Na mesma encadernação de “Estado de Sítio” podemos ler
também “O Estrangeiro”... Duas produções textuais de Albert Camus.
Neste
blog, as referências à peça “Estado de Sítio” se iniciam em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2015/09/estado-de-sitio-de-albert-camus-uma.html. A peça tem muito a nos dizer na atualidade tão
marcada pela pandemia e por gestões desastrosas da saúde pública...Às vezes dá
a impressão de que certos governantes se inspiram em “Peste”, o personagem
ditador de “Estado de Sítio”... Confira!
Mas aqui estamos para anunciar o início das postagens sobre “O
Estrangeiro”. Avançaremos com essa obra-prima, crítica e instigadora das vidas
de vários de nós que a leram na adolescência/juventude. Certamente um marco da
produção Existencialista.
(...)
“Sua mãe falecida: Enterro
amanhã. Sentimos pêsames”.
Logo no começo do livro, vemos Meursault nos revelando
que sua mãe morreu... Alguns logo diriam que se trata de um tipo distraído ou
de um mau filho. Onde já se viu? Sequer sabia dizer se a mãe havia morrido no
dia mesmo em que recebeu o telegrama do asilo! Podia ter morrido na véspera!
Que tipo, este Meursault! Temos a clara impressão de que essa dúvida o
incomodou mais do que a triste notícia...
(...)
Meursault vivia em Argel.
Marengo*, onde se localizava o asilo, fica a oitenta quilômetros... O rapaz
pensou que se pegasse o ônibus das 14:00 chegaria à tarde, resolveria eventuais
pendências com a casa de idosos, passaria a noite no velório e poderia retornar
no dia seguinte, à noite.
*Vale destacar que Marengo era uma aldeia que tinha esse
nome ao tempo da colonização francesa; depois o lugar passou a se chamar
Hadjout.
Tudo calculado, Meursault adiantou ao seu chefe que precisava se afastar
do trabalho por causa do sepultamento da mãe. Pediu e lhe foram concedidos dois
dias de licença. Apesar de o homem não se mostrar muito receptivo à demanda do
subalterno, não criou caso e não recusou “a folga” já que o pretexto era dos
mais justificados.
O caso é que, tendo percebido o mal-estar do chefe no momento em que
solicitava os dois dias, Meursault achou por bem pedir desculpas e disse-lhe “a
culpa não é minha”... Sem dúvida, algo inusitado. Obviamente o outro não lhe
deu nenhuma resposta... Então o rapaz pensou que não devia ter dito nada, pois
era obvio que não tinha culpa de a mãe ter morrido e, por isso não lhe restava
outra coisa a fazer senão afastar-se do trabalho para cuidar dos procedimentos
próprios do sepultamento.
É como se tivesse pedido
desculpas... Mas no final das contas o chefe é que deveria ter lhe dado os
pêsames. Foi isso que Meursault acabou pensando.
(...)
Ele pensava sobre essas
coisas e ao mesmo tempo procurava minimizá-las. Cravou que certamente o chefe
lhe daria os pêsames assim que o visse enlutado depois de retornar de Marengo.
A
sensação lhe era das mais estranhas... No momento era como se nada de diferente
tivesse ocorrido em sua rotina... Era “como se a mãe não tivesse morrido”
ainda. Tudo se resolveria com o sepultamento... Depois disso logo se acomodaria
à nova condição.
(...)
O dia estava dos mais quentes, e isso provocava desconforto. Como de
hábito, almoçou “no restaurante do Celeste”. Os conhecidos frequentadores do
lugar o olharam com tristeza assim que ficavam sabendo do passamento de sua
mãe. Mas além do próprio Celeste, que lhe disse “mãe, só há uma”, não se
lembrava de lhe terem dito mais nenhuma palavra a respeito, apesar de o terem
acompanhado até a porta assim que terminou sua refeição.
Depois do almoço, ou foi
durante, lembrou-se de que precisaria de uma gravata preta. Sabia do Manuel, um
tipo que havia perdido o tio há meio ano... Então foi à sua casa para conseguir
o acessório emprestado... Aproveitou e conseguiu um pouco de fumo também.
(...)
Tudo isso foi antes de encaminhar-se ao ônibus das
14:00.
Apressou-se em meio aos transeuntes para alcançar o veículo antes do
horário de saída.
Depois de embarcado, não demorou a adormecer.
Contribuiu para isso o cansaço provocado pela correria, “o cheiro da gasolina,
a luminosidade da estrada e do céu”, além dos solavancos do autocarro.
Leia: “O
Estrangeiro”. Editora Abril.
Um
abraço,
Prof.Gilberto