Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/a-opera-de-tres-vintens-peca-de-bertold_31.html antes
de ler esta postagem:
A
situação tornava-se cada vez mais complicada para o Navalha, que sofria
implacável perseguição. Também o chefe de polícia Brown podia esperar pelo
pior, já que Peachum estava disposto a tramar grande tumulto durante as
celebrações de coroação da rainha...
Ao retomarmos as postagens sobre o filme, devemos lembrar que o bandido
havia se refugiado junto à garota que o acolhera durante a fuga da noite (ver https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/03/a-opera-de-tres-vintens-peca-de-bertold_18.html). O vemos
despedindo-se da jovem, que protestava por terem ficado juntos por pouco tempo.
Ele atirou o cigarro ao chão e respondeu que os “ossos do ofício” o obrigavam a
partir, pois tinha “negócios” a resolver. A garota o abraçou e pediu que ele
voltasse... Sim, voltaria...
Mas aquilo não daria certo, já que dois tiras chegaram
e se posicionaram junto ao casal. Ao vê-los, o Navalha percebeu que não podia mais
escapar, então sugeriu que o levassem logo.
(...)
A tela ficou escura e na cena
seguinte o narrador reapareceu... Em alto e bom som explicou que todos acabavam
de ver “a natureza ousada e negligente de Mackie”... Anunciou que na sequência
assistiriam a uma reviravolta na história graças à inteligência de uma esposa
amorosa.
Evidentemente se referia à Polly. O que será que ela
aprontava enquanto o marido bandido caia nas mãos da polícia?
(...)
Vemos uma grande porta que dá acesso a uma ampla sala...
Um bem trajado tipo anuncia “os cavalheiros da
diretoria”, e logo sete distintos cavalheiros entram.
Podemos notar que a sala é ocupada por alguém muito importante, pois
todos fazem reverências em direção à mesa antes de se acomodarem nos estofados.
Aos poucos a câmera revela que a grande mesa para onde dirigiam os cumprimentos
é ocupada por Polly.
Ela veste um elegante vestido e logo entendemos que ela preside um
grande banco.
(...)
Depois de golpear a mesa
com três leves toques de martelo, Polly iniciou um discurso aos diretores... Começou
dizendo que “alguém pode roubar um banco ou pode...”. Antes que terminasse a
frase, um de seus assistentes a interrompeu dizendo que “pode usar um banco
para roubar”...
Se observarmos com atenção,
veremos que os assistentes não nos são tão estranhos. Ela olhou para o tipo e
prosseguiu dizendo que se pode “comandar um negócio respeitável e cumpridor da
lei”. Com outro golpe de martelo sobre o tampo da mesa advertiu o assistente
intrometido.
Polly
citou o pai, que sempre lhe dizia: “quem seria tão idiota de roubar hoje em dia
quando temos as leis?” Depois falou sobre o marido, “nosso estimado diretor
executivo”, que estava escondido no exterior por motivos de força maior, mas
que, certamente aprovaria o trabalho que vinham desenvolvendo.
E que trabalho era esse? Polly fez referência ao “elegante e pequeno
banco” que haviam comprado. Um empreendimento “muito mais lucrativo do que
achar alguns cofres...” Neste ponto ela fez um gesto que foi perfeitamente
entendido pelos diretores como a “ação de roubar” (cofres que eventualmente
encontrassem).
Vemos que os elegantes
diretores sabiam bem do que se tratava... Polly passou a falar dos “negócios”
que realmente interessavam. Disse que seriam “fiéis à tradição honorável” da
instituição “de construir e consolidar a confiança do povo” através da
integridade de cada um dos membros ali presentes e da “lealdade fiduciária”. Todos
a aplaudiram efusivamente enquanto ela fechava sua grande pasta e a acomodava
sob um dos braços. Cravou um olhar enigmático sobre os diretores que,
acanhados, voltaram a silenciar. Assim ela ainda pôde sentenciar que a firma
empregaria apenas “pessoas de qualidade”. Parou diante de um deles e vociferou
que “ladrões e batedores de carteira são para idiotas”. Aconselhou-os a
esquecerem o passado, pois doravante iniciariam uma “vida honesta”. Quem não
aceitasse o “desafio” seria eliminado sem qualquer remuneração.
Saiu desejando que todos tivessem um bom dia... Entre
os diretores, houve quem dissesse que podiam aprender com ela. Somos tentados a
crer que estes faziam parte do antigo quadro.
(...)
Adiantamos que no texto da peça não há nenhum trecho que descreva o que
se vê nesta parte do filme...
Não há dúvida... No filme Polly aparece muito bem-sucedida
por ter seguido as orientações que havia recebido do marido. Passou a investir
as economias “no ramo bancário”.
Mais uma vez temos de destacar a ironia de Brecht ao inserir as frases
ácidas a respeito das instituições bancárias e sua atuação na sociedade. É o
que notamos no início do discurso de Polly aos executivos, quando ela diz que “alguém
pode roubar um banco...” E um de seus capangas completa “ou pode usar um banco
para roubar”...
A vemos destacando que o seu negócio com o banco é “comandar um negócio
respeitável e cumpridor da lei”... Na sequência cita uma frase de seu pai a
respeito das leis que regem a sociedade: “quem seria tão idiota de roubar hoje
em dia quando temos as leis?”.
O trecho dá a entender que os grandes corruptos
se apoiam exatamente na legislação que devia regular/fiscalizar as atividades e
punir as falcatruas de banqueiros e dirigentes de ricas corporações.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/a-opera-de-tres-vintens-peca-de-bertold_10.html
Leia: “A
ópera de três vinténs”. Editora Paz e Terra.
Indicação do filme (14 anos)
Um abraço,
Prof.Gilberto