quinta-feira, 8 de abril de 2021

“Deus lhe pague”, peça de Joracy Camargo – Péricles percebe que o plano havia falhado e que seria desmascarado; Nancy o flagra recolhendo o butim antes de escapar; amargas lições I; o velho conta-lhes a respeito de sua “existência paralela”, os “verdadeiros mendigos” são outros; amargas lições II; que sigam o caminho que traçaram e sejam felizes

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2021/04/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo_7.html antes de ler esta postagem:

O velho se retirou...
Péricles ficou visivelmente chocado, indeciso e com os olhos arregalados focou o dinheiro e depois a porta... Por fim decidiu pegar os pacotes e encaminhar-se para a saída.
Nancy retornou à sala e o chamou assim que o flagrou... Assustado, o rapaz deixou o dinheiro cair. A mulher afastou os pacotes com o pé e foi lhe dizendo que a “conquista da felicidade” era mesmo perigosa e que “o dinheiro dos infelizes” é inútil. Visivelmente amargurada, manifestou que tinha a impressão de que a viam como “uma lata de lixo”, onde se atiram papéis sujos. Por fim, perguntou-lhe se sabia quanto aqueles cem contos valiam em suas mãos.
Envergonhado, Péricles respondeu que não sabia, então ela afirmou que, nas mãos dele, aquele dinheiro não valia nada. Provocou-o dizendo que ele sequer tinha noção de que o que havia nos pacotes era dinheiro. Pegou um dos pacotes e leu que os papéis eram “promessas” e que, “no Thesouro Nacional”, seriam pagas em ouro (o lastro). Vociferou que “ninguém buscaria o ouro!” As notas eram trocadas “por um pouco de felicidade”. Mas evidentemente ele não saberia onde encontrar.
(...)
O rapaz estava mesmo encabulado e sem condições de encará-la... Respondeu que de fato não sabia, mas tudo indicava que a felicidade estivesse nas mãos do “velho miserável”, a quem o dinheiro pertencia.
Essas últimas palavras foram ouvidas pelo velho que retornava à sala naquele momento... Ele chegou afirmando que os pacotes pertenciam ao Péricles... Disse também que, com aquele dinheiro, havia comprado “um pouco de felicidade para Nancy”.
A mulher o interrompeu e disparou que o dinheiro comprara apenas a desgraça do rapaz... Mas por quê? O velho quis saber... O dinheiro não chegara a tempo?
Péricles acabou confessando que não era irmão de Nancy. Pediu perdão e o velho manifestou espanto enquanto o rapaz explicava que havia tramado uma chantagem apenas para fugir com ela, pois “era apenas apaixonado”.
O velho cumprimentou-o com um “meus pêsames”, depois voltou-se para Nancy e perguntou-lhe a respeito de sua participação na trama. Cabisbaixa, deixou escapar que “era uma infeliz”.
Mas será que esperavam viver felizes só com aquela quantia? O velho lançou essa pergunta e, dando tapinhas no ombro de Péricles, emendou que podia ficar com o dinheiro... E podia ficar com Nancy também.
(...)
A atmosfera tornou-se bem pesada na grande sala. O velho vaticinou que o dinheiro ainda “voltaria par ele”... Quanto a Nancy... Não podia cravar nada a seu respeito, então pôs-se a sair desejando-lhes “boa noite; sejam felizes”.
Ela o interceptou sem saber o que dizer. Ele a consolou afirmando que entendia bem que a dúvida permanecia em seu espírito... Sim, algo horrível, ela confirmou.
(...)
O velho ia se retirar, mas decidiu demorar-se um pouco mais para dissipar a dúvida que ela tinha sobre a sua condição. Então pediu aos dois que se sentassem. Na sequência revelou-lhes que era “um reles mendigo de porta de igreja”.
Nancy e Péricles sorriram nervosamente, pois não podiam crer na informação que acabavam de ouvir... Então o dono da mansão cravou que “as grandes verdades são tão absurdas que é muito difícil acreditar-se nelas”.
Atônita, Nancy perguntou-lhe se era mesmo um mendigo. O velho respondeu que era um “falso mendigo”, já que os “verdadeiros” eram os que lhe davam esmolas. Péricles se intrometeu dizendo que ele devia se disfarçar muito bem.
Para matar a curiosidade do outro, o velho esclareceu que tinha apenas de trocar de roupa e colocar barbas postiças... Só isso? O moço não podia crer e tampouco entender como as pessoas se iludem umas com as outras apenas pela aparência e roupas que vestem.
Mas será que o homem não tinha medo de ser descoberto? Péricles lançou mais essa dúvida e o velho, como que a dizer o óbvio, respondeu que “o dinheiro encobre as misérias”.
(...)
Péricles e Nancy se entreolharam. Depois, quase que simultaneamente, voltaram os olhares para os pacotes de dinheiro... Provavelmente suspiraram enquanto pensavam nas últimas palavras que tinham ouvido.
Ela perguntou novamente se o velho era mesmo um mendigo. Ele confirmou e emendou que ela não precisava pensar mais nele... E não havia por que hesitar entre um velho mendigo e um jovem rapaz prestigiado socialmente. Que ficasse com o rapaz! E esse era o último conselho que tinha para lhe dar.
E o que mais? Que ficassem juntos... “Um dia, quando sentissem que a felicidade lhes escapa, poderiam percorrer as igrejas”... Certamente o encontrariam, e ele lhes venderia “a troco de um tostão”.
Cumprimentou-os novamente... Boa noite!... E enfim se retirou.
Leia: “Deus lhe pague”. Ediouro.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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