terça-feira, 27 de abril de 2021

“O Estrangeiro”, de Albert Camus – brevíssima introdução; o telegrama de Marengo; obtendo dois dias de licença e inusitado pedido de desculpas; o chefe deveria refletir sobre sua má vontade em relação ao enlutado; no restaurante do Celeste; um pequeno socorro do Manuel; no ônibus para uma viagem exaustiva em tarde de muito calor

Na mesma encadernação de “Estado de Sítio” podemos ler também “O Estrangeiro”... Duas produções textuais de Albert Camus.
Neste blog, as referências à peça “Estado de Sítio” se iniciam em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2015/09/estado-de-sitio-de-albert-camus-uma.html. A peça tem muito a nos dizer na atualidade tão marcada pela pandemia e por gestões desastrosas da saúde pública...Às vezes dá a impressão de que certos governantes se inspiram em “Peste”, o personagem ditador de “Estado de Sítio”... Confira!
Mas aqui estamos para anunciar o início das postagens sobre “O Estrangeiro”. Avançaremos com essa obra-prima, crítica e instigadora das vidas de vários de nós que a leram na adolescência/juventude. Certamente um marco da produção Existencialista.
(...)
“Sua mãe falecida: Enterro amanhã. Sentimos pêsames”.
Logo no começo do livro, vemos Meursault nos revelando que sua mãe morreu... Alguns logo diriam que se trata de um tipo distraído ou de um mau filho. Onde já se viu? Sequer sabia dizer se a mãe havia morrido no dia mesmo em que recebeu o telegrama do asilo! Podia ter morrido na véspera! Que tipo, este Meursault! Temos a clara impressão de que essa dúvida o incomodou mais do que a triste notícia...
(...)
Meursault vivia em Argel. Marengo*, onde se localizava o asilo, fica a oitenta quilômetros... O rapaz pensou que se pegasse o ônibus das 14:00 chegaria à tarde, resolveria eventuais pendências com a casa de idosos, passaria a noite no velório e poderia retornar no dia seguinte, à noite.

                   *Vale destacar que Marengo era uma aldeia que tinha esse nome ao tempo da colonização francesa; depois o lugar passou a se chamar Hadjout.

Tudo calculado, Meursault adiantou ao seu chefe que precisava se afastar do trabalho por causa do sepultamento da mãe. Pediu e lhe foram concedidos dois dias de licença. Apesar de o homem não se mostrar muito receptivo à demanda do subalterno, não criou caso e não recusou “a folga” já que o pretexto era dos mais justificados.
O caso é que, tendo percebido o mal-estar do chefe no momento em que solicitava os dois dias, Meursault achou por bem pedir desculpas e disse-lhe “a culpa não é minha”... Sem dúvida, algo inusitado. Obviamente o outro não lhe deu nenhuma resposta... Então o rapaz pensou que não devia ter dito nada, pois era obvio que não tinha culpa de a mãe ter morrido e, por isso não lhe restava outra coisa a fazer senão afastar-se do trabalho para cuidar dos procedimentos próprios do sepultamento.
É como se tivesse pedido desculpas... Mas no final das contas o chefe é que deveria ter lhe dado os pêsames. Foi isso que Meursault acabou pensando.
(...)
Ele pensava sobre essas coisas e ao mesmo tempo procurava minimizá-las. Cravou que certamente o chefe lhe daria os pêsames assim que o visse enlutado depois de retornar de Marengo.
A sensação lhe era das mais estranhas... No momento era como se nada de diferente tivesse ocorrido em sua rotina... Era “como se a mãe não tivesse morrido” ainda. Tudo se resolveria com o sepultamento... Depois disso logo se acomodaria à nova condição.
(...)
O dia estava dos mais quentes, e isso provocava desconforto. Como de hábito, almoçou “no restaurante do Celeste”. Os conhecidos frequentadores do lugar o olharam com tristeza assim que ficavam sabendo do passamento de sua mãe. Mas além do próprio Celeste, que lhe disse “mãe, só há uma”, não se lembrava de lhe terem dito mais nenhuma palavra a respeito, apesar de o terem acompanhado até a porta assim que terminou sua refeição.
Depois do almoço, ou foi durante, lembrou-se de que precisaria de uma gravata preta. Sabia do Manuel, um tipo que havia perdido o tio há meio ano... Então foi à sua casa para conseguir o acessório emprestado... Aproveitou e conseguiu um pouco de fumo também.
(...)
Tudo isso foi antes de encaminhar-se ao ônibus das 14:00.
Apressou-se em meio aos transeuntes para alcançar o veículo antes do horário de saída.
Depois de embarcado, não demorou a adormecer. Contribuiu para isso o cansaço provocado pela correria, “o cheiro da gasolina, a luminosidade da estrada e do céu”, além dos solavancos do autocarro.
Leia: “O Estrangeiro”. Editora Abril.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas