e deva ser presa que o seja. E da cadeia pague em tresdobro o valor da coisa que assim comprou”.

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Como se vê, os africanos e seus descendentes sofreram muitas dificuldades em Portugal também em relação ao entrave social-religioso. Todavia esse quadro começou a mudar a partir do início do século XVI.
Leia: Rei do Congo. Editora 34.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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